quinta-feira, 31 de agosto de 2017

CapĂ­tulo 19 
 Jacira acordou cedo e levantou-se apressada. 
Quando desceu jĂĄ encontrou Maria LĂșcia na sala, no meio de caixas de papelĂŁo empacotando a louça.


-  Levantou cedo. JĂĄ tomou cafĂ©?


-  JĂĄ. EstĂĄ tudo pronto na cozinha.


-  Falta muito?


-  NĂŁo. AlĂ©m dessa louça, sĂł algumas panelas.


- O caminhão vai chegar dentro de uma hora. É melhor ir acordar mamãe.


Enquanto Maria LĂșcia dirigiu-se ao quarto de Geni, Jacira tomou cafĂ© e voltou Ă  sala. Fazia quase um ano que Maria LĂșcia estava na casa. Durante esse tempo muitas coisas haviam acontecido.


Nos primeiros tempos, Geni tentou de todas as formas fazer com que ela a ajudasse a cumprir as ta­refas que lhe cabiam. Mas ela desviava o assunto, jus­tificando que ainda nĂŁo havia terminado a sua parte.


Quando Geni começava a reclamar de alguma coisa, Maria LĂșcia sempre mencionava alguma coisa positiva. Como ela tinha por hĂĄbito fazer tudo com ca­pricho, chamando sua atenção para as coisas bonitas da natureza, demonstrando prazer de passar muito bem as roupas, arrumando-as no guarda-roupas com carinho, Geni começou tambĂ©m a cuidar mais da apa­rĂȘncia e do trabalho que fazia.


Maria LĂșcia a elogiava quando as roupas brancas ficavam mais alvas, quando a comida estava mais sa­borosa, quando ela se cuidava um pouco mais.


Aos poucos, Geni foi aprendendo a apreciar a be­leza de uma casa bem-arrumada, acolhedora, com tudo no lugar certo. Ao fazer alguma coisa com ca­pricho, habituara-se a pedir a opiniĂŁo dela.


Jacira percebeu que Geni entretinha-se tanto ao lado de Maria LĂșcia e a cada dia mais se afeiçoava a ela. Quase jĂĄ nĂŁo lia mais as fotonovelas. 
 

Jacira conversara com LĂ­dia sobre os pesadelos de Maria LĂșcia que lhe explicou:


- Ela tem muita sensibilidade e via os espĂ­ritos que estavam com as pessoas. Eles percebiam e a asse­diavam desejando lhe transmitir recados, pedir ajuda. Maria LĂșcia nĂŁo sabia o que fazer e ficava com medo. Muitas vezes Rosalina me pediu ajuda. Meu guia espi­ritual auxiliou, as visĂ”es espaçaram, mas ele informou que quando ela deixasse o pensionato deveria estudar o assunto e aprender a lidar com a mediunidade. Con­versei com a madre superiora sobre isso.

- Falou em espĂ­ritos a ela?

-   Sim. Ela precisava saber para me avisar sempre que voltasse a acontecer. A madre tem a cabeça aberta, sabe que eles estĂŁo a nossa volta. Agora Ă© aconse­lhĂĄvel ela se preparar e aprender a lidar com isso.

-   Mas os pesadelos a fazem sofrer, principalmente quando ela vĂȘ espĂ­ritos perturbados. NĂŁo hĂĄ uma ma­neira de acabar com isso e afastĂĄ-los definitivamente?

-   NĂŁo. Todas as pessoas tĂȘm sexto sentido. É uma condição natural do ser humano. Quando a sensibilidade se abre, Ă© melhor estudar os fenĂŽmenos e procurar adaptar-se. Se a pessoa registra a presença de desequi­librados e nĂŁo sabe lidar, pode se sentir muito mal.

-  É o que acontece com ela durante o sono. Maria LĂșcia Ă© sensata, boa, por que eles a atacam?

-  NĂŁo creio que ela esteja sendo atacada. Ocorre que, quando um espĂ­rito aproxima-se de uma pessoa sensĂ­vel, hĂĄ uma troca energĂ©tica entre eles. Se for um espĂ­rito doente, perturbado, nessa troca ele se sentirĂĄ aliviado e a pessoa começarĂĄ a sentir o que ele estĂĄ sentindo.

- Como ela poderĂĄ se defender?

- Procurando ajuda espiritual com pessoas capa­citadas que possam introduzi-la nessa delicada expe­riĂȘncia com segurança.
- Ela vai desenvolver a mediunidade?

-  Ela vai educĂĄ-la de forma adequada. Assim como vocĂȘ tem o espĂ­rito de Marina que a ajuda e orienta, Maria LĂșcia farĂĄ contato com espĂ­ritos elevados que vĂŁo instruĂ­-la e ela sentirĂĄ grande bem-estar.

-  Marina tem me ajudado muito. Quando a en­contro durante o sono sinto-me tĂŁo bem que nĂŁo de­sejo voltar. Como poderemos ajudĂĄ-la?

-  Uma vez por semana, sentamo-nos para es­tudar o assunto e receber orientação dos nossos amigos espirituais. As pessoas me procuram pedindo ajuda e conforme me inspiram, eu as atendo. 

Estela tem mediunidade de cura e quando indicado por eles, visitamos doentes, oramos com eles, doamos energias e Deus tem nos atendido de uma forma ou de outra.

- Foi o que vocĂȘ fez comigo e com Margarida.

- Eu gostaria que vocĂȘ e Maria LĂșcia participassem desses encontros. Seria bom para todos nĂłs. 

Jacira concordou e a partir desse dia, elas pas­saram a reunir-se todas as semanas, estreitando ainda mais os laços de amizade que as unia.


LĂ­dia lhe emprestava livros e a cada dia mais ela se interessava pelas pesquisas dos fenĂŽmenos para­normais e progredia rapidamente. Os pesadelos de Maria LĂșcia desapareceram e as mensagens esclare­cedoras e elevadas começaram a surgir de seus lĂĄ­bios inspirados.

Jacira sentia-se feliz e os negĂłcios progrediam ra­pidamente. 

Ganhando mais, ela pensou que poderia dar mais conforto para a famĂ­lia. TambĂ©m, era cansa­tivo ter de tomar duas conduçÔes para ir trabalhar.

Margarida insistia para que ela se mudasse defini­tivamente para o ateliĂȘ, mas Jacira nĂŁo queria deixar a famĂ­lia. EntĂŁo, decidiu alugar outra casa mais perto do ateliĂȘ e mudar-se com a famĂ­lia.

Começou a procurar, mas o aluguel das casas perto do ateliĂȘ era muito alto. Sabendo que ela estava procurando casa para alugar, uma cliente ofereceu-lhe uma muito boa, por um preço razoĂĄvel.

Era uma casa antiga, muito bem conservada, com jardim na frente, boas acomodaçÔes para todos e um quintal nos fundos onde havia uma frondosa mangueira que a encantou. AlĂ©m disso, um ĂŽnibus passava perto e em dez minutos a deixaria no ateliĂȘ.

Quando ela chegou em casa com a novidade, Aris­tides pensou no seu emprego. Ele nĂŁo queria deixar de trabalhar e o bar ficava longe da casa. Geni tambĂ©m nĂŁo gostou da ideia:

- NĂŁo quero sair daqui.

-   Por quĂȘ? LĂĄ Ă© muito melhor, a casa Ă© maior e mais bonita.

-   NĂŁo posso mudar. Como os meninos vĂŁo nos achar quando decidirem voltar?

Jacira tentou convencĂȘ-la, mas Geni nĂŁo cedia. EntĂŁo teve a ideia de levĂĄ-los para conhecerem a casa. Ao chegarem, Jacira apontou-a dizendo:

- É aqui.

Eles se entreolharam admirados.

-   Aqui? - exclamou Aristides admirado.
-   O que foi, nĂŁo gostou, pai?

-   É uma casa de luxo!

-   É uma casa confortĂĄvel. Vamos entrar.

Geni estava tĂŁo admirada que a voz morreu em sua garganta. 

Atravessaram o jardim e entraram na sala principal.

Os dois, admirados e pensativos, percorreram a casa toda. 
Finalmente, Geni conseguiu falar:

-   Esse aluguel deve ser alto. VocĂȘ tem dinheiro para pagar tudo isso?

-   Tenho. JĂĄ fechei o contrato e nesta semana mesmo vou começar a mobiliĂĄ-la.

- E os nossos mĂłveis? - indagou Geni assustada.

- NĂŁo vamos precisar deles. A casa possui armĂĄ­rios embutidos em todos os cĂŽmodos. Tenho algumas economias. O que falta vai dar para comprar.

Aristides ficou calado e foi ver o quintal. Além de uma mangueira imensa, havia alguns canteiros onde o mato tomara conta.


Jacira aproximou-se dele:

-   E entĂŁo, o que achou?

-   Aqui dĂĄ para fazer uma bela horta.

- Até para cercar um pedaço e fazer um galinheiro, igual ao que minha mãe tinha - interveio Geni admirada.

-   Na verdade Ă© uma bela casa... - comentou Aris­tides pensativo.
-   Pai, nĂŁo se preocupe com o bar. Estou ganhando bem e vocĂȘ sĂł vai trabalhar se quiser.

- Eu gosto de trabalhar.

-   Nesse caso, vamos arranjar alguma coisa aqui por perto.

-   EstĂĄ certo - concordou Aristides. - Hoje mesmo falarei com EuzĂ©bio.

Satisfeita, Jacira levou Geni para o quarto que seria do casal:

- Vamos comprar uma cama dessas modernas, bem grande - comentou.

Os olhos de Geni brilhavam e ela disse:

-   Se fizermos isso vamos gastar mais porque a roupa de cama que temos nĂŁo vai servir.

-   Compraremos tudo novo. Da sua cama, vocĂȘ Ă© quem vai escolher.

Foi com entusiasmo que eles voltaram para casa e começaram a arrumar tudo para a mudança.

Eles separaram o que iriam levar, mas Jacira, que jĂĄ havia comprado tudo que precisariam, selecionou o que levariam de fato.

Quando o caminhĂŁo chegou para fazer a mudança, estava tudo pronto. Enquanto eles carregavam, Jacira deixou o pai tomando conta e foi com a mĂŁe e Maria LĂșcia esperar na nova casa.

Geni ainda não tinha visto a decoração que Jacira tinha feito e ficou muito emocionada ao entrar. Apesar de tudo, parecia-lhe impossível que aquela casa, dali em diante seria a sua morada.

Sentia-se atordoada, com medo de que de re­pente, tudo aquilo desaparecesse e as coisas vol­tassem a ser como sempre tinham sido.

Mas Jacira, atarefada, cuidando que colocassem as coisas nos lugares certos, nĂŁo percebeu. Quando eles terminaram, ela aproximou-se de Geni que disse:

- Estou meio perdida sem saber o que fazer.

-   Seria bom que vocĂȘ fosse para a cozinha pre­parar alguma coisa. Papai logo estarĂĄ aqui e estamos com fome.

-   Tem razĂŁo. Vou ver o que tem na geladeira. O que vocĂȘ quer comer?

- Faça o que quiser. Jå fiz as compras.

Geni apressou-se a ir para a cozinha e foi com prazer que abriu os armårios, onde jå havia uma louça pronta para uso e algumas panelas, tudo novo.

Nesse dia começou para eles uma vida nova. Aris­tides, jĂĄ nos primeiros dias, comprou o que precisava e foi cuidar do quintal. 

Levantava cedo, tomava café e ia preparar os canteiros para plantar.


Geni desde que se mudara, sentira prazer em ar­rumar a cama e colocar as almofadas que escolhera sobre os travesseiros. O banheiro, que ficava ao lado do quarto e que era sĂł de uso do casal, ela tambĂ©m fazia questĂŁo de limpar.

Geni tornara-se ativa, parecia outra pessoa. Li­gava o rĂĄdio na cozinha, ouvia as notĂ­cias e as co­mentava com Aristides, que tambĂ©m se tornara um homem bem-humorado e calmo.

Jacira sabia que Maria LĂșcia desejava continuar a estudar e procurou um colĂ©gio perto da casa. Ex­plicou Ă  diretora que a menina nĂŁo cursara uma escola formal, fizera o ensino fundamental no pensionato.

Maria LĂșcia prestou exame e pĂŽde ser matriculada no primeiro ano do ensino mĂ©dio, no perĂ­odo da tarde.

Tudo ia bem para a família de Jacira. Os negócios aumentavam a cada dia. Elas estavam conseguindo pagar o empréstimo de Renato com facilidade.

Uma noite, trĂȘs meses depois de terem se mu­dado, passava das onze horas da noite quando Jacira chegou em casa. Os pais jĂĄ haviam se recolhido, mas a luz do quarto de Maria LĂșcia estava acesa.

Ao passar por ele, Jacira abriu a porta e entrou. Maria LĂșcia estava sentada em frente Ă  pequena escri­vaninha, estudando.
- Tudo bem, Maria LĂșcia?

Ela hesitou um pouco, depois disse:

-  NĂŁo estou me sentindo bem hoje.

-  Aconteceu alguma coisa?

- NĂŁo. Mas desde cedo estou inquieta, parece que algo ruim vai me acontecer. Sinto arrepios, vontade de chorar. NĂŁo sei o que fazer.

Jacira colocou a mĂŁo na testa dela e comentou:

- Febre vocĂȘ nĂŁo tem. Comeu alguma coisa que lhe fez mal?

- O de sempre. Nada de novo.

Jacira calou-se pensativa e sentiu um arrepio de­sagradĂĄvel percorrer-lhe o corpo.

- Isso não é seu! - disse séria. - Vamos rezar. Sente-se aqui a meu lado.

Sentaram-se na cama e Jacira segurou a mĂŁo de Maria LĂșcia:

- Feche os olhos, pense em Deus, vamos orar: Senhor, derrama sobre nĂłs a sua luz, envolve-nos com seu manto de proteção, abençoa-nos, esclarece nossos espĂ­ritos e nos dĂȘ a sua paz.
Nesse instante, Maria LĂșcia começou a tremer e de repente disse chorando:

- Jacira! Ajude-me! Estou sofrendo muito! Jacira estremeceu e sentiu forte emoção. Pro­curou controlar-se e respondeu:

- Eu não posso fazer nada, peça a ajuda de Deus. Ele é quem tem o poder de ajudå-lo.
 
-   Ele nĂŁo vai me ouvir. Eu errei muito. Fui omisso. NĂŁo assumi os meus compromissos e agora me sinto perdido.

-   Seja lĂĄ o que for que vocĂȘ tenha feito, se estĂĄ arrependido, Deus vai ajudĂĄ-lo.

-   Estou arrependido, mas isso nĂŁo basta. Eu pre­ciso corrigir o erro e peço que vocĂȘ me perdoe.

- VocĂȘ nĂŁo me fez nada.

- Eu tinha prometido ajudar nossa famĂ­lia e assim que me vi na carne, esqueci tudo, fugi.

Jacira estremeceu e perguntou:

-   Quem Ă© vocĂȘ?

-   Neto. Sou o Neto. Preciso de ajuda!

Jacira surpreendeu-se e, chocada, nĂŁo soube o que dizer. Nesse momento Maria LĂșcia estremeceu, abriu os olhos dizendo aliviada.
-        Ele jĂĄ se foi.

Vendo que Jacira nĂŁo continha as lĂĄgrimas per­guntou:

-   O que foi? Por que estĂĄ assim?

-   VocĂȘ chegou a ver esse espĂ­rito?

-        Sim. É um homem alto, magro, moreno, testa larga, cabelos escuros, nĂŁo muito velho.

-   É ele! É meu irmĂŁo! Meu Deus, ele estĂĄ morto! Maria LĂșcia abraçou-a:

-   Acalme-se, nĂŁo chore. Pode nĂŁo ter sido ele.

- Foi sim. Eu senti muita emoção. Por que serå que ele foi embora tão de repente?

-   NĂŁo sei. Mas agora estou me sentindo melhor. Aquelas sensaçÔes desagradĂĄveis foram embora com ele.

- Apesar de mamãe ainda ter esperança, ele nunca mais voltarå!
-  Vai contar a ela?

-  Ainda nĂŁo sei. Talvez seja melhor nĂŁo lhe dizer nada. Ela sofrerĂĄ muito com essa notĂ­cia.

-  Ele estĂĄ mal. AlĂ©m de rezar pela sua alma, o que podemos fazer para ajudĂĄ-lo?

Jacira pensou um pouco e decidiu:

- Vamos conversar com Lídia. O espírito de Marina também poderå nos orientar.

- Boa ideia. Estou assustada. Desde pequena vejo espĂ­ritos, alguns elevados, outros perturbados. Mas nunca mĂš aconteceu de eles tentarem falar por mim. Foi uma experiĂȘncia muito forte e desagradĂĄvel. Senti-me como se eu fosse outra pessoa e, ao mesmo tempo, eu mesma, sem poder impedi-lo de falar. Foi muito estranho.

- VocĂȘ Ă© mĂ©dium.

-  Nunca me senti assim... Temo que possa acon­tecer novamente.
-  AmanhĂŁ mesmo vamos procurar LĂ­dia. Ela sa­berĂĄ nos orientar. 

EstĂĄ se sentindo bem agora?


-  Sim. Assim que ele se foi, tudo passou. Parece atĂ© que nunca senti nada.


-  Nesse caso, vou para o meu quarto. Mas se vocĂȘ sentir alguma coisa diferente, pode me chamar.

As duas foram dormir e apesar de estarem atentas e preocupadas com os acontecimentos, ambas dei­taram-se e tiveram uma noite de sono tranquilo.

Na manhĂŁ seguinte, Jacira ligou para LĂ­dia e contou-lhe o que tinha acontecido, finalizando:

-   NĂŁo sei o que fazer. Preciso saber se era meu irmĂŁo mesmo quem se comunicou. Maria LĂșcia tambĂ©m estĂĄ assustada. Ele sentiu-se mal e ela teme que ele volte.

-   Precisamos conversar. Esta noite, vocĂȘ e Maria LĂșcia venham a minha casa. Faremos uma prece, pe­diremos ajuda espiritual. Ele as procurou e pode ser que possamos receber orientação tanto do espĂ­rito de Marina como do meu guia.

- EstĂĄ certo. Para mim serĂĄ melhor Ă s oito. EstĂĄ bem?

- Combinado. Estarei as esperando.

Jacira apressou-se a ligar para Maria LĂșcia e pedir-lhe que comparecesse ao ateliĂȘ Ă s sete para irem Ă  casa de LĂ­dia.

Apesar de estar muito ocupada com o trabalho durante o dia inteiro, o irmĂŁo nĂŁo lhe saĂ­a do pensa­mento. Imagens da infĂąncia lhe ocorriam com clareza, fatos corriqueiros, perdidos no tempo, voltavam com riqueza de detalhes a sua lembrança.

Jacira ficava absorta a ponto de ora Margarida, ora Ester ter de chamĂĄ-la Ă  realidade.

- VocĂȘ estĂĄ longe! - disse Ester.

- Parece estar em outro mundo! - brincou Mar­garida.

Jacira colocou-as a par do que havia acontecido, e Ester considerou:

-  O que aconteceu com Maria LĂșcia nĂŁo foi sur­presa para mim. Essa menina Ă© muito madura para sua idade. Tenho comigo que Ă© um espĂ­rito muito evoluĂ­do.

-  Sabe que Ă© verdade? Ela deu um jeito em Geni, de uma maneira magistral e inesperada. Sua mĂŁe mudou muito desde que Maria LĂșcia foi morar com vocĂȘs.

-  Desde que a conheci, notei que ela era muito especial e mais evoluĂ­da do que o comum. Mas Ă© exa­tamente por essa razĂŁo que estou preocupada. Esse espĂ­rito, que pode ser mesmo o Neto, estĂĄ sofrendo, reconhece que agiu errado. Como Ă© que ele teve poder de envolvĂȘ-la contra sua vontade? - indagou Jacira.

-  NĂŁo sei. Talvez ele tenha tido permissĂŁo para en­trar em contato com vocĂȘ e essa tenha sido a forma que encontrou para chamar sua atenção - sugeriu Ester.

- É uma hipótese - concordou Jacira.
 
- AlĂ©m de conversar com LĂ­dia, por que vocĂȘ nĂŁo conversa com o dr. Villares? Ele conhece tudo sobre mediunidade. Garanto que vai lhe dar uma boa expli­cação para o fato.


-  É uma boa sugestĂŁo. AliĂĄs, agora que minha vida estĂĄ mais calma e organizada, tenho pensado em voltar a frequentar seus cursos e levar Maria LĂșcia.

-  Se vocĂȘ for, vou junto - disse Margarida. - Nunca Ă© tarde para aprender a viver melhor.

As trĂȘs continuaram conversando um pouco mais atĂ© que Dorival chegou e aproximou-se sorridente:

- O que vocĂȘs estĂŁo tramando desta vez? Sempre bem-humorado, sua chegada era come­morada com alegria.

- LĂĄ vem vocĂȘ para nos cobrar tudo - disse Ester. Foi a vez de Jacira dizer:

-  Ele tem prazer de nos fazer entender toda a burocracia das leis do nosso paĂ­s!

-  É o jeito para manter uma empresa em ordem, sem problemas com a fiscalização - tornou ele satisfeito.

-  Reconheço que vocĂȘ tem trabalhado bem - lem­brou Ester - reconhecemos seus esforços. VocĂȘ lida tĂŁo bem com os documentos que nĂłs, pobres mulheres ocupadas, nĂŁo precisamos cansar nossa cabeça com essas barbaridades.

Eles riram e Margarida lembrou-se de que estava na hora do café e convidou-os a acompanhå-la até a copa, onde havia um delicioso bolo que ela fizera, antes do início do expediente.

Os olhos de Dorival brilharam de prazer ao dizer:

- Tudo que sai das mĂŁos de Margarida Ă© delicioso. Vamos experimentar essa maravilha.

Jacira trocou um olhar malicioso com Ester en­quanto se encaminhavam para a copa.

Elas tinham notado que nos Ășltimos tempos, Do­rival, a pretexto de que Marta adorava brincar com Marinho, aparecia no ateliĂȘ com a filha e enquanto ela se entretinha com o menino, ele ficava conversando com Margarida.

Tinham observado tambĂ©m que Margarida mos­trava-se mais alegre, ia ao cabeleireiro uma vez por semana, vestia-se mais na moda e emagrecera, tor­nando-se mais elegante.

Enquanto tomavam cafĂ© e comiam bolo, elas dis­cretamente notaram a troca de olhares entre os dois. Mas Margarida nĂŁo mencionara o assunto e as duas por sua vez, abstiveram-se de mencionĂĄ-lo.

Elas gostavam de Margarida e torciam para que ela encontrasse alguĂ©m com quem pudesse refazer sua vida. Apreciavam Dorival, mas nĂŁo quiseram co­mentar o assunto com ela. Margarida vivia repetindo que estava muito bem assim, nĂŁo queria perder a li­berdade, nem arrumar um padrasto para o filho.

Por esse motivo, Jacira e Ester decidiram esperar e ver o que aconteceria. O interesse dele estava claro e ela dava sinais de que notara que estava sendo ad­mirada. As duas, quando sozinhas, comentavam, tor­cendo para que ele se declarasse logo, ansiosas para saber o que Margarida lhe responderia.


Jacira e Ester tomaram logo o cafĂ© e saĂ­ram, dei­xando-os a sĂłs.


- Ele parecia muito entusiasmado. SerĂĄ que vai ser hoje? - perguntou Jacira sorrindo.


-  Espero que sim. Vamos torcer.


Cada uma retomou suas atividades, mas manti­nham o pensamento voltado aos dois.


O que elas esperavam nĂŁo aconteceu. Depois de uma hora, Dorival foi embora com a filha e tudo voltou ao normal.
 

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