Jacira olhou o relĂłgio e apressou-se. Dentro de alguns minutos Gilson chegaria para buscĂĄ-la. Fazia quatro meses que Jair tinha regressado e desde entĂŁo a vida de Jacira tornara-se muito movimentada.
Entusiasmada
com o projeto deles, procurou auxiliĂĄ-los ao mĂĄximo. Depois de tantos anos
fora do paĂs, eles precisaram atualizar-se e Jacira tinha condiçÔes de
orientĂĄ-los.
Dorival cuidou das providĂȘncias para legalizar a empresa e ela das
outras questÔes.
Multiplicou-se
no trabalho, uma vez que o movimento do ateliĂȘ estava crescendo, mas bem-humorada
encontrava tempo para tudo.
Sentia-se Ăștil e feliz. Nunca tinha trabalhado
tanto, mas fazia-o com prazer.
Todo
o tempo de que dispunha, estava com os dois, opinando, revelando-se muito
eficiente e prĂĄtica. Tanto Jair como Gilson nĂŁo tomavam nenhuma decisĂŁo sem
consultĂĄ-la e os trĂȘs decidiam todas as providĂȘncias juntos.
Aristides também estava empolgado. Jacira nunca se
lembrava de tĂȘ-lo visto com tanto entusiasmo. Parecia outra pessoa. Desde o
inĂcio colocara-se Ă disposição deles, ajudando no que podia.
A
casa de Jacira, antes silenciosa, tornara-se movimentada. Até Geni, alegre por ter o filho de
volta, esmerava-se na cozinha com Maria LĂșcia, experimentando receitas,
fazendo o que cada um gostava.
Maria
LĂșcia integrara-se perfeitamente na famĂlia, tornara-se mais alegre. Gostava de
cantar, mas só o fazia quando não havia ninguém em casa. Aprendia não só as
cançÔes em voga como as mais antigas.
Geni lhe ensinara algumas mĂșsicas de sua juventude e ela
as aprendera com facilidade. Cantava com tal sentimento que Geni sentia-se transportada aos anos da sua mocidade. Insistia com Maria LĂșcia para que cantasse diante da
famĂlia, mas ela se recusava. AtĂ© o dia em que Jacira chegou inesperadamente
e a surpreendeu.
- VocĂȘ
tem alma de artista! - disse. - Por que nunca nos disse que sabia cantar desse
jeito?
- Minha
mãe sempre cantava comigo. Foi ela que me ensinou muitas cançÔes. Mas aqui
ninguém tem esse håbito e eu pensei que não iriam gostar.
- Como
nĂŁo? VocĂȘ tem uma linda voz, afinada, Ă© um prazer ouvi-la. Quando sentir
vontade de cantar, cante. A mĂșsica faz bem Ă alma. Nunca pensou em dedicar-se Ă
mĂșsica?
- Sempre
sonhei em aprender a tocar violĂŁo. Assim poderia cantar e acompanhar.
- Ă
uma boa ideia. VocĂȘ
acha que daria conta de estudar e aprender violĂŁo ao mesmo tempo?
- Claro
que sim!
- Nesse
caso, vamos ver uma boa escola.
Os
olhos dela brilhavam de alegria quando abraçou Jacira, que beijou sua face com
carinho.
Apesar
de gostar muito dela, Jacira tinha dificuldade em demonstrar seu afeto, nĂŁo
apenas com ela, mas com todos da famĂlia.
Naquele momento, Maria
LĂșcia foi tĂŁo espontĂąnea, deu-lhe
tanto
prazer, que a partir dali, Jacira tornou-se
mais
carinhosa com as pessoas.
Jair entrou na sala
dizendo:
- EstĂĄ pronta? Vamos. Gilson estĂĄ esperando no
carro.
Jacira apanhou a bolsa e o
acompanhou. Vendo-a chegar, Gilson abriu a porta do carro para que ela
entrasse:
- Como vocĂȘ estĂĄ linda! Jair
interveio:
- NĂŁo fale assim que ela
pode acreditar!
- Antes eu nĂŁo acreditava, mas agora eu sei que sou bonita!
- Viu como ela estĂĄ ficando convencida?
- Acho bom vocĂȘ se controlar. Ela pode nĂŁo gostar e
nos deixar de lado. - comentou Gilson.
Jacira que se sentara atrĂĄs no carro respondeu:
- JĂĄ entendi! VocĂȘ estĂĄ querendo me "comprar". Saiba que eu nĂŁo me
vendo. Estou ajudando vocĂȘs porque me faz bem, dĂĄ-me
prazer. Sou uma pessoa boa. SĂł.
Mesmo dirigindo o carro,
sempre que possĂvel, Gilson a olhava pelo retrovisor. Ela percebia os olhos
dele fixando-a e fingia nĂŁo ver.
Notava que ele a olhava
com admiração, mas não sabia o tanto que isso significava. Algumas vezes, Jair
brincava insinuando que Gilson estava gostando dela. Mas ele nunca lhe dissera
nada que a fizesse acreditar que fosse verdade.
Jacira sentira-se atraĂda por ele desde o primeiro dia. Com a
convivĂȘncia, a admiração, tornara-se
um
sentimento maior. Ela se emocionava com a proximidade dele, com sua maneira de
ser e principalmente com a postura Ă©tica e firme que tinha diante da vida.
Além disso, ele
compartilhava suas ideias sobre espiritualidade e ensinara-lhe muitas coisas com suas atitudes verdadeiras e
naturais.
Ela
estava pensativa, calada.
Gilson deu uma olhada pelo espelho e comentou:
- Eu
gostaria de saber o que vocĂȘ estĂĄ pensando... TĂŁo calada... TĂŁo sĂ©ria...
Jacira
sorriu:
- NĂŁo
estava pensando em nada...
- Sua
resposta revela que vocĂȘ nĂŁo quer falar sobre isso.
- Quem
sabe o que se passa na cabeça de uma mulher? - perguntou Jair rindo.
Tinham
chegado ao local e Jacira sentiu-se aliviada por nĂŁo ter de responder.
Desceram e entraram na loja onde pretendiam comprar alguns mĂłveis para o
pequeno escritĂłrio da fĂĄbrica. Ela jĂĄ estava funcionando havia um mĂȘs e com
essa compra eles terminariam as instalaçÔes.
Jair fizera
algumas viagens pelo interior divulgando a nova empresa, oferecendo seus
produtos de maneira atraente, e os primeiros negócios começaram a aparecer.
Jacira, Maria LĂșcia e Gilson, continuavam
indo Ă s reuniĂ”es na casa de LĂdia. De vez em quando Geni os acompanhava. Mas Jair, apesar dos convites, nunca
ia.
Ele
tinha medo e nĂŁo gostava nem de falar sobre o assunto. Gilson o advertia:
- NĂŁo
adianta fugir. VocĂȘ tem mediunidade. Ă melhor estudar a fim de evitar alguma
surpresa.
- VocĂȘ
e Jacira sĂł falam nisso! Eu nĂŁo tenho nada e nĂŁo quero me envolver com esse
assunto.
Depois que começara a frequentar essas reuniĂ”es, Maria LĂșcia
sentia-se muito bem. O espĂrito de sua mĂŁe nunca mais a assediara.
O
espĂrito de Marina costumava comparecer a essas reuniĂ”es e informara que Rosalina se encontrava em um lugar de
refazimento e
que, quando estivesse bem, voltaria para conversar com ela.
Dentro
da loja, depois de fazerem algumas compras, Gilson lembrou:
- NĂŁo
podemos nos atrasar. Hoje Ă© dia da reuniĂŁo na casa de LĂdia.
Jacira concordou com a cabeça e disse para Jair:
- Hoje
seria um dia bom para vocĂȘ nos acompanhar a essa reuniĂŁo.
- Por
quĂȘ? NĂŁo vejo nada de especial.
- Esqueceu?
Hoje Ă© aniversĂĄrio do Neto.
Jair sentiu
um forte arrepio percorrer-lhe o corpo. Por um momento a figura do irmĂŁo surgiu
em sua mente.
- NĂŁo
me lembrava disso. NĂŁo guardo datas com facilidade.
- Nos
Ășltimos dias tenho pensado muito nele e hoje pensei em levar algumas flores
para fazer uma homenagem a ele.
- VocĂȘ
fala como se ele estivesse morto mesmo. Eu nĂŁo tenho essa certeza.
- Bem
que eu gostaria que ele estivesse vivo. Mas diante do que aconteceu, estou
inclinada a acreditar que ele de fato morreu. Sendo assim, nesta data, pode
ser até que ele venha nos visitar.
- NĂŁo
acredito nisso. VocĂȘ estĂĄ se iludindo. Que provas tem de que era o espĂrito
dele que Maria LĂșcia recebeu?
Gilson interveio:
- Que provas vocĂȘ tem de que nĂŁo era? Jair estremeceu e disse nervoso:
- VocĂȘs
querem Ă© me deixar irritado. NĂŁo gosto desses assuntos. Neto estĂĄ tĂŁo vivo
quanto eu e, com certeza, a qualquer momento vai aparecer em casa.
- Se
ele voltasse para casa, mamĂŁe ficaria em paz. Sabe como ela Ă©. NĂŁo se esquece
dele. Sempre diz que a presença dele Ă© a Ășnica coisa que falta para que ela se
sinta completamente feliz. Mas temo que isso nunca aconteça.
- Ăs
vezes sinto vontade de sair Ă procura dele. Estou certo de que com uma
investigação bem feita, conseguiria encontrå-lo.
- O
Ășnico endereço que temos Ă© o do hotel onde ele trabalhava. LĂĄ ninguĂ©m sabe
informar nada a respeito dele. Dizem que ele deixou o emprego e nada mais.
- No
momento, nĂŁo tenho tempo para ir procurĂĄ-lo. Mas assim que tiver uma folga
irei ao Rio e estou certo de que serei bem-sucedido.
Quero mostrar a vocĂȘs que
essa loucura de sessĂ”es espĂritas Ă© uma grande ilusĂŁo.
Jacira
trocou um olhar de cumplicidade com Gilson que respondeu:
- Faça
isso mesmo. A hora da verdade sempre chega, nĂŁo importa o tempo que demore.
Gilson
lançou-lhe um olhar desafiador e provocou:
- Se
vocĂȘ nĂŁo acredita por que tem tanto medo de ir a uma simples reuniĂŁo na casa de
LĂdia?
Jair levantou a cabeça irritado:
- Meu
medo Ă© uma desculpa para nĂŁo ir. Iria me sentir ridĂculo sentando em uma mesa e
esperando pela manifestação de espĂritos.
- VocĂȘ
quer mostrar-se corajoso, mas Ă© covarde. Diga a verdade. VocĂȘ estĂĄ tremendo de
medo! - Caçoou Jacira rindo. E continuou: - Se quiser ir prometo segurar a sua
mĂŁo para dar-lhe coragem. Os espĂritos nĂŁo fazem mal a ninguĂ©m.
Jair encarou-os
com raiva e respondeu:
- Pois
eu vou mostrar-lhes que nĂŁo acredito mesmo e nĂŁo tenho medo de nada. Irei com
vocĂȘs e nĂŁo preciso de ninguĂ©m.
Naquela noite, a famĂlia inteira foi Ă
reuniĂŁo na casa de LĂdia.
Como era aniversĂĄrio de Neto, Jacira disse aos pais
que levaria flores e rezariam pedindo a Deus que descobrissem o paradeiro dele.
Até Aristides resolveu ir. Sempre
conversava muito com Gilson, a quem admirava. Ele jĂĄ lhe falara sobre
espiritualidade, relatando alguns fenĂŽmenos de mediunidade e despertando seu
interesse.
Quando
chegaram na casa de LĂdia, faltavam alguns minutos para a hora da reuniĂŁo.
LĂdia tinha um espaçoso quarto nos fundos da casa que destinara Ă s atividades espirituais. Tinha uma mesa redonda no meio,
cadeiras em volta e outras mais atrĂĄs. Ela sabia que naquela noite, mais
pessoas iriam.
Do lado, um aparador sobre
o qual estava um lindo vaso com flores, uma bandeja com uma jarra de ĂĄgua e
alguns copos. A sala estava iluminada apenas por uma luz azul e no aparelho de
som, uma mĂșsica suave harmonizava o ambiente.
LĂdia recebeu-os com carinho, colocou as flores que Jacira trouxera
em um vaso e convidou-os a ir para a sala de
reuniÔes onde Estela jå se encontrava.
- Hoje Ă© aniversĂĄrio do Neto. Trouxemos estas flores em homenagem a ele.
Geni segurou o braço de
LĂdia dizendo com voz sĂșplice:
- Viemos pedir aos espĂritos
seus amigos que nos ajudem a ter notĂcias do meu filho. Deus sabe onde ele estĂĄ
e pode nos ajudar.
- Vamos pedir, d. Geni. Eles
sempre ouvem os pedidos de uma mĂŁe.
Sentem-se.
EstĂĄ na
hora de iniciarmos a reuniĂŁo.
Ela pediu que todos se
sentassem ao redor da mesa. Apesar de ter lugar para todos, Jair preferiu ficar
nas cadeiras de fora.
LĂdia solicitou que
relaxassem e elevassem o pensamento pedindo a ajuda de Deus. Fez comovida
prece saudando os amigos espirituais e abrindo a reuniĂŁo.
Pouco depois, Estela
começou a falar com voz suave:
- Ă com alegria que estou aqui, trazendo o carinho
de muitos amigos. Quero falar da generosidade da vida, que apesar dos nossos
enganos, trabalha sempre para nos conduzir a uma vida melhor.
Confiemos na
bondade divina que nunca nos desampara. Deus nos abençoe.
Ela calou-se e o silĂȘncio se fez durante alguns segundos. Jair,
sentado no fundo da sala, estava inquieto. Remexia-se
na cadeira respirando com dificuldade. Arrepios percorriam-lhe o corpo e uma
angĂșstia insuportĂĄvel comprimia-lhe o peito.
Ia
levantar-se quando LĂdia jĂĄ em pĂ© do lado dele colocou a mĂŁo sobre sua testa
dizendo:
- Tenha
calma. Isso não é seu. Não tenha medo. Jair arfava, esforçando-se para respirar e tentava
levantar-se,
mas LĂdia, segurando sua testa, disse com voz firme:
- Se
vocĂȘ nĂŁo se acalmar e continuar assim, terĂĄ de ser retirado Ă força. Queremos
ajudĂĄ-lo, mas precisa cooperar.
- Eu
nĂŁo aguento mais!
Quero falar! Todos estĂŁo aqui. MĂŁe, estou arrependido. NĂŁo fiz o que prometi.
Filha, eu estava louco. NĂŁo sabia o que estava fazendo quando as abandonei!
Paguei muito caro a minha loucura. Por favor, perdoem-me. Estou sofrendo
muito.
Emocionada,
Jacira segurou a mĂŁo de Geni que,
com olhos arregalados, tremia assustada. Jair continuou:
- VocĂȘs
não estão me conhecendo? Sou o Neto. Geni soltou um soluço, olhou aflita para Jacira que
continuava
apertando sua mão e passou o braço sobre os ombros dela, procurando amparå-la.
Nesse
momento, Maria LĂșcia estremeceu e disse raivosa:
- VocĂȘ
agora se diz arrependido, implora perdĂŁo, mas eu nĂŁo o perdoo. Eu o amei com todo o
coração, ofereci-lhe o meu melhor e vocĂȘ nos deixou para ir atrĂĄs da sua
ambição. Trocou-nos por dinheiro. Se tivesse sido por amor, talvez eu o
perdoasse, mas foi sĂł interesse. O pai dela era rico e o comprou. E eu tive de
me sujeitar a uma vida difĂcil, criar minha filha sem poder dar-lhe tudo quanto
ela merecia. Depois de tudo que nos fez, hoje nos encontramos aqui. Vendo-o,
minha mĂĄgoa reapareceu e continua viva como no primeiro dia. VocĂȘ tem de pagar
por tudo o que nos fez.
Quero ficar
-junto com vocĂȘ, começar de
novo. Juntos, construiremos um futuro melhor. Sei que Ă© possĂvel.
- Ă muito tarde. A ferida
continua doendo. NĂŁo posso esquecer.
- Por favor, dĂȘ-me uma chance, eu sofri, amadureci, mudei... Por
favor, nĂŁo me levem embora. Eu quero ficar, falar com minha mĂŁe, pedir perdĂŁo, deixem-me ficar um pouco mais, deixem...
Jair calou-se,
respirou
fundo. LĂdia ofereceu-lhe um copo de ĂĄgua que ele
segurou com a mĂŁo trĂȘmula e foi tomando devagar. Ela
encaminhou-se atĂ© Maria LĂșcia que
soluçava, colocou a mão em sua testa dizendo:
- Acalme-se, Rosalina. VocĂȘ estĂĄ perturbando Maria LĂșcia.
- Desculpe. NĂŁo desejo
magoĂĄ-la. Perdoe-me.
- VocĂȘ agora precisa ir
embora.
- NĂŁo. Quero conversar com
minha filha.
- Agora nĂŁo Ă© possĂvel. VĂĄ com essa moça que estĂĄ ao seu lado. Quando estiver
melhor, poderĂĄ voltar e conversar com ela.
Maria LĂșcia suspirou, abriu os olhos tentando acalmar-se. LĂdia deu-lhe
um copo
de ĂĄgua. Ela bebeu e foi serenando.
Geni soluçava baixinho, Jair, pålido, procurava
controlar a emoção e refazer-se. Aristides, olhos marejados, observava calado.
LĂdia sentou-se
novamente:
- Vamos agradecer a bondade divina que hoje permitiu a presença de dois
espĂritos sofridos, que necessitam do nosso carinho. NĂŁo temos condiçÔes de
julgar ninguĂ©m, portanto, vamos orar em silĂȘncio a favor de todos os envolvidos
para que cada um encontre a paz no coração.
O silĂȘncio se fez e depois
de alguns segundos, Estela começou a falar:
- Chegou a hora de eu conversar com vocĂȘs sobre o
que aconteceu aqui esta noite. HĂĄ muitos anos atrĂĄs, vivia em uma aldeia na ItĂĄlia
uma jovem muito bonita, de famĂlia rica e
importante, chamada Gina que
se apaixonou perdidamente
por um jovem e foi correspondida. Casaram-se, tiveram dois filhos.
Ele, muito rico, carĂĄter fraco, mulherengo, apesar de gostar de Gina, envolvia-se com outras
mulheres. Num desses encontros, apanhado por um marido traĂdo, morreu
assassinado, deixando dois filhos adolescentes. Gina, de temperamento dramĂĄtico, emocionalmente exacerbada,
não suportou a traição nem a viuvez. Entregou-se à depressão, perdeu o gosto
pela vida. Nada mais lhe interessava. Os filhos: o mais velho ambicioso e desejoso de poder, envolveu-se com
polĂtica, nĂŁo medindo esforços para conseguir o que desejava. Valia tudo desde
que se sentisse dono do mundo.
"O
mais novo tinha prazer em usufruir a riqueza, gastava sem limites, imaginando
que seu dinheiro nunca acabaria. Ambos se deram mal. Gina foi definhando até morrer
com menos de cinquenta
anos. O filho mais velho tornou-se poderoso, mas morreu odiado e
perseguido pelos inimigos polĂticos. JĂĄ o mais novo acabou na misĂ©ria, depois
de depredar toda a fortuna terminou seus dias em um asilo, inconformado e
triste."
Estela calou-se durante alguns segundos. Todos a ouviam
atentos e ela prosseguiu:
- Ă
fĂĄcil de imaginar como voltaram Ă vida astral. Durante muito tempo cada um
teve de suportar os resultados de suas escolhas. Arinos, o marido de Gina, reconhecendo que seu
assassino tivera motivos para tirar-lhe a vida, em vez de partir para a
vingança como fizera no inĂcio, reconheceu seus erros, pediu ajuda e foi
auxiliado.
"Arrependido,
procurou Gina e a
encontrou ainda mergulhada na depressĂŁo, vivendo em uma regiĂŁo umbrĂĄtica e
triste. Estava fraca e sem vontade prĂłpria. Ele tentou de todas as formas
ajudĂĄ-la, mas ela nĂŁo reagia a nada.
"Um
mentor espiritual aconselhou-o a procurar os dois filhos. Foi o que ele fez.
Procurou por eles. O mais velho, Vitorio, estava preso pelos seus inimigos,
sendo forçado a obedecĂȘ-los trabalhava como escravo. JĂĄ Gino, o mais novo, estava
inconformado com a miséria, alimentando a ilusão de ainda ser muito rico.
"A
custo, Arinos conseguiu
auxiliå-los e conduzi-los a uma recuperação. Aos poucos eles foram melhorando e
se conscientizando dos seus erros. Arrependidos, juntaram-se ao pai no auxĂlio
a Gina. Todos
se sentiam culpados pela depressĂŁo dela.
"Dedicaram-se
bastante e aos poucos ela foi reagindo. Eles melhoraram, mas as lembranças das
falhas do passado surgiam impedindo-os de seguir adiante. EntĂŁo, foram
aconselhados a reencarnar.
Arinos e Gina iriam primeiro e os dois filhos depois.
Tudo programado.
A vida encarregou-se de colocar em prĂĄtica."
Estela fez
silĂȘncio durante alguns minutos. Depois, deu um longo suspiro e tornou:
- Preciso
parar aqui. Mas esta histĂłria vai continuar. Eu voltarei para contar. Podem
esperar. Um abraço agradecido da amiga Marina.
O
silĂȘncio se fez. LĂdia murmurou ligeira prece de agradecimento e acendeu a luz.
Todos emocionados desejavam falar, mas nĂŁo conseguiam.
LĂdia
distribuiu os copos de ĂĄgua e eles tomaram em silĂȘncio. Sabiam que eram os
personagens daquela histĂłria. Era a vida da famĂlia que se repetia.
Geni soluçava baixinho e LĂdia aproximou-se colocando a
mão sobre a dela, com carinho. Ela levantou a cabeça dizendo triste:
- Meu
filho estĂĄ morto? Era o Neto mesmo?
- Era
ele, sim. Mas a morte nĂŁo Ă© o fim e ele continua vivo em outro mundo.
Geni suspirou triste e respondeu:
- Mas
ele nunca mais voltarĂĄ!
- Ao
contrĂĄrio. Ele estĂĄ de volta e poderĂĄ visitĂĄ-la outras vezes.
Geni abanou
a cabeça negativamente:
- Ah! Mas nĂŁo Ă© a mesma coisa!
LĂdia sentou-se
ao lado
dela e, segurando sua mĂŁo, explicou-lhe:
- Ă diferente, mas ele
continua o mesmo, sĂł que agora estĂĄ mais lĂșcido, percebeu o quanto estava errado
e estĂĄ se empenhando para tornar-se
uma
pessoa melhor. Isso Ă© motivo de alegria, nĂŁo de tristeza.
- Pobre filho, estĂĄ sofrendo
muito!
- A culpa Ă© muito dolorosa.
Ele sofre porque tem consciĂȘncia dos seus erros e ainda nĂŁo conseguiu ser
perdoado por aqueles a quem prejudicou.
Maria LĂșcia levantou-se, aproximou-se delas dizendo:
- Terei entendido bem? A filha a que ele se referia
sou eu? Mas o nome de meu pai nĂŁo era Neto. Era Vicente.
Todos os presentes fixaram
os olhos nela admirados. Aristides respondeu emocionado:
- O nome dele era Vicente, igual ao de meu pai. Por
esse motivo todos o chamavam de Neto. Se isso Ă© verdade, vocĂȘ Ă© minha neta!
Maria LĂșcia abraçou-o emocionada e Geni juntou-se a eles no mesmo abraço. Jair e Jacira, aproximaram-se, olhos brilhantes de emoção, e abraçaram-se a eles em silĂȘncio. A emoção era tanta que nĂŁo
conseguiam expressĂĄ-la em palavras.
Quando se sentiram mais
calmos, LĂdia tornou:
- Sinto-me
feliz por essa revelação. Eu
sabia que Maria LĂșcia tinha uma ligação muito forte com vocĂȘs. Hoje Ă© um dia de
festa. Vamos para a sala. Temos que comemorar. Vou abrir um vinho, fazer um
brinde.
Ela saiu e todos a
acompanharam. Mais refeitos da surpresa, comentavam os acontecimentos. Jacira aproximou-se de LĂdia:
- Marina falou de todos,
menos de mim. NĂŁo mencionou o meu nome. SerĂĄ que nĂŁo pertenço Ă famĂlia? Nesse
caso, por que estou aqui?
- Essa Ă© uma pergunta que na
hora eu também me fiz. Mas Marina disse que a história vai continuar, então
saberemos.
Gilson aproximou-se de Jair:
- Como se sente?
- DifĂcil de explicar. Estou um pouco confuso,
mexido, emocionado. Sinto que alguma coisa mudou dentro de mim. Preciso de um
tempo para refletir, entender o que aconteceu.
- Sei como Ă©. VocĂȘ estava distante da realidade e
agora sabe, sente como as coisas sĂŁo. A poeira vai assentar e vocĂȘ vai ficar
bem.
Jair respirou fundo e
comentou:
- Senti-me
muito mal. Pensei que fosse
morrer. NĂŁo conseguia segurar minha boca que falava sem parar. Eu ouvia sem
poder controlĂĄ-la. O que mais me espanta Ă© que quando parei de falar, tudo
desapareceu e, como em um passe de mĂĄgica, voltei ao normal. Como pode ser
isso?
- O mal-estar que vocĂȘ sentia, nĂŁo era seu. Quando o espĂrito de
Neto aproximou-se e o envolveu, tudo que ele sentia vocĂȘ sentiu.
Assim que ele foi afastado,
vocĂȘ voltou ao normal.
- SerĂĄ que foi o espĂrito do Neto mesmo? Eu preciso
ter certeza de que ele morreu, de que nĂŁo estamos sendo vĂtimas de uma
mentira.
Gilson sorriu e respondeu:
- Concordo. Precisamos saber o que aconteceu a ele.
AmanhĂŁ mesmo vamos pesquisar, tentar descobrir. Se ele estĂĄ morto, deve existir
uma prova qualquer em algum lugar, um atestado de Ăłbito, um tĂșmulo.
- Isso mesmo. Vamos investigar. Ă importante para
nossa famĂlia.
Eles continuaram
conversando com LĂdia sentados na sala, fazendo perguntas sobre mediunidade e
vida apĂłs a morte com muito interesse.
Naquela noite, deitada na
cama ao lado do marido, Geni abraçou-se
a ele
trocando ideias sobre o que teria acontecido ao filho, imaginando como ele
teria morrido.
Nenhum comentĂĄrio:
Postar um comentĂĄrio