quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Capítulo 20 

Faltavam quinze minutos para as oito quando Jacira e Maria Lúcia chegaram à casa de Lídia, onde foram recebidas com o carinho de sempre.


Sentadas na sala, Lídia ouviu Maria Lúcia falar sobre o ocorrido e quando ela terminou observou:


-  Eu sabia que sua sensibilidade iria abrir-se mais, e é hora de você buscar uma ligação mais forte com seu guia espiritual.


-  Mas eu não sei quem ele é!


-  Mesmo assim ele está ao seu lado. Conforme você for pensando nele, pedindo sua inspiração, mais abrirá a porta para que ele se manifeste.


-  Mas eu gostaria de saber seu nome, quem foi ele na última encarnação.


-  Não é por aí. Os espíritos superiores só falam o que é mais útil para você. Conhecer quem eles foram ou o que fizeram neste mundo, não vai acrescentar nada ao seu progresso espiritual. Eles são discretos. Já os menos evoluídos mentem descaradamente. 

Adoram falar sobre sua vida passada, ou mesmo da vida de quem os está ouvindo, usando nomes famosos, zom­bando da boa fé e da credulidade dos ingênuos.


-  Nesse caso não dá para acreditar no que eles dizem - interveio Jacira. - Como vamos saber se es­tamos falando com um espírito de luz?


-  Os espíritos evoluídos transmitem energias ele­vadas, não se prestam a atender a curiosidade das pessoas. Depois, o bom senso nos manda analisar com inteligência o que eles nos dizem e só aceitar o que é bom.

Lembra-se do Nelson? Certa vez ele me contou que um amigo dele encontrou a mulher com outro e ficou desesperado. Era muito apaixonado por ela e mesmo tendo sido traído não se conformava em perdê-la. Procurou um Centro Espírita e lhe disseram que isso tinha lhe acontecido 


-  porque em outra vida ele havia sido muito mulherengo e feito sofrer muitas mulheres e estava sendo castigado. Aconselharam-no a perdoá-la.


-  O conselho foi bom. O perdão é sempre melhor do que a vingança. Mas Deus não castiga ninguém. As pessoas gostam de justificar suas fraquezas, cul­pando a vida pelos seus desacertos, quando, na ver­dade, esse amigo do Nelson colheu o resultado do que fez. Se agora a vida colocou no caminho dele uma mulher com a mesma fraqueza, foi para que ele experimentasse a mesma infelicidade que provocou nos outros e para que aprendesse a controlar melhor suas sensações.

-  Quer dizer que a culpa da traição foi dele? - in­dagou Maria Lúcia admirada.

-  Não se trata de saber de quem foi a culpa. Quem usa os outros em proveito próprio, apenas para satis­fazer suas sensações, indiferente ao sofrimento que pode estar provocando, está mostrando a necessidade de passar pelo mesmo processo para aprender.

- E, como estamos aqui para amadurecer, co­lhemos os resultados de nossas escolhas! - exclamou Maria Lúcia.

- Isso mesmo. Você vê os espíritos desde pequena, o que revela que sua sensibilidade é natural. Até há pouco tempo, mesmo tendo passado por tantos problemas nesta vida, mantinha-se equilibrada - tornou Lídia.

-  Sempre senti a presença de espíritos de luz que me protegem, e, apesar de ver ao lado de outras pes­soas espíritos sofredores, eles nunca me afetaram. Mas há alguns dias eu estava me sentindo inquieta. Percebia um vulto rondando meus passos, mas não conseguia ver-lhe o rosto. Então, comecei a passar mal. Tentei reagir, mas ele aproximou-se e perdi o controle. Eu estava ouvindo o que minha boca falava, mas não conseguia parar. Foi horrível.

-  Ele pediu ajuda dizendo que errou muito, está arrependido e sofrendo. No fim, deu o nome de meu irmão mais velho que foi embora de casa e, há muito tempo não dava notícias - explicou Jacira. - Fiquei chocada. Quando me acalmei um pouco e ia conversar mais, ele foi embora. Acha foi ele mesmo quem deu a comunicação?

-  É o mais provável - esclareceu Lídia.

-  Eu quero que ele volte para conversar. Não sei o que fazer, se falo com mamãe ou não. Ela espera que um dia ele volte...

-  Tenha calma. É melhor esperar um pouco mais para conversar com Geni. Com relação e ele, o que podemos fazer é procurar a orientação dos espíritos amigos e saber como auxiliá-lo. O que aconteceu com você, Maria Lúcia, foi um fenômeno de incorporação. Eu sugiro que façamos alguns testes práticos de mediunidade para saber se foi uma manifestação esporá­dica ou não.

-  Você acha que esse fato poderá repetir-se? -indagou Jacira preocupada.

-  É o que precisamos descobrir. Não se preocupe, Jacira. Estela tem essa mediunidade, aprendeu a con­trolá-la, e está muito bem. 

-  O que posso fazer para isso? Eu não quero mais sentir o que senti.


- Eu e Estela nos reunimos uma vez por semana para estudarmos e entrar em contato com os espíritos.

-   Não é perigoso? - indagou Jacira.

-   Nós estamos protegidas por espíritos amigos que nos ensinam o que fazer para nos mantermos equilibrados.

-   Ernesto me ensinou o quanto é importante con­trolar nossos pensamentos, ficar no bem para man­termos nosso bem-estar.

-   É isso mesmo, Jacira. Você agora disse tudo. Nosso equilíbrio espiritual e físico, passa pelo nosso emocional. Quando aprendemos a tomar conta dos nossos excessos, disciplinamos nossas emoções, culti­vamos o bem, nossa vida se transforma para melhor.

-   Com Ernesto aprendi a ser mais positiva, a acre­ditar que podia e merecia viver melhor, desde então minha vida mudou. Você tem razão ao dizer que somos nós que escolhemos onde queremos estar.

Quem es­colhe o bem, fica bem. Eu também quero vir todas as semanas com Maria Lúcia para aprender mais sobre a vida espiritual.

-   Vai ser muito bom estudarmos juntas. O espí­rito de Marina está me dizendo que vai participar dos nossos encontros.

- Pergunte a ela se é verdade que meu irmão morreu mesmo e se foi ele quem se comunicou.

-   Ela disse que foi ele mesmo e que oportuna­mente voltará ao assunto.

Os olhos de Jacira marejaram. Ela desejava saber mais detalhes, mas controlou-se. Disse apenas:

-   A presença dela tem me ajudado muito, estou certa de que fará o que puder por ele. Eu rezo sempre agradecendo a Deus por ela estar no meu caminho.

-   Então está combinado. Todas as quartas-feiras, às oito, nos reuniremos para estudarmos.

Durante o trajeto de volta para casa, Jacira não podia esquecer o irmão. Não comentou nada com Maria Lúcia, tentando demonstrar calma, porém as mais diferentes suposições apareciam em sua mente e ela tentava imaginar qual delas teria de fato acontecido.

Foi para o quarto, mas estava sem sono. Como ele teria morrido? Se foi por doença, por que ele não procurou a família para pedir ajuda? Neto tinha mor­rido, mas e Jair, onde estaria? Por que não se lem­brava da família?

Não podia esperar mais pela volta de Neto, mas se pelo menos Jair voltasse, Geni ficaria mais feliz.

Apesar de ela estar mais disposta, trabalhando sem reclamar, arrumando-se melhor, seu relacionamento com o marido ter se tornado mais cordial, Jacira notava que de vez em quando ela ficava pensativa, triste, com os olhos perdidos em um ponto distante e sabia que ela estava se lembrando dos filhos ausentes. 

Sentou-se na cama, fechou os olhos e lembrou-se do espírito de Marina. Orou fervorosamente pedindo a ela que a auxiliasse a encontrar Jair. Pela primeira vez depois que os irmãos foram embora, ela arre­pendeu-se de nunca ter tentado encontrá-los.


Se eles tinham abandonado a família, sido in­gratos com os pais, ela também fora omissa, uma vez que aceitara a situação conformando-se com o aban­dono sem nunca haver se interessado em responder suas cartas nas poucas vezes que escreveram.

Apesar de reconhecer a falha, não se recrimi­nava. Naquele tempo, ela também estava alheia, mer­gulhada na ilusão, alimentando as crenças falsas que tinha aprendido, julgando-se incapaz, pobre, fraca, ignorando todas as coisas boas que já possuía, sem saber que poderia conseguir mais.

Mas agora, era diferente. Ela sabia que podia con­fiar em sua força, em sua capacidade de aprender e progredir. Reconhecia que com Deus no coração, es­forçando-se para fazer sua parte com capricho, a vida iria lhe dar o melhor.

Lembrou-se de Jair com carinho. Era com ele que ela se dava melhor. Sentira-se muito só depois que ele também foi embora. Jair tinha sido uma criança muito alegre e o único na família que tinha pensa­mentos mais positivos.

Pensou nele com carinho e firmou o propósito de fazer tudo que pudesse para encontrá-lo. No dia se­guinte, conversaria com Geni para saber se ela teria guardado as duas cartas que ele havia mandado.

Deitou-se, mas apesar de haver tomado essa re­solução, demorou para dormir.

Na manhã seguinte, ao encontrar-se com Geni na copa, enquanto tomavam café, Jacira tornou:

-Nos últimos dias tenho pensado em Jair. Será que ele ainda está morando no Sul?

O rosto de Geni entristeceu quando ela respondeu:

-Como poderemos saber? Aquele ingrato nos es­queceu. Faz tempo que não manda nenhuma carta. Mas agora, mesmo que ele quisesse, não tem mais nosso endereço. Por esse motivo é que eu não queria sair daquela casa.

Jacira ficou pensativa durante alguns segundos, depois perguntou:
-  Você ainda tem a última carta dele?

-  Tenho. Por quê?

- Ele escreveu, mas nunca respondemos. Talvez seja por esse motivo que ele deixou de nos escrever.

Geni suspirou triste:

-  Pode ser. Eu tive vontade de responder, mas seu pai estava muito sentido por eles terem nos aban­donado e me proibiu.

-  Antes eu também pensava dessa forma, mas hoje mudei de ideia. Quero escrever para ele.

Geni olhou em volta, depois disse baixinho: 

-  Não vai adiantar.


-  Por quê?

- Há uns dois anos, mais ou menos, escondido de vocês eu escrevi para ele falando que estava com sau­dades, pedindo que viesse nos ver e se não pudesse que nos escrevesse dizendo como estava. Mas, nunca recebi resposta. Talvez ele tenha se mudado e não tenha recebido minha carta.

- Pode ser, mãe, mas eu gostaria de tentar. Pode dar-me a carta dele?

Os olhos de Geni brilhavam quando ela se le­vantou e respondeu:
- Vou buscar.

Ela saiu e voltou alguns minutos depois com uma caixa nas mãos. 

Entregou-a para Jacira dizendo:

- Aqui está tudo que nos restou deles.

Jacira abriu a caixa e logo viu que a primeira era de Neto. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo e procurou controlar a emoção.

Vendo que ela pegou o envelope e colocou-o de lado segurando a que era de Jair, Geni indagou:

-  E o Neto, você não vai escrever para ele também?

-  Vamos ver. Você escreveu para ele também?

- Sim, mas também não obtive resposta. Jacira apanhou a carta de Neto, notou que fora
escrita há mais de quinze anos. Ele contava que es­tava trabalhando em um hotel onde o salário era pe­queno, mas, somado às gorjetas, estava vivendo me­lhor do que quando morava com a família. Havia mais uma carta que ele enviara dois anos depois, pedindo notícias de todos e dizendo que estava bem.

Jair tinha mandado três cartas. Na primeira co­mentava que estava adorando Porto Alegre, fazendo boas amizades e trabalhando no escritório de uma empresa. A segunda era parecida com a primeira e a última datada de dez anos antes informava que estava se preparando para prestar exame em uma faculdade. Pedia notícias de todos e também que torcessem para ele passar no vestibular.

Jacira colocou as cartas na caixa. O tempo tinha passado e ela não sabia o que fazer para ter notícias. Com receio de que Jacira desistisse de procurá-los, Geni interveio:

- Nós temos o nome do hotel no Rio de Janeiro onde o Neto trabalhou. Mesmo ele não estando mais lá, talvez eles possam nos dar algumas informações.

- Talvez. Assim que eu puder irei até esse hotel. Mas e Jair? Na última carta estava entusiasmado prestando vestibular. Por que não nos escreveu con­tando se passou?

-  Vai ver que não conseguiu e desanimou.

-  Não creio. Esse era um sonho dele desde pe­queno. Se ao menos ele tivesse dito em que faculdade era esse exame, talvez pudéssemos encontrá-lo.

-  Se ele tivesse passado no exame, seja qual for a carreira, teria se formado. Se isso tivesse ocorrido, ele teria nos escrito.


Jacira suspirou pensativa. Geni tinha razão. Jair teria também morrido como Neto? A esse pensamento, sentiu um aperto no peito. 

Um já tinha partido, seria tarde demais para encontrar o outro?

Percebendo o olhar triste e preocupado de Geni, Jacira dissimulou a preocupação e disse sorrindo:

- Vou pensar em um jeito de procurá-los.

Geni segurou as mãos dela dizendo com voz súplice:

-  Pode não ser fácil, mas, filha, por favor, não desista.

-  Não vou desistir. Só preciso descobrir como iniciar essa busca.

 Preciso ir trabalhar. Depois conversaremos.

Pouco depois de Jacira sair, Geni ficou conver­sando com Maria Lúcia, falando de quando os filhos eram pequenos e de sua saudade. Ouvindo-a Maria Lúcia lembrou-se da mãe, uma onda de tristeza a en­volveu e ela começou a chorar desesperada.
Assustada, Geni exclamou:

- Por que está chorando dessa maneira? Está se sentindo mal?

De repente, Maria Lúcia levantou-se, olhos muito abertos e disse com voz lamentosa:

- Você se lamenta sem razão. Se eles foram em­bora a culpa foi sua.

 Você não soube ser uma boa mãe. Mas eu nada fiz para ser tão castigada. Fui uma boa mãe. Dei-lhe todo meu amor e assim mesmo a vida nos separou. 

Geni observava assustada. A expressão do rosto de Maria Lúcia, que estava sempre calma, havia se transformado. Em seus olhos fixos havia um brilho de indignação e ela continuou quase gritando:

- De que adiantou ter me sacrificado tanto? Por amor a ela esqueci de mim mesma. Fiz tudo para fazer o bem, mas não valeu nada. No momento em que ela mais precisava de mim ele me tirou dela. E agora, ainda tenho de suportar a perseguição dele me pe­dindo perdão. Não adianta rezarem por ele. Não vou perdoá-lo. Não vou mesmo!

Geni tremia sem saber o que fazer. Pensou em sair em busca de ajuda, mas ao mesmo tempo não tinha coragem de deixá-la sozinha.

Apesar de nervosa, Geni resolveu rezar. Certa vez, ainda criança, ela tinha visto um rapaz fazer uma cena parecida e a mãe dissera que era uma alma do outro mundo, pedira a todos que rezassem para ela ir embora.

Geni começou a rezar, embora seu nervosismo não lhe permitisse sentir as palavras que dizia, aos poucos Maria Lúcia foi se acalmando. Geni sentiu-se mais calma e continuou rezando.

Maria Lúcia fechou os olhos e calou-se durante alguns minutos. Depois disse com voz suave:

- Obrigada por nos ter auxiliado com suas preces. Que Deus a abençoe.

Suspirou, abriu os olhos e Geni não se conteve:

- Você está bem?
 
-   Ainda estou muito emocionada com a presença de minha mãe e com o que ela disse. Eu não sabia que estava tão revoltada.


-   A alma de sua mãe esteve aqui e você diz isso com essa calma? Eu estou muito assustada.

-   Não tenha medo, d. Geni. Eu tenho mediuni-dade. Desde pequena eu vejo os espíritos.

- As freiras sabiam disso?

- A madre superiora sabia. Mas lá eu só os via. Agora eles estão querendo falar com as pessoas através de mim. Foi a primeira vez que vi minha mãe depois que ela partiu. Eles não me deixaram vê-la antes para não me preocupar.
- Jacira sabe disso?

- Sabe. Nós fomos conversar com a d. Lídia. Ela também vê e ouve os espíritos. Estela também é médium.

- Por que não me contaram nada?

- Não sei. Mas a senhora soube o que fazer. Ajudou muito.

-  Eu nunca pensei muito nesse assunto, mas depois do que aconteceu acho que chegou a hora de pensar.

-  Dona Lídia emprestou-me dois livros. O Livro dos Espíritos para estudar, e um romance.

-  Não sabia que existiam livros de estudos sobre esse assunto.

-  Existem, sim. Esse que estou lendo conta o re­sultado das pesquisas de um professor francês que comprovou a comunicação dos espíritos.

-  Sempre pensei que espiritismo fosse coisa de gente sem instrução.
-  A senhora está enganada. Há muitos pesquisa­dores sérios que se empenharam em pesquisar os fe­nômenos paranormais. Eles dizem que a sensibilidade, que alguns chamam de sexto sentido, é natural em todo ser humano e não tem nada a ver com religião.

-        Nunca ouvi ninguém dizer isso! Estou admirada.

-  Eu estou feliz de poder estudar esse livro que explica o que está acontecendo comigo e ensina a usar minha sensibilidade de maneira adequada.

-  Hoje, quando Jacira chegar, ela vai ter de me ex­plicar direitinho porque nunca me disse nada a respeito.

-  Nós combinamos ir uma vez por semana na casa de d. Lídia para estudarmos e fazermos alguns testes práticos.

Geni pensou um pouco, depois respondeu:

- Acho que vou também.

- Vá mesmo. O que aconteceu hoje talvez tenha sido para que a senhora comece a estudar a espiritualidade.

- Não exagere. Eu quero apenas me informar, não me envolver com as almas do outro mundo. 

-  Todos nós estamos envolvidos com os que par­tiram deste mundo, mesmo quando não lhes percebemos a presença. Eles estão a nossa volta o tempo todo.


Aristides entrou na cozinha trazendo um viçoso maço de cheiro-verde. Seus olhos brilhavam de prazer quando o entregou a Geni dizendo:

-  Veja o que eu consegui. Você nunca compraria um maço de cheiro-verde tão lindo e cheiroso como este!

-  Está maravilhoso. Vou passar um café bem gos­toso. Você merece.
O ambiente estava calmo, os três serenos e ale­gres, muito diferente da cena que as duas tinham vivido momentos antes.

À noite, assim que Jacira entrou em casa, Geni contou-lhe a novidade e finalizou:

- Você sabia de tudo. Por que nunca me contou nada?

-  Nunca conversamos a respeito. Eu não sabia que se interessaria.

-  Bom... De fato... Nunca me interessei mesmo. Mas é que eu nunca tinha visto nada. Você precisava ver como o rosto de Maria Lúcia mudou. Parecia mais velha, a voz, apesar de mais grossa, era forte, muito diferente dela. Fiquei assustada, com medo, senti ar­repios, mas quando rezei e percebi que ela estava se acalmando, senti-me forte.

- Você sentiu que agiu de maneira certa.

-  Foi. Mas por que será que o espírito dela estava tão revoltado? 

Falou que estava sendo perseguida por ele. Quem seria?

-  Talvez não tenha sido fácil para a mãe dela partir e deixar a filha tão jovem sozinha no mundo. Não sei quem a estaria perseguindo. 

Na quarta-feira faremos uma sessão com Lídia, talvez possamos descobrir al­guma coisa.

- Eu quero ir com vocês.

- Está bem. Estou bastante interessada em es­tudar esses fenômenos.

-   Você interessou-se por esse assunto por causa de Maria Lúcia?

-   Não, mãe. Aconteceram comigo algumas coisas que me deram a certeza de que a vida continua depois da morte do nosso corpo.

-   Aconteceu com você o mesmo que com ela?

-   Não. As pessoas são diferentes. Eu tive algumas experiências durante o sono.

-   Como é isso?

-   Quando estou dormindo, meu espírito sai do corpo e vai para outra dimensão.

Geni abriu a boca, fechou-a novamente sem en­contrar palavras que expressassem sua surpresa. Jacira sorriu e continuou:

- É verdade, mãe. Nesses momentos, eu encontro o espírito de uma mulher que me protege. Conver­samos, ela me leva para outros lugares onde vivem os que morreram.

Geni meneou a cabeça negativamente:

-   Como pode ser isso? Você sonha, e os sonhos são sempre confusos?

-   Tem razão. Os sonhos podem expressar nossas preocupações e mostrar problemas que normalmente não queremos enxergar. Mas esses que estou falando, são especiais. As energias são muito fortes, há um prazer muito grande que não dá para traduzir em pa­lavras.

 Eu tive aulas com o dr. Ernesto, um especialista no assunto, que me explicou o processo. Não dá para confundir com o sonho comum. 

As impressões são tão fortes que nunca mais as esquecemos. Quando es­tamos lá, não dá vontade de voltar.


-   Estou pasma! Você passou por tudo isso e nunca me disse nada? 

Acho que eu nunca conheci você, está parecendo outra pessoa!

-   Mas continuo sendo eu mesma. Há coisas que são tão íntimas, tão importantes, que preferimos guardar no coração. Mas começo a pensar que está chegando o momento de compartilhar mais essas des­cobertas com vocês.

Ela ficou calada durante alguns segundos, segurou a mão de Geni fazendo-a sentar-se ao seu lado no sofá. Notando que ela a observava com atenção continuou:

- Nossa vida começou a mudar depois que o es­pírito de Marina conversou comigo pela primeira vez. Ela levou-me a um lugar maravilhoso e ensinou-me a enxergar a vida de outra forma. Com ela, aprendi que somos nós quem escolhemos nosso caminho e que colhemos o resultado de nossas escolhas.

Notando que Maria Lúcia estava parada do lado, atenta à conversa, pediu-lhe que se sentasse também e contou-lhe detalhadamente tudo quanto lhe acontecera.

Não omitiu o namoro com Nelson nem os motivos pelos quais rompera com ele.

As duas ouviram com interesse enquanto Jacira, com suavidade, discorria sobre suas emoções e senti­mentos. Aquele foi um momento mágico de cumplici­dade e ternura que elas nunca tinham desfrutado.

Elas não puderam perceber, mas o espírito de Marina estava lá, derramando sobre elas energias de amor e de carinho.
 


Nenhum comentário:

Postar um comentário