Faltavam quinze minutos para as oito quando Jacira e Maria Lúcia chegaram à casa de Lídia, onde foram recebidas com o carinho de sempre.
Sentadas na sala, Lídia
ouviu Maria Lúcia falar sobre o ocorrido e quando ela terminou observou:
- Eu sabia que sua
sensibilidade iria abrir-se
mais, e
é hora de você buscar uma ligação mais forte com seu guia espiritual.
- Mas eu não sei quem ele é!
- Mesmo assim ele está ao
seu lado. Conforme você for pensando nele, pedindo sua inspiração, mais abrirá
a porta para que ele se manifeste.
- Mas eu gostaria de saber
seu nome, quem foi ele na última encarnação.
- Não é por aí. Os espíritos
superiores só falam o que é mais útil para você. Conhecer quem eles foram ou o
que fizeram neste mundo, não vai acrescentar nada ao seu progresso espiritual.
Eles são discretos. Já os menos evoluídos mentem descaradamente.
Adoram falar sobre sua vida passada, ou mesmo da vida de
quem os está ouvindo, usando nomes famosos, zombando da boa fé e da credulidade dos ingênuos.
- Nesse
caso não dá para acreditar no que eles dizem - interveio Jacira. - Como vamos
saber se estamos falando com um espírito de luz?
- Os
espíritos evoluídos transmitem energias elevadas, não se prestam a atender a
curiosidade das pessoas. Depois, o bom senso nos manda analisar com
inteligência o que eles nos dizem e só aceitar o que é bom.
- porque
em outra vida ele havia sido muito mulherengo e feito sofrer muitas mulheres e
estava sendo castigado. Aconselharam-no a perdoá-la.
- O
conselho foi bom. O perdão é sempre melhor do que a vingança. Mas Deus não
castiga ninguém. As pessoas gostam de justificar suas fraquezas, culpando a
vida pelos seus desacertos, quando, na verdade, esse amigo do Nelson colheu o
resultado do que fez. Se agora a vida colocou no caminho dele uma mulher com a
mesma fraqueza, foi para que ele experimentasse a mesma infelicidade que
provocou nos outros e para que aprendesse a controlar melhor suas sensações.
- Quer
dizer que a culpa da traição foi dele? - indagou Maria Lúcia admirada.
- Não
se trata de saber de quem foi a culpa. Quem usa os outros em proveito próprio,
apenas para satisfazer suas sensações, indiferente ao sofrimento que pode
estar provocando, está mostrando a necessidade de passar pelo mesmo processo
para aprender.
- E,
como estamos aqui para amadurecer, colhemos os resultados de nossas escolhas!
- exclamou Maria Lúcia.
- Isso
mesmo. Você vê os espíritos desde pequena, o que revela que sua sensibilidade é
natural. Até há pouco tempo, mesmo tendo passado por tantos problemas nesta
vida, mantinha-se equilibrada - tornou Lídia.
- Sempre
senti a presença de espíritos de luz que me protegem, e, apesar de ver ao lado
de outras pessoas espíritos sofredores, eles nunca me afetaram. Mas há alguns
dias eu estava me sentindo inquieta. Percebia um vulto rondando meus passos,
mas não conseguia ver-lhe o rosto. Então, comecei a passar mal. Tentei reagir,
mas ele aproximou-se e perdi o controle. Eu estava ouvindo o que minha boca
falava, mas não conseguia parar. Foi horrível.
- Ele
pediu ajuda dizendo que errou muito, está arrependido e sofrendo. No fim, deu o
nome de meu irmão mais velho que foi embora de casa e, há muito tempo não dava
notícias - explicou Jacira. - Fiquei chocada. Quando me acalmei um pouco e ia
conversar mais, ele foi embora. Acha foi ele mesmo quem deu a comunicação?
- É o
mais provável - esclareceu Lídia.
- Eu
quero que ele volte para conversar. Não sei o que fazer, se falo com mamãe ou
não. Ela espera que um dia ele volte...
- Tenha
calma. É melhor esperar um pouco mais para conversar com Geni. Com relação e ele, o que
podemos fazer é procurar a orientação dos espíritos amigos e saber como
auxiliá-lo. O que aconteceu com você, Maria Lúcia, foi um fenômeno de
incorporação. Eu sugiro que façamos alguns testes práticos de mediunidade para
saber se foi uma manifestação esporádica ou não.
- Você
acha que esse fato poderá repetir-se? -indagou Jacira preocupada.
- É o
que precisamos descobrir. Não se preocupe, Jacira. Estela tem essa mediunidade,
aprendeu a controlá-la, e está muito bem.
- O
que posso fazer para isso? Eu não quero mais sentir o que senti.
- Eu
e Estela nos
reunimos uma vez por semana para estudarmos e entrar em contato com os
espíritos.
- Não
é perigoso? - indagou Jacira.
- Nós
estamos protegidas por espíritos amigos que nos ensinam o que fazer para nos mantermos equilibrados.
- Ernesto
me ensinou o quanto é importante controlar nossos pensamentos, ficar no bem
para mantermos nosso
bem-estar.
- É
isso mesmo, Jacira. Você agora disse tudo. Nosso equilíbrio espiritual e
físico, passa pelo nosso emocional. Quando aprendemos a tomar conta dos nossos
excessos, disciplinamos nossas emoções, cultivamos o bem, nossa vida se
transforma para melhor.
- Com
Ernesto aprendi a ser mais positiva, a acreditar que podia e merecia viver
melhor, desde então minha vida mudou. Você tem razão ao dizer que somos nós que
escolhemos onde queremos estar.
Quem escolhe o bem, fica bem. Eu também quero
vir todas as semanas com Maria Lúcia para aprender mais sobre a vida
espiritual.
- Vai
ser muito bom estudarmos juntas. O espírito de Marina está me dizendo que vai
participar dos nossos encontros.
- Pergunte
a ela se é verdade que meu irmão morreu mesmo e se foi ele quem se comunicou.
- Ela
disse que foi ele mesmo e que oportunamente voltará ao assunto.
Os
olhos de Jacira marejaram. Ela desejava saber mais detalhes, mas controlou-se.
Disse apenas:
- A
presença dela tem me ajudado muito, estou certa de que fará o que puder por
ele. Eu rezo sempre agradecendo a Deus por ela estar no meu caminho.
- Então
está combinado. Todas as quartas-feiras, às oito, nos reuniremos para
estudarmos.
Durante
o trajeto de volta para casa, Jacira não podia esquecer o irmão. Não comentou
nada com Maria Lúcia, tentando demonstrar calma, porém as mais diferentes
suposições apareciam em sua mente e ela tentava imaginar qual delas teria de
fato acontecido.
Foi
para o quarto, mas estava sem sono. Como ele teria morrido? Se foi por doença,
por que ele não procurou a família para pedir ajuda? Neto tinha morrido, mas e
Jair, onde
estaria? Por que não se lembrava da família?
Não
podia esperar mais pela volta de Neto, mas se pelo menos Jair voltasse, Geni ficaria mais feliz.
Apesar
de ela estar mais disposta, trabalhando sem reclamar, arrumando-se melhor, seu
relacionamento com o marido ter se tornado mais cordial, Jacira notava que de
vez em quando ela ficava pensativa,
triste, com os olhos perdidos em um ponto distante e sabia que ela
estava se lembrando dos filhos ausentes.
Sentou-se
na cama, fechou os olhos e lembrou-se do espírito de Marina. Orou
fervorosamente pedindo a ela que a auxiliasse a encontrar Jair. Pela primeira vez depois que
os irmãos foram embora, ela arrependeu-se de nunca ter tentado encontrá-los.
Se
eles tinham abandonado a família, sido ingratos com os pais, ela também fora
omissa, uma vez que aceitara a situação conformando-se com o abandono sem nunca
haver se interessado em responder suas cartas nas poucas vezes que escreveram.
Apesar
de reconhecer a falha, não se recriminava. Naquele tempo, ela também estava
alheia, mergulhada na ilusão, alimentando as crenças falsas que tinha
aprendido, julgando-se incapaz, pobre, fraca, ignorando todas as coisas boas
que já possuía, sem saber que poderia conseguir mais.
Mas
agora, era diferente. Ela sabia que podia confiar em sua força, em sua
capacidade de aprender e progredir. Reconhecia que com Deus no coração, esforçando-se
para fazer sua parte com capricho, a vida iria lhe dar o melhor.
Lembrou-se
de Jair com
carinho. Era com ele que ela se dava melhor. Sentira-se muito só depois que ele
também foi embora. Jair tinha
sido uma criança muito alegre e o único na família que tinha pensamentos
mais positivos.
Pensou nele com carinho e firmou o propósito de fazer
tudo que pudesse para encontrá-lo. No dia seguinte, conversaria com Geni para
saber se ela teria guardado as duas cartas que ele havia mandado.
Deitou-se,
mas apesar de haver tomado essa
resolução, demorou para dormir.
Na manhã seguinte, ao encontrar-se com Geni na copa, enquanto tomavam café, Jacira
tornou:
-Nos últimos dias tenho pensado em Jair. Será que ele ainda está morando no Sul?
O rosto de Geni entristeceu quando ela respondeu:
-Como poderemos saber? Aquele ingrato nos esqueceu.
Faz tempo que não manda nenhuma carta. Mas agora, mesmo que ele quisesse, não
tem mais nosso endereço. Por esse motivo é que eu não queria sair daquela casa.
Jacira ficou pensativa durante alguns segundos, depois
perguntou:
- Você ainda tem a última
carta dele?
- Tenho. Por quê?
- Ele escreveu, mas nunca respondemos. Talvez seja por esse motivo que ele
deixou de nos escrever.
Geni suspirou triste:
- Pode ser. Eu tive vontade
de responder, mas seu pai estava muito sentido por eles terem nos abandonado e
me proibiu.
- Antes eu também pensava
dessa forma, mas hoje mudei de ideia. Quero escrever para ele.
Geni olhou em volta, depois disse baixinho:
- Não vai adiantar.
- Por quê?
- Há uns dois anos, mais ou menos, escondido de vocês eu escrevi para ele
falando que estava com saudades, pedindo que viesse nos ver e se não pudesse
que nos escrevesse dizendo como estava. Mas, nunca recebi resposta. Talvez ele
tenha se mudado e não tenha recebido minha carta.
- Pode ser, mãe, mas eu
gostaria de tentar. Pode dar-me a carta dele?
Os
olhos de Geni brilhavam
quando ela se levantou e respondeu:
- Vou
buscar.
Ela
saiu e voltou alguns minutos depois com uma caixa nas mãos.
Entregou-a para
Jacira dizendo:
- Aqui
está tudo que nos restou deles.
Jacira
abriu a caixa e logo viu que a primeira era de Neto. Sentiu um arrepio
percorrer-lhe o corpo e procurou controlar a emoção.
Vendo
que ela pegou o envelope e colocou-o de lado segurando a que era de Jair, Geni indagou:
- E o
Neto, você não vai escrever para ele também?
- Vamos
ver. Você escreveu para ele também?
- Sim,
mas também não obtive resposta. Jacira apanhou a carta de Neto, notou que fora
escrita há mais de quinze anos. Ele contava que estava trabalhando em
um hotel onde o salário era pequeno, mas, somado às gorjetas, estava vivendo
melhor do que quando morava com a família. Havia mais uma carta que ele
enviara dois anos depois, pedindo notícias de todos e dizendo que estava bem.
Jair tinha
mandado três cartas. Na primeira comentava que estava adorando Porto Alegre,
fazendo boas amizades e trabalhando no escritório de uma empresa. A segunda era
parecida com a primeira e a última datada de dez anos antes informava que
estava se preparando para prestar exame em uma faculdade. Pedia notícias de
todos e também que torcessem para ele passar no vestibular.
Jacira colocou as cartas na caixa. O tempo
tinha passado e ela não sabia o que fazer para ter notícias. Com receio de que
Jacira desistisse de procurá-los, Geni interveio:
- Nós
temos o nome do hotel no Rio de Janeiro onde o Neto trabalhou. Mesmo ele não
estando mais lá, talvez eles possam nos dar algumas informações.
- Talvez. Assim que eu puder
irei até esse hotel. Mas e Jair? Na última carta estava entusiasmado prestando
vestibular. Por que não nos escreveu contando se passou?
- Vai ver que não conseguiu
e desanimou.
- Não creio. Esse era um
sonho dele desde pequeno. Se ao menos ele tivesse dito em que faculdade era
esse exame, talvez pudéssemos encontrá-lo.
- Se ele tivesse passado no
exame, seja qual for a carreira, teria se formado. Se isso tivesse ocorrido,
ele teria nos escrito.
Jacira suspirou pensativa. Geni tinha razão. Jair
teria também morrido como Neto? A esse pensamento, sentiu um aperto no peito.
Um já tinha partido, seria tarde demais para encontrar o outro?
Percebendo o olhar triste
e preocupado de Geni, Jacira dissimulou a preocupação e disse sorrindo:
- Vou pensar em um jeito de procurá-los.
Geni segurou as mãos dela
dizendo com voz súplice:
- Pode não ser fácil, mas,
filha, por favor, não desista.
- Não vou desistir. Só
preciso descobrir como iniciar essa busca.
Preciso ir trabalhar. Depois
conversaremos.
Pouco depois de Jacira
sair, Geni ficou conversando com Maria Lúcia, falando de quando os filhos eram
pequenos e de sua saudade. Ouvindo-a
Maria
Lúcia lembrou-se da mãe, uma onda de
tristeza a envolveu e ela começou a chorar desesperada.
Assustada, Geni exclamou:
- Por que está chorando dessa maneira? Está se
sentindo mal?
De repente, Maria Lúcia levantou-se, olhos muito abertos e disse com voz lamentosa:
- Você se lamenta sem razão. Se eles foram embora a
culpa foi sua.
Você não soube ser uma boa mãe. Mas eu nada fiz para ser tão
castigada. Fui uma boa mãe. Dei-lhe todo meu amor e assim mesmo a vida nos separou.
Geni observava assustada.
A expressão do rosto de Maria Lúcia, que estava sempre calma, havia se
transformado. Em seus olhos fixos havia um brilho de indignação e ela continuou
quase gritando:
- De que adiantou ter me sacrificado tanto? Por amor
a ela esqueci de mim mesma. Fiz tudo para fazer o bem, mas não valeu nada. No
momento em que ela mais precisava de mim ele me tirou dela. E agora, ainda
tenho de suportar a perseguição dele me pedindo perdão. Não adianta rezarem
por ele. Não vou perdoá-lo. Não vou mesmo!
Geni tremia sem saber o
que fazer. Pensou em sair em busca de ajuda, mas ao mesmo tempo não tinha
coragem de deixá-la sozinha.
Apesar de nervosa, Geni
resolveu rezar. Certa vez, ainda criança, ela tinha visto um rapaz fazer uma cena
parecida e a mãe dissera que era uma alma do outro mundo, pedira a todos que
rezassem para ela ir embora.
Geni começou a rezar,
embora seu nervosismo não lhe permitisse sentir as palavras que dizia, aos
poucos Maria Lúcia foi se acalmando. Geni sentiu-se mais calma e continuou rezando.
Maria Lúcia fechou os
olhos e calou-se durante alguns minutos.
Depois disse com voz suave:
- Obrigada por nos ter auxiliado com suas preces.
Que Deus a abençoe.
Suspirou, abriu os olhos e
Geni não se conteve:
- Você está bem?
- Ainda estou muito
emocionada com a presença de minha mãe e com o que ela disse. Eu não sabia que
estava tão revoltada.
- A alma de sua mãe esteve
aqui e você diz isso com essa calma? Eu estou muito assustada.
- Não tenha medo, d. Geni.
Eu tenho mediuni-dade. Desde pequena eu vejo os espíritos.
- As freiras sabiam disso?
- A madre superiora sabia. Mas lá eu só os via.
Agora eles estão querendo falar com as pessoas através de
mim. Foi a primeira vez que vi minha mãe depois que ela partiu. Eles não me
deixaram vê-la antes para não me preocupar.
- Jacira
sabe disso?
- Sabe.
Nós fomos conversar com a d. Lídia. Ela também vê e ouve os espíritos. Estela também é médium.
- Por
que não me contaram nada?
- Não sei. Mas a senhora soube
o que fazer. Ajudou muito.
- Eu nunca
pensei muito nesse assunto, mas depois do que aconteceu acho que chegou a hora
de pensar.
- Dona
Lídia emprestou-me dois livros. O Livro dos Espíritos para
estudar, e um romance.
- Não
sabia que existiam livros de estudos sobre esse assunto.
- Existem,
sim. Esse que estou lendo conta o resultado das pesquisas de um professor
francês que comprovou a comunicação dos espíritos.
- Sempre
pensei que espiritismo fosse coisa de gente sem instrução.
- A
senhora está enganada. Há muitos pesquisadores sérios que se empenharam em
pesquisar os fenômenos paranormais.
Eles dizem que a sensibilidade, que alguns chamam de sexto sentido, é
natural em todo ser humano e não tem nada a ver com religião.
- Nunca ouvi ninguém dizer
isso! Estou admirada.
- Eu
estou feliz de poder estudar esse livro que explica o que está acontecendo
comigo e ensina a usar minha sensibilidade de maneira adequada.
- Hoje,
quando Jacira chegar, ela vai ter de me explicar direitinho porque nunca me disse nada a
respeito.
- Nós
combinamos ir uma vez por semana na casa de d. Lídia para estudarmos e fazermos
alguns testes práticos.
Geni pensou um pouco, depois respondeu:
- Acho
que vou também.
- Vá
mesmo. O que aconteceu hoje talvez tenha sido para que a senhora comece a
estudar a espiritualidade.
- Não
exagere. Eu quero apenas me informar, não me envolver com as almas do outro
mundo.
- Todos
nós estamos envolvidos com os que partiram deste mundo, mesmo quando não lhes
percebemos a presença. Eles estão a nossa volta o tempo todo.
Aristides entrou na cozinha trazendo um viçoso maço de
cheiro-verde. Seus olhos brilhavam de prazer quando o entregou a Geni dizendo:
- Veja
o que eu consegui. Você nunca compraria um maço de cheiro-verde tão lindo e
cheiroso como este!
- Está
maravilhoso. Vou passar um café bem gostoso. Você merece.
O ambiente estava calmo, os três serenos e
alegres, muito diferente da cena que as duas tinham vivido momentos antes.
À
noite, assim que Jacira entrou em casa, Geni contou-lhe a novidade e finalizou:
- Você sabia de tudo. Por que
nunca me contou nada?
- Nunca
conversamos a respeito. Eu não sabia que se interessaria.
- Bom...
De fato... Nunca me interessei mesmo. Mas é que eu nunca tinha visto nada. Você
precisava ver como o rosto de Maria Lúcia mudou. Parecia mais velha, a voz,
apesar de mais grossa, era forte, muito diferente dela. Fiquei assustada, com
medo, senti arrepios, mas quando rezei e percebi que ela estava se acalmando,
senti-me forte.
- Você
sentiu que agiu de maneira certa.
- Foi.
Mas por que será que o espírito dela estava tão revoltado?
Falou que estava
sendo perseguida por ele. Quem seria?
- Talvez
não tenha sido fácil para a mãe dela partir e deixar a filha tão jovem sozinha
no mundo. Não sei quem a estaria perseguindo.
Na quarta-feira faremos uma
sessão com Lídia, talvez possamos descobrir alguma coisa.
- Eu
quero ir com vocês.
- Está
bem. Estou bastante interessada em estudar esses fenômenos.
- Você
interessou-se por esse assunto por causa de Maria Lúcia?
- Não,
mãe. Aconteceram comigo algumas coisas que me deram a certeza de que a vida
continua depois da morte do nosso corpo.
- Aconteceu
com você o mesmo que com ela?
- Não.
As pessoas são diferentes. Eu tive algumas experiências durante o sono.
- Como
é isso?
- Quando
estou dormindo, meu espírito sai do corpo e vai para outra dimensão.
Geni abriu
a boca, fechou-a novamente sem encontrar palavras que expressassem sua
surpresa. Jacira sorriu e continuou:
- É
verdade, mãe. Nesses momentos, eu encontro o espírito de uma mulher que me
protege. Conversamos, ela me leva para outros lugares onde vivem os que
morreram.
Geni meneou a
cabeça negativamente:
- Como
pode ser isso? Você sonha, e os sonhos são sempre confusos?
- Tem
razão. Os sonhos podem expressar nossas preocupações e mostrar problemas que
normalmente não queremos enxergar. Mas esses que estou falando, são especiais.
As energias são muito fortes, há um prazer muito grande que não dá para
traduzir em palavras.
Eu tive aulas com o dr. Ernesto, um especialista no
assunto, que me explicou o processo. Não dá para confundir com o sonho comum.
As impressões são tão fortes que nunca mais as esquecemos. Quando estamos lá,
não dá vontade de voltar.
- Estou
pasma! Você passou por tudo isso e nunca me disse nada?
Acho que eu nunca
conheci você, está parecendo outra pessoa!
- Mas
continuo sendo eu mesma. Há coisas que são tão íntimas, tão importantes, que
preferimos guardar no coração. Mas começo a pensar que está chegando o momento
de compartilhar mais essas descobertas com vocês.
Ela
ficou calada durante alguns segundos, segurou a mão de Geni fazendo-a sentar-se ao seu
lado no sofá. Notando que ela a observava com atenção continuou:
-
Nossa vida começou a mudar depois que o espírito de Marina conversou comigo
pela primeira vez. Ela levou-me a um lugar maravilhoso e ensinou-me a enxergar
a vida de outra forma. Com ela, aprendi que somos nós quem escolhemos nosso
caminho e que colhemos o resultado de nossas escolhas.
Notando que Maria Lúcia estava parada do
lado, atenta à conversa, pediu-lhe que se sentasse também e contou-lhe
detalhadamente tudo quanto lhe acontecera.
Não omitiu o namoro com Nelson nem os motivos
pelos quais rompera com ele.
As duas ouviram com interesse enquanto
Jacira, com suavidade, discorria sobre suas emoções e sentimentos. Aquele foi
um momento mágico de cumplicidade e ternura que elas nunca tinham desfrutado.
Elas não puderam perceber, mas o espírito de
Marina estava lá, derramando sobre elas energias de amor e de carinho.
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