Jacira acordou cedo e levantou-se apressada.
Quando desceu jĂĄ encontrou Maria LĂșcia na
sala, no meio de caixas de papelão empacotando a louça.
- Levantou
cedo. Jå tomou café?
- JĂĄ.
EstĂĄ tudo pronto na cozinha.
- Falta
muito?
- NĂŁo.
Além dessa louça, só algumas panelas.
- O
caminhĂŁo vai chegar dentro de uma hora. Ă melhor ir acordar mamĂŁe.
Enquanto
Maria LĂșcia dirigiu-se ao quarto de Geni, Jacira tomou cafĂ© e voltou Ă sala. Fazia quase um
ano que Maria LĂșcia estava na casa. Durante esse tempo muitas coisas haviam
acontecido.
Nos
primeiros tempos, Geni tentou
de todas as formas fazer com que ela a ajudasse a cumprir as tarefas que lhe
cabiam. Mas ela desviava o assunto, justificando que ainda nĂŁo havia terminado
a sua parte.
Quando
Geni começava
a reclamar de alguma coisa, Maria LĂșcia sempre mencionava alguma coisa positiva. Como ela tinha
por håbito fazer tudo com capricho, chamando sua atenção para as coisas
bonitas da natureza, demonstrando prazer de passar muito bem as roupas,
arrumando-as no guarda-roupas com carinho, Geni começou
tambĂ©m a cuidar mais da aparĂȘncia e do trabalho que fazia.
Maria LĂșcia a elogiava quando as roupas brancas
ficavam mais alvas, quando a comida estava mais saborosa, quando ela se
cuidava um pouco mais.
Aos poucos, Geni foi
aprendendo a apreciar a beleza de uma casa bem-arrumada, acolhedora, com tudo
no lugar certo. Ao fazer alguma coisa com capricho, habituara-se a pedir a opiniĂŁo dela.
Jacira percebeu que Geni
entretinha-se tanto ao lado de Maria LĂșcia e a cada dia mais se afeiçoava a
ela. Quase jĂĄ nĂŁo lia mais as fotonovelas.
Jacira conversara com
LĂdia sobre os pesadelos de Maria LĂșcia que lhe explicou:
- Ela tem muita sensibilidade e via os espĂritos que
estavam com as pessoas. Eles percebiam e a assediavam desejando lhe transmitir
recados, pedir ajuda. Maria LĂșcia nĂŁo sabia o que fazer e ficava com medo.
Muitas vezes Rosalina me pediu ajuda. Meu guia espiritual auxiliou, as visÔes
espaçaram, mas ele informou que quando ela deixasse o pensionato deveria
estudar o assunto e aprender a lidar com a mediunidade. Conversei com a madre
superiora sobre isso.
- Falou em espĂritos a ela?
- Sim. Ela precisava saber
para me avisar sempre que voltasse a acontecer. A madre tem a cabeça aberta,
sabe que eles estĂŁo a nossa volta. Agora Ă© aconselhĂĄvel ela se preparar e
aprender a lidar com isso.
- Mas os pesadelos a fazem
sofrer, principalmente quando ela vĂȘ espĂritos perturbados. NĂŁo hĂĄ uma maneira
de acabar com isso e afastĂĄ-los definitivamente?
- NĂŁo. Todas as pessoas tĂȘm
sexto sentido. à uma condição natural do ser humano. Quando a sensibilidade se
abre, Ă© melhor estudar os fenĂŽmenos
e
procurar adaptar-se. Se a pessoa
registra a presença de desequilibrados e não sabe lidar, pode se sentir muito
mal.
- Ă o
que acontece com ela durante o sono. Maria LĂșcia Ă© sensata, boa, por que eles a
atacam?
- NĂŁo
creio que ela esteja sendo atacada. Ocorre que, quando um espĂrito aproxima-se
de uma pessoa sensĂvel, hĂĄ uma troca energĂ©tica entre eles. Se for um espĂrito
doente, perturbado, nessa troca ele se sentirå aliviado e a pessoa começarå a
sentir o que ele estĂĄ sentindo.
- Como
ela poderĂĄ se defender?
- Procurando ajuda espiritual
com pessoas capacitadas que possam introduzi-la nessa delicada experiĂȘncia
com segurança.
- Ela
vai desenvolver a mediunidade?
- Ela
vai educĂĄ-la de forma adequada. Assim como vocĂȘ tem o espĂrito de Marina que a
ajuda e orienta, Maria LĂșcia farĂĄ contato com espĂritos elevados que vĂŁo
instruĂ-la e ela sentirĂĄ grande bem-estar.
- Marina
tem me ajudado muito. Quando a encontro durante o sono sinto-me tĂŁo bem que
nĂŁo desejo voltar. Como poderemos ajudĂĄ-la?
- Uma
vez por semana, sentamo-nos para estudar o assunto e receber orientação dos
nossos amigos espirituais. As pessoas me procuram pedindo ajuda e conforme me
inspiram, eu as atendo.
Estela tem
mediunidade de cura e quando indicado por eles, visitamos doentes, oramos com
eles, doamos energias e Deus tem nos atendido de uma forma ou de outra.
- Foi
o que vocĂȘ fez comigo e com Margarida.
- Eu
gostaria que vocĂȘ e Maria LĂșcia participassem desses encontros. Seria bom para
todos nĂłs.
Jacira concordou e a partir desse dia, elas
passaram a reunir-se todas as semanas, estreitando ainda mais os laços de
amizade que as unia.
LĂdia lhe emprestava livros e a cada dia mais
ela se interessava pelas pesquisas dos fenĂŽmenos paranormais e
progredia rapidamente. Os pesadelos de Maria LĂșcia desapareceram e as mensagens esclarecedoras
e elevadas começaram a surgir de seus låbios inspirados.
Jacira sentia-se feliz e os negĂłcios progrediam rapidamente.
Ganhando mais, ela pensou que poderia dar mais conforto para a famĂlia. TambĂ©m,
era cansativo ter de tomar duas conduçÔes para ir trabalhar.
Margarida insistia para
que ela se mudasse definitivamente para o ateliĂȘ, mas Jacira nĂŁo queria deixar a famĂlia. EntĂŁo,
decidiu alugar outra casa mais perto do ateliĂȘ
e mudar-se com a famĂlia.
Começou a procurar, mas o
aluguel das casas perto do ateliĂȘ
era
muito alto. Sabendo que ela estava procurando casa para alugar, uma cliente ofereceu-lhe uma muito boa, por um preço razoåvel.
Era uma casa antiga, muito
bem conservada, com jardim na frente, boas acomodaçÔes para todos e um quintal
nos fundos onde havia uma frondosa mangueira que a encantou. AlĂ©m disso, um ĂŽnibus passava perto e em dez minutos a deixaria no ateliĂȘ.
Quando ela chegou em casa
com a novidade, Aristides pensou no seu emprego. Ele nĂŁo queria deixar de
trabalhar e o bar ficava longe da casa. Geni também não gostou da ideia:
- NĂŁo quero sair daqui.
- Por quĂȘ? LĂĄ Ă© muito
melhor, a casa Ă© maior e mais bonita.
- NĂŁo posso mudar. Como os
meninos vĂŁo nos achar quando decidirem voltar?
Jacira tentou convencĂȘ-la,
mas Geni nĂŁo cedia. EntĂŁo teve a ideia de levĂĄ-los para conhecerem a casa. Ao
chegarem, Jacira apontou-a dizendo:
- Ă aqui.
Eles se entreolharam
admirados.
- Aqui? - exclamou Aristides admirado.
- O que foi, nĂŁo gostou,
pai?
- Ă uma casa de luxo!
- Ă uma casa confortĂĄvel.
Vamos entrar.
Geni estava tĂŁo admirada
que a voz morreu em sua garganta.
Atravessaram o jardim e entraram na sala
principal.
Os dois, admirados e
pensativos, percorreram a casa toda.
Finalmente, Geni conseguiu falar:
- Esse aluguel deve ser
alto. VocĂȘ tem dinheiro para pagar tudo isso?
- Tenho. JĂĄ fechei o
contrato e nesta semana mesmo vou começar a mobiliå-la.
- E os nossos mĂłveis? - indagou Geni assustada.
- NĂŁo vamos precisar deles. A casa possui armĂĄrios embutidos em todos os cĂŽmodos.
Tenho algumas economias. O que
falta vai dar para comprar.
Aristides ficou calado e
foi ver o quintal. Além de uma mangueira imensa, havia alguns canteiros onde o
mato tomara conta.
Jacira aproximou-se dele:
- E entĂŁo, o que achou?
- Aqui dĂĄ para fazer uma
bela horta.
- Até para cercar um pedaço
e fazer um galinheiro, igual ao que minha mĂŁe tinha - interveio Geni admirada.
- Na verdade Ă© uma bela
casa... - comentou Aristides
pensativo.
- Pai, nĂŁo se preocupe com o
bar. Estou ganhando bem e vocĂȘ sĂł vai trabalhar se quiser.
- Eu gosto de trabalhar.
- Nesse caso, vamos arranjar
alguma coisa aqui por perto.
- Estå certo - concordou Aristides. - Hoje mesmo falarei com Euzébio.
Satisfeita, Jacira levou
Geni para o quarto que seria do casal:
- Vamos comprar uma cama dessas modernas, bem grande
- comentou.
Os olhos de Geni brilhavam
e ela disse:
- Se fizermos isso vamos
gastar mais porque a roupa de cama que temos nĂŁo vai servir.
- Compraremos tudo novo. Da
sua cama, vocĂȘ Ă© quem vai escolher.
Foi
com entusiasmo que eles voltaram para casa e começaram a arrumar tudo para a
mudança.
Eles
separaram o que iriam levar, mas Jacira, que jĂĄ havia comprado tudo que
precisariam, selecionou o que levariam de fato.
Quando
o caminhão chegou para fazer a mudança, estava tudo pronto. Enquanto eles
carregavam, Jacira deixou o pai tomando conta e foi com a mĂŁe e Maria LĂșcia
esperar na nova casa.
Geni ainda
não tinha visto a decoração que Jacira tinha feito e ficou muito emocionada ao
entrar. Apesar de tudo, parecia-lhe impossĂvel que aquela casa, dali em diante
seria a sua morada.
Sentia-se
atordoada, com medo de que de repente, tudo aquilo desaparecesse e as coisas
voltassem a ser como sempre tinham sido.
Mas
Jacira, atarefada, cuidando
que colocassem as coisas nos lugares certos, nĂŁo percebeu. Quando eles
terminaram, ela aproximou-se de Geni que disse:
- Estou
meio perdida sem saber o que fazer.
- Seria
bom que vocĂȘ fosse para a cozinha preparar alguma coisa. Papai logo estarĂĄ
aqui e estamos com fome.
- Tem
razĂŁo. Vou ver o que tem na geladeira. O que vocĂȘ quer comer?
- Faça
o que quiser. JĂĄ fiz as compras.
Geni apressou-se a ir para a cozinha e foi com prazer que
abriu os armårios, onde jå havia uma louça pronta para uso e algumas panelas,
tudo novo.
Nesse
dia começou para eles uma vida nova. Aristides, jå nos primeiros dias, comprou o que
precisava e foi cuidar do quintal.
Levantava cedo, tomava café e ia preparar os
canteiros para plantar.
Geni desde que se mudara, sentira prazer em arrumar a cama
e colocar as almofadas que
escolhera sobre os travesseiros. O banheiro, que ficava ao lado do quarto e que
era só de uso do casal, ela também fazia questão de limpar.
Geni tornara-se ativa, parecia outra pessoa. Ligava o
rĂĄdio na cozinha, ouvia as notĂcias e as comentava com Aristides, que tambĂ©m se tornara um homem bem-humorado e calmo.
Jacira
sabia que Maria LĂșcia desejava continuar a estudar e procurou um colĂ©gio perto
da casa. Explicou Ă diretora que a menina nĂŁo cursara uma escola formal,
fizera o ensino fundamental no pensionato.
Maria
LĂșcia prestou exame e pĂŽde ser matriculada no primeiro ano do ensino mĂ©dio, no
perĂodo da tarde.
Tudo
ia bem para a famĂlia de Jacira. Os negĂłcios aumentavam a cada dia. Elas
estavam conseguindo pagar o empréstimo de Renato com facilidade.
Uma
noite, trĂȘs meses depois de terem se mudado, passava das onze horas da noite
quando Jacira chegou em casa. Os pais jĂĄ haviam se recolhido, mas a luz do
quarto de Maria LĂșcia estava acesa.
Ao
passar por ele, Jacira abriu a porta e entrou. Maria LĂșcia estava sentada em
frente Ă pequena escrivaninha, estudando.
- Tudo
bem, Maria LĂșcia?
Ela
hesitou um pouco, depois disse:
- NĂŁo
estou me sentindo bem hoje.
- Aconteceu
alguma coisa?
- NĂŁo.
Mas desde cedo estou inquieta, parece que algo ruim vai me acontecer. Sinto
arrepios, vontade de chorar. NĂŁo sei o que fazer.
Jacira colocou a mĂŁo na testa dela e
comentou:
- Febre
vocĂȘ nĂŁo tem. Comeu alguma coisa que lhe fez mal?
- O de
sempre. Nada de novo.
Jacira
calou-se pensativa e
sentiu um arrepio desagradĂĄvel percorrer-lhe o corpo.
- Isso
não é seu! - disse séria. - Vamos rezar. Sente-se aqui a meu lado.
Sentaram-se
na cama e Jacira segurou a mĂŁo de Maria LĂșcia:
- Feche
os olhos, pense em Deus, vamos orar: Senhor, derrama sobre nĂłs a sua luz,
envolve-nos com seu manto de proteção, abençoa-nos, esclarece nossos espĂritos
e nos dĂȘ a sua paz.
Nesse
instante, Maria LĂșcia começou a tremer e de repente disse chorando:
- Jacira!
Ajude-me! Estou sofrendo muito! Jacira estremeceu e sentiu forte emoção. Procurou
controlar-se e respondeu:
- Eu
não posso fazer nada, peça a ajuda de Deus. Ele é quem tem o poder de ajudå-lo.
- Ele
nĂŁo vai me ouvir. Eu errei muito. Fui omisso. NĂŁo assumi os meus compromissos e
agora me sinto perdido.
- Seja
lĂĄ o que for que vocĂȘ tenha feito, se estĂĄ arrependido, Deus vai ajudĂĄ-lo.
- Estou
arrependido, mas isso nĂŁo basta. Eu preciso corrigir o erro e peço que vocĂȘ me
perdoe.
- VocĂȘ
nĂŁo me fez nada.
- Eu
tinha prometido ajudar nossa famĂlia e assim que me vi na carne, esqueci tudo,
fugi.
Jacira
estremeceu e perguntou:
- Quem
Ă© vocĂȘ?
- Neto.
Sou o Neto. Preciso de ajuda!
Jacira
surpreendeu-se e, chocada, nĂŁo soube o que dizer. Nesse momento Maria LĂșcia
estremeceu, abriu os olhos dizendo aliviada.
- Ele jĂĄ se foi.
Vendo
que Jacira nĂŁo continha as lĂĄgrimas perguntou:
- O
que foi? Por que estĂĄ assim?
- VocĂȘ
chegou a ver esse espĂrito?
- Sim. Ă um homem alto, magro,
moreno, testa larga, cabelos escuros, nĂŁo muito velho.
- Ă
ele! Ă meu irmĂŁo! Meu Deus, ele estĂĄ morto! Maria LĂșcia abraçou-a:
- Acalme-se,
nĂŁo chore. Pode nĂŁo ter sido ele.
- Foi
sim. Eu senti muita emoção. Por que serå que ele foi embora tão de repente?
- NĂŁo
sei. Mas agora estou me sentindo melhor. Aquelas sensaçÔes desagradåveis foram
embora com ele.
- Apesar de mamĂŁe ainda
ter esperança, ele nunca mais voltarå!
- Vai contar a ela?
- Ainda nĂŁo sei. Talvez seja
melhor nĂŁo lhe dizer nada. Ela sofrerĂĄ muito com essa notĂcia.
- Ele estå mal. Além de
rezar pela sua alma, o que podemos fazer para ajudĂĄ-lo?
Jacira pensou um pouco e
decidiu:
- Vamos conversar com LĂdia. O espĂrito de Marina
também poderå nos orientar.
- Boa ideia. Estou assustada. Desde pequena vejo
espĂritos, alguns elevados, outros perturbados. Mas nunca mĂš aconteceu de eles
tentarem falar por mim. Foi uma experiĂȘncia muito forte e desagradĂĄvel. Senti-me
como se eu fosse outra pessoa
e, ao mesmo tempo, eu mesma, sem poder impedi-lo de falar. Foi muito estranho.
- VocĂȘ Ă© mĂ©dium.
- Nunca me senti assim...
Temo que possa acontecer novamente.
- AmanhĂŁ mesmo vamos
procurar LĂdia. Ela saberĂĄ nos orientar.
EstĂĄ se sentindo bem agora?
- Sim. Assim que ele se foi,
tudo passou. Parece até que nunca senti nada.
- Nesse caso, vou para o meu
quarto. Mas se vocĂȘ sentir alguma coisa diferente, pode me chamar.
As duas foram dormir e
apesar de estarem atentas e preocupadas com os acontecimentos, ambas deitaram-se e tiveram uma noite de sono tranquilo.
Na manhĂŁ seguinte, Jacira ligou para LĂdia e contou-lhe o que tinha acontecido, finalizando:
- NĂŁo sei o que fazer.
Preciso saber se era meu irmĂŁo mesmo quem se comunicou. Maria LĂșcia tambĂ©m estĂĄ
assustada. Ele sentiu-se mal e ela teme que ele
volte.
- Precisamos conversar. Esta
noite, vocĂȘ e Maria LĂșcia venham a minha casa. Faremos uma prece, pediremos
ajuda espiritual. Ele as procurou e pode ser que possamos receber orientação tanto do espĂrito de
Marina como do meu guia.
- EstĂĄ
certo. Para mim serĂĄ melhor Ă s oito. EstĂĄ bem?
- Combinado.
Estarei as esperando.
Jacira
apressou-se a ligar para Maria LĂșcia e pedir-lhe que comparecesse ao ateliĂȘ Ă s
sete para irem Ă casa de LĂdia.
Apesar de estar muito ocupada com o trabalho
durante o dia inteiro, o irmĂŁo nĂŁo lhe saĂa do pensamento. Imagens da infĂąncia
lhe ocorriam com clareza, fatos corriqueiros, perdidos no tempo, voltavam com
riqueza de detalhes a sua lembrança.
Jacira ficava absorta a ponto de ora
Margarida, ora Ester ter de chamĂĄ-la Ă realidade.
- VocĂȘ
estĂĄ longe! - disse Ester.
- Parece
estar em outro mundo! - brincou Margarida.
Jacira
colocou-as a par do que havia acontecido, e Ester considerou:
- O
que aconteceu com Maria LĂșcia nĂŁo foi surpresa para mim. Essa menina Ă© muito
madura para sua idade. Tenho comigo que Ă© um espĂrito muito evoluĂdo.
- Sabe
que Ă© verdade? Ela deu um jeito em Geni, de uma maneira magistral e inesperada. Sua mĂŁe mudou
muito desde que Maria LĂșcia foi morar com vocĂȘs.
- Desde
que a conheci, notei que ela era muito especial e mais evoluĂda do que o comum.
Mas Ă© exatamente por essa razĂŁo que estou preocupada. Esse espĂrito, que pode
ser mesmo o Neto, estĂĄ sofrendo, reconhece que agiu errado. Como Ă© que ele teve
poder de envolvĂȘ-la contra sua vontade? - indagou Jacira.
- NĂŁo
sei. Talvez ele tenha tido permissĂŁo para entrar em contato com vocĂȘ e essa
tenha sido a forma que encontrou para chamar sua atenção - sugeriu Ester.
- Ă
uma hipĂłtese - concordou Jacira.
- Além
de conversar com LĂdia, por que vocĂȘ nĂŁo conversa com o dr. Villares? Ele conhece tudo sobre mediunidade.
Garanto que vai lhe dar uma boa explicação para o fato.
- Ă
uma boa sugestĂŁo. AliĂĄs, agora que minha vida estĂĄ mais calma e organizada,
tenho pensado em voltar a frequentar
seus cursos e levar Maria LĂșcia.
- Se
vocĂȘ for, vou junto - disse Margarida. - Nunca Ă© tarde para aprender a viver
melhor.
As
trĂȘs continuaram conversando um pouco mais atĂ© que Dorival chegou e
aproximou-se sorridente:
- O
que vocĂȘs estĂŁo tramando desta vez? Sempre bem-humorado, sua chegada era comemorada
com alegria.
- LĂĄ
vem vocĂȘ para nos cobrar tudo - disse Ester. Foi a vez de Jacira dizer:
- Ele
tem prazer de nos fazer entender toda a burocracia das leis do nosso paĂs!
- Ă o
jeito para manter uma empresa em ordem, sem problemas com a fiscalização -
tornou ele satisfeito.
- Reconheço
que vocĂȘ tem trabalhado bem - lembrou Ester - reconhecemos seus esforços. VocĂȘ
lida tĂŁo bem com os documentos que nĂłs, pobres mulheres ocupadas, nĂŁo
precisamos cansar nossa cabeça com essas barbaridades.
Eles
riram e Margarida lembrou-se de que estava na hora do café e convidou-os a
acompanhå-la até a copa, onde havia um delicioso bolo que ela fizera, antes do
inĂcio do expediente.
Os
olhos de Dorival brilharam de prazer ao dizer:
- Tudo
que sai das mĂŁos de Margarida Ă© delicioso. Vamos experimentar essa maravilha.
Jacira
trocou um olhar malicioso com Ester enquanto se encaminhavam para a copa.
Elas
tinham notado que nos Ășltimos tempos, Dorival, a pretexto de que Marta adorava
brincar com Marinho, aparecia no ateliĂȘ com a filha e enquanto ela se entretinha com o menino, ele ficava
conversando com Margarida.
Tinham
observado também que Margarida mostrava-se mais alegre, ia ao cabeleireiro uma
vez por semana, vestia-se mais na moda e emagrecera,
tornando-se mais elegante.
Enquanto tomavam café e comiam bolo, elas discretamente
notaram a troca de olhares entre os dois. Mas Margarida nĂŁo mencionara o
assunto e as duas por sua vez, abstiveram-se de mencionĂĄ-lo.
Elas gostavam de Margarida
e torciam para que ela encontrasse alguém com quem pudesse refazer sua vida.
Apreciavam Dorival, mas nĂŁo quiseram comentar o assunto com ela. Margarida
vivia repetindo que estava muito bem assim, nĂŁo queria perder a liberdade, nem
arrumar um padrasto para o filho.
Por esse motivo, Jacira e
Ester decidiram esperar e ver o que aconteceria. O interesse dele estava claro
e ela dava sinais de que notara que estava sendo admirada. As duas, quando
sozinhas, comentavam, torcendo para que ele se declarasse logo, ansiosas para
saber o que Margarida lhe responderia.
Jacira e Ester tomaram
logo o cafĂ© e saĂram, deixando-os
a sĂłs.
- Ele parecia muito entusiasmado. SerĂĄ que vai ser
hoje? - perguntou Jacira sorrindo.
- Espero que sim. Vamos torcer.
Cada uma retomou suas atividades, mas mantinham o pensamento voltado aos dois.
O que elas esperavam nĂŁo
aconteceu. Depois de uma hora, Dorival foi embora com a filha e tudo voltou ao
normal.
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