O despertador tocou e Jacira ainda meio atordoada procurou o pino para fazê-lo parar. Depois, lutou contra a vontade de dormir mais um pouco e levantou-se, indo direto para o chuveiro.
Na
noite anterior custara a dormir e, quando conseguiu, teve um sono povoado de
sonhos desagradáveis. De certa forma conhecidos.
Quase
sempre sonhava que estava em uma casa velha, havia alguém ruim querendo entrar
e ela fechava as portas e janelas, mas de repente se dava conta de que havia
uma aberta e nunca conseguia fechá-la.
Acordava
assustada, corpo dolorido, sentindo-se aliviada por estar em seu quarto
habitual.
Depois
do banho, arrumou-se e desceu para o café. Seu pai já estava na sala lendo o
jornal, de pijama e chinelos.
- Bom
dia, papai.
- Bom
dia. Estava esperando por você. Temos que conversar.
- Estou em
cima da hora. É melhor deixar para outro dia.
- Não
posso. Tem de ser agora. Quando eu estava bem, não precisava de ninguém.
Sempre fui um homem trabalhador, dedicado à família. É triste ter agora que
depender dos outros. Você não sabe o que é isso. Sempre lhe demos tudo o que
nos foi possível!
- Está
bem, pai. Fale. Mas sem rodeios. Não quero me atrasar.
- Esta
noite choveu e no meu quarto tem aquela goteira bem em cima da cama. Sua mãe colocou uma bacia, mas
foi pior. Os pingos da água nos torturaram durante horas. Temos que consertar o
telhado.
- Não
sei se vai dar. Ainda estou pagando as prestações da máquina de lavar roupas.
- Eu
sabia! Você preferiu comprar essa máquina em vez de consertar nosso telhado.
Quis se poupar e não pensou em nós.
- Você
está sendo injusto. Todo dinheiro que recebo gasto em casa. Não posso fazer
mais.
Ele meneou a cabeça negativamente
dizendo com voz triste:
- Eu me levanto todos os dias
às seis horas, pego o jornal em busca de emprego, inscrevi-me em uma empresa de
recolocação, mas
não aparece nada. Sempre fui bom empregado. Não sei por que acontece isso
comigo.
- Você tem mais de cinquenta anos. Na sua idade não é
fácil. O seu José da oficina mecânica lhe
ofereceu um lugar de ajudante, por que não aceitou?
Ele
olhou-a admirado:
- Um
operário qualificado como eu ser ajudante em uma oficina mecânica, sujar as
mãos de graxa, para ganhar o mísero salário que ele me ofereceu?
- Seria
um bico até encontrar coisa melhor. Pelo menos poderia consertar o telhado.
- Eu
trabalhava em uma montadora de carros. Uma empresa de nome.
- Mas
foi demitido. Pelo menos enquanto não sai sua aposentadoria, poderia fazer
alguns bicos.
- Você
fala como se eu fosse vagabundo, não quisesse trabalhar.
Isso não é verdade.
Sou um trabalhador.
Jacira
baixou a cabeça desanimada.
- Eu
sei, pai. Quanto seu João pediu para consertar o
telhado?
- Trezentos
reais. Mas o material é por nossa conta.
Jacira
suspirou.
- Vamos
ver o que posso fazer. Agora preciso ir. Foi para a cozinha, sentou-se para
tomar café.
Geni apareceu em seguida dizendo:
- Você
não deve falar assim com seu pai. Ele não merece.
- Eu
sei, mãe.
Ela
serviu-se de café e pegou um pedaço de pão que já estava velho. Cortou-o em
fatias, levantou-se, pegou a frigideira, colocou-a no fogo e o esquentou.
- Estou
atrasada. Você podia pelo menos ter esquentado esse pão.
Geni olhou-a tentando segurar as lágrimas:
- Você fala como se eu fosse
culpada por nossa situação. Nós também comemos desse pão. A culpa é sua. Por
que não se levantou mais cedo para ir à padaria?
Jacira não respondeu. Tratou de engolir o pão
com margarina, alguns goles de café e saiu apressada. Queria sumir, deixar
aquela casa onde tudo era desagradável e triste.
No
ponto, o ônibus já estava chegando, e ela correu para subir, apesar de estar
lotado e outras pessoas tentarem entrar também.
Conseguiu pendurar-se segurando firme no balaustre. Um homem que estava atrás
empurrou-a para que pudesse subir mais um pouco.
Uma
mulher gorda deu-lhe uma cotovelada no estômago e Jacira irritada retribuiu
dando-lhe um pisão no
pé.
O
ônibus partiu e, apesar da situação, ela respirou aliviada. Preferia viajar
desconfortável do que aguentar a reprimenda
do seu
patrão, um homem nervoso que não media as palavras.
O que ela mais temia era
perder esse emprego. Fazia mais de cinco anos que trabalhava na oficina de
costura de Noel. Ganhava por produção, por essa razão, só levantava da máquina
por necessidade.
A cada parada do ônibus as pessoas queriam subir e ela era empurrada. Ela esforçava-se para não sair do lugar, porque precisaria descer
antes do ponto final.
Aos poucos foi tentando
ficar próxima à porta. Quando precisou descer já havia chegado até ela.
Chegou à oficina e olhou o
relógio. Eram oito horas e o sinal logo soou. Imediatamente, foi para seu
lugar, jogou a bolsa em uma gaveta e começou a trabalhar.
Noel aproximou-se,
apanhou
a peça que ela ia começar a costurar e examinou-a
com
olhos críticos. Era um homem baixinho, magro, louro, cujos cabelos eram finos
e lisos, tinha testa larga, pele clara e fina, quase transparente, que se
tornava vermelha quando se irritava.
- Tome cuidado com essas peças - disse ele. - É uma encomenda importante e quero tudo muito bem
feito.
- Sim, senhor - respondeu ela.
Ela sabia que ele queria era encontrar algum erro e
como não havia, limitou-se a fazer sua exigência.
Ao meio-dia o sinal tocou e Jacira levantou-se. As costas doíam e ela estava com fome. Costumava
levar marmita, mas naquele dia, por estar atrasada e não haver sobrado nada do
jantar, não havia levado.
Apanhou a bolsa e foi até a padaria da esquina,
comprou um sanduíche de mortadela e um suco. Depois, voltou à oficina.
As colegas conversavam alegres, mas ela não se
misturava. Apesar de estarem trabalhando no mesmo lugar, a vida delas parecia
muito diferente.
Falavam de namorado, do
marido, dos filhos, dos passeios de fim de semana, enquanto ela não tinha nada
para contar. Por tudo isso se isolava e elas com o tempo acabaram ignorando-a.
Era
como se ela não existisse. Não o faziam por mal. Respeitavam apenas seu
isolamento.
Voltou
para sua máquina enquanto ouvia os risos das colegas e suas brincadeiras.
"Todo
mundo é feliz", pensou, "menos eu. Isso não é justo. Eu me esforço,
trabalho, cuido dos meus pais, por que a vida me castiga deste jeito? Por que
não tenho sorte?"
As
lágrimas vieram-lhe aos olhos e ela tentou dissimular. Abriu a bolsa, apanhou o
lenço, assoou o
nariz. Então se lembrou do homem bonito, cheiroso que lhe emprestara aquele
lenço.
Pelo
menos ele a tratara como um ser humano, entendera sua tristeza. Por que as
pessoas não eram como ele?
Na
véspera estava tão cansada que se esquecera de lavar o lenço para devolvê-lo.
Com o lenço nas mãos notou o quanto seu tecido era macio e acetinado.
Se
não tivesse esse lenço nas mãos, pensaria que aquele encontro houvera sido um
sonho. Pela primeira vez em sua vida, alguém havia tido consideração por ela.
Quando
chegasse em casa iria lavá-lo, passar e depois iria devolvê-lo agradecendo.
O
sinal tocou e ela imediatamente recomeçou a trabalhar.
Naquela
noite, depois do jantar e de lavar a louça, que como sempre a esperava, apanhou
o lenço e lavou-o cuidadosamente.
Geni aproximou-se:
- O
que está fazendo? O cesto de roupas está cheio. Seu pai amanhã vai ver aquele
amigo dele que lhe prometeu um emprego.
Quer usar a camisa bege que está no
cesto. Não se esqueça de passá-la.
- A
senhora bem que podia ter passado a camisa. Estou cansada.
- Você
sabe que o calor do ferro me faz mal. Você devia ser a primeira a querer que
seu pai arranje o emprego. Mas ele não pode se apresentar mal-arrumado.
- Eu sei. Pode deixar, eu passo.
Ela estendeu o lenço,
passou a camisa e mais algumas peças. Por que sua mãe era tão acomodada?
Ficava em casa o dia inteiro. Por que não passava pelo menos a roupa? Por fim,
acabou passando o lenço e dobrando-o com capricho.
- De quem é esse lenço tão cheiroso? - perguntou Geni.
- De uma colega da oficina - mentiu ela.
- Puxa, mesmo depois de
lavado o perfume não
saiu.
- Pronto, passei um pouco da roupa. Agora a senhora
guarda.
Ela pegou o lenço e foi
para o quarto. O lenço estava úmido
quando
ela passou, talvez por essa razão o perfume houvesse se espalhado.
Jacira tomou um banho e deitou-se. O lenço estava em sua mesa de cabeceira. Apanhou-o e sentiu seu perfume. Deitada, começou a imaginar
como seria a vida daquele homem, tão bem-vestido e cheiroso.
Certamente residia em uma
bela casa, cheia de objetos
bonitos,
tinha uma família alegre, bonita.
Como ele dividiria seu
tempo? Certamente frequentava lugares finos, ia a cinemas, teatros.
Como seria bom se ela
também tivesse uma vida assim. Começou a imaginar o que faria se tivesse muito
dinheiro. Se ganhasse na loteria,
por
exemplo, e ficasse muito rica.
Diria adeus a Noel, compraria uma casa linda, vestiria
roupas finas e trataria de gozar a vida. Mas na idade dela? Era tarde demais.
Estava acabada, velha, feia.
Apesar desses pensamentos desagradáveis, gostaria que
esse sonho se realizasse. Pelo menos, não teria de trabalhar e seus pais teriam
conforto, não iriam mais se queixar de nada.
De repente, lembrou-se: como haveria de ganhar na
loteria se nunca comprava um bilhete? No fim do mês, quando recebesse,
compraria pelo menos um pedaço dele.
Depois
mudou de ideia. Apostar
na loteria era para os que têm sorte. Ela nunca tivera sorte na vida. Seu
destino seria o de ser pobre a vida inteira.
Pensando
assim, virou-se para o lado, adormeceu e sonhou. Estava sentada em uma sala
rodeada por várias pessoas desconhecidas.
Uma
mulher levantou-se e aproximou-se dela dizendo:
- Chegou
a hora de você ser julgada. Onde estão os talentos que a vida lhe deu? O que
fez com eles?
- A
vida nunca me deu nada. Tudo para mim tem sido muito difícil.
- Por
que você não quer ver? Temos provocado você para ver se acorda, mas tem sido
inútil. Quando vai cuidar de você?
- O
que deseja de mim? Tenho sido uma filha obediente, trabalhado sem parar. O que
mais quer?
- Você
nasceu para progredir, aprender mais, crescer. Em vez disso, acomodou-se na
inércia, não fez nada por si e só reclama, como se não fosse a responsável
pela situação em que vive.
Jacira
irritou-se e gritou:
- Quem
é você que me acusa? A vida inteira me dediquei a minha família, tenho
procurado conviver bem com os outros sem pensar em mim. Não é isso que a
religião manda fazer?
- Não
falo de religião, falo da vida. Antes de cuidar dos outros, é preciso cuidar de
si. É preciso ter para poder dar. E você se esqueceu de suas necessidades
pessoais, entrou em uma rotina destrutiva que só vai levá-la à doença e ao
sofrimento.
Jacira
olhou em volta e notou que as pessoas a olhavam acusadoras. Teve medo:
- Por
que me trouxeram aqui? Não sou uma criminosa para ser julgada. Sou uma pessoa direita,
cumpridora dos meus deveres.
- Você está aqui porque não
cumpriu seu dever maior: o de cuidar do próprio progresso.
- Como posso ter progresso
se nasci pobre, nunca tive chance de fazer nada por mim?
- Você nunca foi pobre. Tem
um corpo saudável, perfeito, que seria bonito se você cultivasse a alegria, o
prazer de viver, a ousadia de fazer o que seu espírito gosta. Você é rica e sua
riqueza não tem nada a ver com dinheiro. Ela está dentro de você, e você só precisa
enxergá-la e deixá-la sair.
Jacira olhou-a admirada.
- Isso não é verdade. Sou
feia, apagada, desagradável, as pessoas não gostam de mim.
- É assim que você se vê,
mas se quisesse poderia mudar isso.
Tornar-se
bonita,
agradável, alegre, amada.
- Não acredito nisso.
Depois, estou velha, não adianta mais.
- amor, alegria e luz que a
vida lhe deu e você apagou. A escolha está em suas mãos!
Jacira acordou ainda
ouvindo as últimas palavras da mulher e sentou-se
na cama
impressionada. A cena do sonho estava viva em sua lembrança. Parecia verdade. Levantou-se, acendeu a luz e parou diante do espelho.
Seus cabelos eram sem
brilho, sua camisola de algodão não deixava as formas do seu corpo aparecerem.
Prestou atenção aos olhos.
Eram grandes, porém tristes, e as olheiras deixavam
sua fisionomia abatida. A boca era bem feita, e os dentes claros e bem
distribuídos.
Sua pele, apesar de nunca a ter cuidado, era lisa e delicada.
Sentou-se
na cama pensativa. Há
muito não olhava para seu corpo com atenção. Não gostava da sua aparência e
queria apagá-la de sua mente.
Abriu
o guarda-roupas e apanhou alguns vestidos. Parecia-lhe estar vendo-os pela
primeira vez. Eram feios, deselegantes, sem graça.
Quando
adolescente gostava de roupas da moda, porém sua mãe não aprovava e dizia que
ela não tinha gosto, não sabia escolher.
Então, ela mesma escolhia o que Jacira
deveria vestir.
-
Uma menina não pode sair por aí vestida como uma vedete.
Precisa ser discreta
para arranjar um bom casamento e não ser chamada de sirigaita.
Ela
obedeceu, mas de que adiantou? Ninguém nunca quis casar-se com ela. Enquanto as
vizinhas, as primas, casavam-se, ela ia ficando para trás.
Uma
dúvida surgiu em sua mente pela primeira
vez:
"Será
que se não tivesse dado ouvidos a sua mãe e se arrumado do jeito que queria,
teria sido diferente? Teria aparecido alguém que a amasse e se casasse com
ela?"
De
repente, uma onda de raiva a acometeu. Estava cansada de ser a bem-comportada,
a sempre disposta a fazer o que os outros queriam e engolir seus desejos
íntimos.
O
que ganhara deixando-se conduzir pela mãe daquela forma, sacrificando sua
juventude para atender aos desejos da família sem nunca fazer as coisas como
gostaria?
Pensativa, recostou-se na cama. A cena do sonho voltou-lhe à lembrança
e as palavras daquela mulher reapareceram fortes.
"-
Você está onde se põe. É a lei da vida. Se você se colocar em um lugar melhor,
sua vida mudará e coisas boas começarão a acontecer. A escolha está em suas
mãos!"
Ah!
Se ela pudesse realmente escolher... Começou a imaginar o que faria se essas
palavras fossem verdadeiras.
Tirou a camisola grosseira
e procurou vestir alguma coisa mais ajustada, porém não encontrou nada que lhe
agradasse.
Procurou na gaveta da cômoda o envelope onde guardava o dinheiro para suas
despesas até receber o novo salário. Restava pouco. A prestação da máquina de
lavar roupas levava boa parte dele.
Apesar disso, no dia
seguinte, iria procurar alguma liquidação para comprar um vestido ou uma blusa
nova. Olhando desanimada para as roupas sobre a cama, sentiu vontade de
rasgá-las e jogá-las no lixo.
Suspirou triste. Se
fizesse isso, como iria trabalhar no dia seguinte?
Mas se ela pudesse mesmo
escolher, compraria aquele vestido azul que vira na revista. Levantou-se, apanhou a revista e começou a folheá-la.
Não tinha condições de
comprar nada do que havia nela. Apareceu o vestido azul e desta vez pareceu-lhe mais bonito do que antes.
Com um vestido como
aquele, qualquer mulher ficaria bonita. Até ela.
E os complementos? Quais combinariam
com ele? Sapatos, bolsa, bijuterias...
Ah! Se aquele sonho fosse
verdade... Se ela pudesse mesmo escolher! Fechou os olhos e começou a se
imaginar vestindo aquele vestido, os colares, os brincos, tudo.
Uma onda de prazer a
acometeu. Abriu os olhos e olhou em volta e nunca seu pequeno quarto, sua
mobília, seus objetos de uso pessoal lhe
pareceram tão feios.
A escolha está em suas
mãos!"
Então decidiu que no dia
seguinte, iria comprar alguma coisa nova só para si. Há quanto tempo não fazia
isso?
Faria isso mesmo que
tivesse de ficar alguns dias sem almoçar. Mas escolheria algo do seu gosto. Que
lhe desse prazer.
Fazer compras era para ela uma obrigação desagradável.
Quando recebia fazia a despesa do mês e sempre levava algum agrado para os
pais.
Como o dinheiro era pouco e precisava durar
até o fim do mês, apesar da boa vontade, nem sempre conseguia comprar alguma
coisa que eles realmente gostavam.
Não
se esquecia do doce de leite para a mãe nem do pacote de cigarros para o pai.
Às vezes eles reclamavam da qualidade dos alimentos, o arroz era novo e empapava, o feijão era duro e não
engrossava, a carne era dura, certamente o boi era velho...
Jacira
estava habituada com as queixas e procurava não responder. De que adiantaria?
Eles sempre foram insatisfeitos. Talvez porque a vida não lhes houvesse dado a
alegria que desejavam. Deitou-se e tentou dormir. Mas o sono custou a aparecer.
Na
manhã seguinte, quando o despertador tocou, Jacira acordou assustada. Apesar do
sono que sentia, correu para o chuveiro.
Depois, ainda envolta na toalha,
procurou uma roupa e não gostou de nada.
Lembrou-se
do sonho. Imaginar fora fácil, porém a dura realidade de sua vida era bem
outra. Resignada, apanhou qualquer um dos vestidos e vestiu. Depois foi ao
espelho. Não gostou do que viu.
O
que estava acontecendo com ela? Aquele vestido sem graça a deixava mais velha.
Sobrava pano na cintura e ela segurou o vestido com ambas as mãos, ajustando-o.
Certamente
ficaria melhor mais justo. Mas o tecido era grosseiro e não tinha caimento.
Geralmente,
passava uma esponja de pó nas faces, um batom claro e penteava os cabelos
rapidamente. Naquela manhã, porém, apanhou o pente e puxou os cabelos nas
laterais, prendendo-os com um grampo.
Olhou-se
no espelho e notou que fazendo isso, seus olhos pareciam maiores. Decidida,
apanhou o envelope com o dinheiro e colocou-o na bolsa.
Assim
que desceu para o café, Geni olhou-a
admirada:
- O
que você fez com os cabelos?
- Prendi
um pouco.
- Pois
eu prefiro como você sempre usou.
Ela
fingiu que não ouviu. Sentou-se, serviu-se de café com leite, apanhou o pão,
passou margarina e começou a comer.
- Seu
pai precisa de dinheiro para a condução. Ele vai ver um emprego na Penha.
- A
semana passada já deixei dinheiro para ele.
- Deixou,
mas acabou. Ele precisou e gastou.
- É
bom ele não fazer isso porque só vou receber daqui a uma semana.
Geni suspirou e tornou com voz queixosa:
- Não
sei o que eu fiz para ser castigada dessa forma. É triste envelhecer, depois de
toda uma vida dedicada ao trabalho e ter de depender dos filhos.
- Estou
fazendo o que eu posso.
- Às
vezes penso que você se acomodou. A filha da d. Olga trabalhava como você em uma
oficina de costura, mas procurou e encontrou um emprego melhor. Hoje eles
estão bem. Ela compra tudo do bom e do melhor para a família.
- Ela
teve mais sorte do que eu. Seria melhor que ela fosse a filha de vocês. Não eu.
Geni levantou-se irritada:
- Não
se pode falar nada que você logo vem com uma resposta torta.
Jacira
levantou-se, apanhou a bolsa e saiu sem dizer nada. Uma vez na sala, deixou
alguns trocados para o pai e se foi.
Naquele
dia, Jacira observou suas colegas de oficina e notou que algumas se vestiam com
mais capricho. Eram roupas baratas, ela sabia, mas graciosas, elegantes.
Na
hora do almoço, elas caprichavam na maquiagem. Notou também que quando
passavam na rua, atraíam a atenção dos homens.
Ah!
Como ela gostaria de ser uma delas. De passar, sem olhar, fazendo pose e
provocar comentários, olhares de admiração.
Ela
nunca atraíra a atenção masculina. Naquele momento pareceu-lhe ouvir a voz da
mãe dizendo:
Suas colegas não estavam sendo confundidas
com nenhuma prostituta. Ao contrário. Estavam sendo admiradas, duas já tinham
namorado firme.
Pela primeira vez percebeu que sua mãe estava
errada. Ela apagara sua beleza, fazendo-a passar despercebida de tal sorte que
nunca ninguém desejou namorá-la.
Uma raiva surda brotou no seu coração, contra
a forma como fora educada. Perdera sua juventude e agora talvez fosse tarde
demais para mudar.
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