sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Capítulo 1

 O despertador tocou e Jacira ainda meio ator­doada procurou o pino para fazê-lo parar. Depois, lutou contra a vontade de dormir mais um pouco e levantou-se, indo direto para o chuveiro.


Na noite anterior custara a dormir e, quando conse­guiu, teve um sono povoado de sonhos desagradáveis. De certa forma conhecidos.


Quase sempre sonhava que estava em uma casa velha, havia alguém ruim querendo entrar e ela fechava as portas e janelas, mas de repente se dava conta de que havia uma aberta e nunca conseguia fechá-la.


Acordava assustada, corpo dolorido, sentindo-se aliviada por estar em seu quarto habitual.


Depois do banho, arrumou-se e desceu para o café. Seu pai já estava na sala lendo o jornal, de pi­jama e chinelos.


-   Bom dia, papai.


-   Bom dia. Estava esperando por você. Temos que conversar.


- Estou em cima da hora. É melhor deixar para outro dia.


-  Não posso. Tem de ser agora. Quando eu es­tava bem, não precisava de ninguém. Sempre fui um homem trabalhador, dedicado à família. É triste ter agora que depender dos outros. Você não sabe o que é isso. Sempre lhe demos tudo o que nos foi possível!


-  Está bem, pai. Fale. Mas sem rodeios. Não quero me atrasar.


-  Esta noite choveu e no meu quarto tem aquela goteira bem em cima da cama. Sua mãe colocou uma bacia, mas foi pior. Os pingos da água nos torturaram durante horas. Temos que consertar o telhado.


-  Não sei se vai dar. Ainda estou pagando as pres­tações da máquina de lavar roupas.


-  Eu sabia! Você preferiu comprar essa máquina em vez de consertar nosso telhado. Quis se poupar e não pensou em nós.


-  Você está sendo injusto. Todo dinheiro que re­cebo gasto em casa. Não posso fazer mais.


Ele meneou a cabeça negativamente dizendo com voz triste:


- Eu me levanto todos os dias às seis horas, pego o jornal em busca de emprego, inscrevi-me em uma empresa de recolocação, mas não aparece nada. Sempre fui bom empregado. Não sei por que acontece isso comigo.


- Você tem mais de cinquenta anos. Na sua idade não é fácil. O seu José da oficina mecânica lhe ofe­receu um lugar de ajudante, por que não aceitou?


Ele olhou-a admirado:


-  Um operário qualificado como eu ser ajudante em uma oficina mecânica, sujar as mãos de graxa, para ganhar o mísero salário que ele me ofereceu?


-  Seria um bico até encontrar coisa melhor. Pelo menos poderia consertar o telhado.

-  Eu trabalhava em uma montadora de carros. Uma empresa de nome.


-  Mas foi demitido. Pelo menos enquanto não sai sua aposentadoria, poderia fazer alguns bicos.

- Você fala como se eu fosse vagabundo, não qui­sesse trabalhar. 
Isso não é verdade. Sou um trabalhador.

Jacira baixou a cabeça desanimada.

-   Eu sei, pai. Quanto seu João pediu para con­sertar o telhado?

-   Trezentos reais. Mas o material é por nossa conta.

Jacira suspirou.

- Vamos ver o que posso fazer. Agora preciso ir. Foi para a cozinha, sentou-se para tomar café.

Geni apareceu em seguida dizendo:

- Você não deve falar assim com seu pai. Ele não merece.
- Eu sei, mãe.

Ela serviu-se de café e pegou um pedaço de pão que já estava velho. Cortou-o em fatias, levantou-se, pegou a frigideira, colocou-a no fogo e o esquentou.

- Estou atrasada. Você podia pelo menos ter es­quentado esse pão.
Geni olhou-a tentando segurar as lágrimas:

- Você fala como se eu fosse culpada por nossa si­tuação. Nós também comemos desse pão. A culpa é sua. Por que não se levantou mais cedo para ir à padaria?

Jacira não respondeu. Tratou de engolir o pão com margarina, alguns goles de café e saiu apres­sada. Queria sumir, deixar aquela casa onde tudo era desagradável e triste.

No ponto, o ônibus já estava chegando, e ela correu para subir, apesar de estar lotado e outras pes­soas tentarem entrar também.

Conseguiu pendurar-se segurando firme no ba­laustre. Um homem que estava atrás empurrou-a para que pudesse subir mais um pouco.

Uma mulher gorda deu-lhe uma cotovelada no estômago e Jacira irritada retribuiu dando-lhe um pisão no pé.

O ônibus partiu e, apesar da situação, ela res­pirou aliviada. Preferia viajar desconfortável do que aguentar a reprimenda do seu patrão, um homem nervoso que não media as palavras.

O que ela mais temia era perder esse emprego. Fazia mais de cinco anos que trabalhava na oficina de costura de Noel. Ganhava por produção, por essa razão, só levantava da máquina por necessidade.

A cada parada do ônibus as pessoas queriam subir e ela era empurrada. Ela esforçava-se para não sair do lugar, porque precisaria descer antes do ponto final.

Aos poucos foi tentando ficar próxima à porta. Quando precisou descer já havia chegado até ela.

Chegou à oficina e olhou o relógio. Eram oito horas e o sinal logo soou. Imediatamente, foi para seu lugar, jogou a bolsa em uma gaveta e começou a trabalhar.


Noel aproximou-se, apanhou a peça que ela ia começar a costurar e examinou-a com olhos críticos. Era um homem baixinho, magro, louro, cujos ca­belos eram finos e lisos, tinha testa larga, pele clara e fina, quase transparente, que se tornava vermelha quando se irritava.

- Tome cuidado com essas peças - disse ele. - É uma encomenda importante e quero tudo muito bem feito.

- Sim, senhor - respondeu ela.

Ela sabia que ele queria era encontrar algum erro e como não havia, limitou-se a fazer sua exigência.

Ao meio-dia o sinal tocou e Jacira levantou-se. As costas doíam e ela estava com fome. Costumava levar marmita, mas naquele dia, por estar atrasada e não haver sobrado nada do jantar, não havia levado.

Apanhou a bolsa e foi até a padaria da esquina, comprou um sanduíche de mortadela e um suco. De­pois, voltou à oficina.

As colegas conversavam alegres, mas ela não se misturava. Apesar de estarem trabalhando no mesmo lugar, a vida delas parecia muito diferente.

Falavam de namorado, do marido, dos filhos, dos passeios de fim de semana, enquanto ela não tinha nada para contar. Por tudo isso se isolava e elas com o tempo acabaram ignorando-a.

Era como se ela não existisse. Não o faziam por mal. Respeitavam apenas seu isolamento.

Voltou para sua máquina enquanto ouvia os risos das colegas e suas brincadeiras.

"Todo mundo é feliz", pensou, "menos eu. Isso não é justo. Eu me esforço, trabalho, cuido dos meus pais, por que a vida me castiga deste jeito? Por que não tenho sorte?"

As lágrimas vieram-lhe aos olhos e ela tentou dissimular. Abriu a bolsa, apanhou o lenço, assoou o nariz. Então se lembrou do homem bonito, cheiroso que lhe emprestara aquele lenço.

Pelo menos ele a tratara como um ser humano, entendera sua tristeza. Por que as pessoas não eram como ele?

Na véspera estava tão cansada que se esquecera de lavar o lenço para devolvê-lo. Com o lenço nas mãos notou o quanto seu tecido era macio e acetinado.

Se não tivesse esse lenço nas mãos, pensaria que aquele encontro houvera sido um sonho. Pela primeira vez em sua vida, alguém havia tido consideração por ela.

Quando chegasse em casa iria lavá-lo, passar e depois iria devolvê-lo agradecendo.

O sinal tocou e ela imediatamente recomeçou a trabalhar.

Naquela noite, depois do jantar e de lavar a louça, que como sempre a esperava, apanhou o lenço e lavou-o cuidadosamente.

Geni aproximou-se:

-  O que está fazendo? O cesto de roupas está cheio. Seu pai amanhã vai ver aquele amigo dele que lhe prometeu um emprego.

Quer usar a camisa bege que está no cesto. Não se esqueça de passá-la.

-  A senhora bem que podia ter passado a camisa. Estou cansada.

-  Você sabe que o calor do ferro me faz mal. Você devia ser a primeira a querer que seu pai arranje o emprego. Mas ele não pode se apresentar mal-arru­mado.

- Eu sei. Pode deixar, eu passo.

Ela estendeu o lenço, passou a camisa e mais al­gumas peças. Por que sua mãe era tão acomodada? Ficava em casa o dia inteiro. Por que não passava pelo menos a roupa? Por fim, acabou passando o lenço e dobrando-o com capricho.

- De quem é esse lenço tão cheiroso? - perguntou Geni.

-  De uma colega da oficina - mentiu ela.

-  Puxa, mesmo depois de lavado o perfume não
saiu.

- Pronto, passei um pouco da roupa. Agora a se­nhora guarda.

Ela pegou o lenço e foi para o quarto. O lenço es­tava úmido quando ela passou, talvez por essa razão o perfume houvesse se espalhado.

Jacira tomou um banho e deitou-se. O lenço es­tava em sua mesa de cabeceira. Apanhou-o e sentiu seu perfume. Deitada, começou a imaginar como seria a vida daquele homem, tão bem-vestido e cheiroso.

Certamente residia em uma bela casa, cheia de objetos bonitos, tinha uma família alegre, bonita.

Como ele dividiria seu tempo? Certamente fre­quentava lugares finos, ia a cinemas, teatros.

Como seria bom se ela também tivesse uma vida assim. Começou a imaginar o que faria se tivesse muito dinheiro. Se ganhasse na loteria, por exemplo, e ficasse muito rica.

Diria adeus a Noel, compraria uma casa linda, vestiria roupas finas e trataria de gozar a vida. Mas na idade dela? Era tarde demais. Estava acabada, velha, feia.

Apesar desses pensamentos desagradáveis, gos­taria que esse sonho se realizasse. Pelo menos, não teria de trabalhar e seus pais teriam conforto, não iriam mais se queixar de nada.

De repente, lembrou-se: como haveria de ganhar na loteria se nunca comprava um bilhete? No fim do mês, quando recebesse, compraria pelo menos um pedaço dele.

Depois mudou de ideia. Apostar na loteria era para os que têm sorte. Ela nunca tivera sorte na vida. Seu destino seria o de ser pobre a vida inteira.
 
Pensando assim, virou-se para o lado, adormeceu e sonhou. Estava sentada em uma sala rodeada por várias pessoas desconhecidas.

Uma mulher levantou-se e aproximou-se dela dizendo:

-  Chegou a hora de você ser julgada. Onde estão os talentos que a vida lhe deu? O que fez com eles?

-  A vida nunca me deu nada. Tudo para mim tem sido muito difícil.

-  Por que você não quer ver? Temos provocado você para ver se acorda, mas tem sido inútil. Quando vai cuidar de você?

-  O que deseja de mim? Tenho sido uma filha obediente, trabalhado sem parar. O que mais quer?

-  Você nasceu para progredir, aprender mais, crescer. Em vez disso, acomodou-se na inércia, não fez nada por si e só reclama, como se não fosse a res­ponsável pela situação em que vive.

Jacira irritou-se e gritou:

-  Quem é você que me acusa? A vida inteira me dediquei a minha família, tenho procurado conviver bem com os outros sem pensar em mim. Não é isso que a religião manda fazer?

-  Não falo de religião, falo da vida. Antes de cuidar dos outros, é preciso cuidar de si. É preciso ter para poder dar. E você se esqueceu de suas necessidades pessoais, entrou em uma rotina destrutiva que só vai levá-la à doença e ao sofrimento.

Jacira olhou em volta e notou que as pessoas a olhavam acusadoras. Teve medo:

- Por que me trouxeram aqui? Não sou uma criminosa para ser julgada. Sou uma pessoa direita, cumpridora dos meus deveres.

-  Você está aqui porque não cumpriu seu dever maior: o de cuidar do próprio progresso.

-  Como posso ter progresso se nasci pobre, nunca tive chance de fazer nada por mim?

-  Você nunca foi pobre. Tem um corpo saudável, perfeito, que seria bonito se você cultivasse a alegria, o prazer de viver, a ousadia de fazer o que seu espírito gosta. Você é rica e sua riqueza não tem nada a ver com dinheiro. Ela está dentro de você, e você só pre­cisa enxergá-la e deixá-la sair.

Jacira olhou-a admirada.

-  Isso não é verdade. Sou feia, apagada, desa­gradável, as pessoas não gostam de mim.

-  É assim que você se vê, mas se quisesse poderia mudar isso.

Tornar-se bonita, agradável, alegre, amada.

- Não acredito nisso. Depois, estou velha, não adianta mais.

Se deseja continuar pensando assim, é um di­reito seu. Estou dizendo a verdade. Você está onde se põe. É a lei da vida. Se você escolher se colocar em um lugar melhor, sua vida mudará e coisas boas começarão a acontecer. Até agora tem escolhido mal o seu caminho e o resultado é o que você tem. Mas ainda é tempo de mudar. De colocar para fora todo

- amor, alegria e luz que a vida lhe deu e você apagou. A escolha está em suas mãos!

Jacira acordou ainda ouvindo as últimas palavras da mulher e sentou-se na cama impressionada. A cena do sonho estava viva em sua lembrança. Parecia verdade. Levantou-se, acendeu a luz e parou diante do espelho.

Seus cabelos eram sem brilho, sua camisola de algodão não deixava as formas do seu corpo apa­recerem. Prestou atenção aos olhos. 

Eram grandes, porém tristes, e as olheiras deixavam sua fisionomia abatida. A boca era bem feita, e os dentes claros e bem distribuídos.

Sua pele, apesar de nunca a ter cui­dado, era lisa e delicada.

Sentou-se na cama pensativa. Há muito não olhava para seu corpo com atenção. Não gostava da sua aparência e queria apagá-la de sua mente.

Abriu o guarda-roupas e apanhou alguns ves­tidos. Parecia-lhe estar vendo-os pela primeira vez. Eram feios, deselegantes, sem graça.

Quando adolescente gostava de roupas da moda, porém sua mãe não aprovava e dizia que ela não tinha gosto, não sabia escolher. 

Então, ela mesma escolhia o que Jacira deveria vestir.

- Uma menina não pode sair por aí vestida como uma vedete. 

Precisa ser discreta para arranjar um bom casamento e não ser chamada de sirigaita.

Ela obedeceu, mas de que adiantou? Ninguém nunca quis casar-se com ela. Enquanto as vizinhas, as primas, casavam-se, ela ia ficando para trás.

Uma dúvida surgiu em sua mente pela primeira
vez:

"Será que se não tivesse dado ouvidos a sua mãe e se arrumado do jeito que queria, teria sido diferente? Teria aparecido alguém que a amasse e se casasse com ela?"

De repente, uma onda de raiva a acometeu. Es­tava cansada de ser a bem-comportada, a sempre dis­posta a fazer o que os outros queriam e engolir seus desejos íntimos.

O que ganhara deixando-se conduzir pela mãe daquela forma, sacrificando sua juventude para atender aos desejos da família sem nunca fazer as coisas como gostaria?

Pensativa, recostou-se na cama. A cena do sonho voltou-lhe à lembrança e as palavras daquela mulher reapareceram fortes.

"- Você está onde se põe. É a lei da vida. Se você se colocar em um lugar melhor, sua vida mudará e coisas boas começarão a acontecer. A escolha está em suas mãos!"

Ah! Se ela pudesse realmente escolher... Co­meçou a imaginar o que faria se essas palavras fossem verdadeiras.

Tirou a camisola grosseira e procurou vestir al­guma coisa mais ajustada, porém não encontrou nada que lhe agradasse.

Procurou na gaveta da cômoda o envelope onde guardava o dinheiro para suas despesas até receber o novo salário. Restava pouco. A prestação da máquina de lavar roupas levava boa parte dele.

Apesar disso, no dia seguinte, iria procurar alguma liquidação para comprar um vestido ou uma blusa nova. Olhando desanimada para as roupas sobre a cama, sentiu vontade de rasgá-las e jogá-las no lixo.


Suspirou triste. Se fizesse isso, como iria traba­lhar no dia seguinte?

Mas se ela pudesse mesmo escolher, compraria aquele vestido azul que vira na revista. Levantou-se, apanhou a revista e começou a folheá-la.

Não tinha condições de comprar nada do que havia nela. Apareceu o vestido azul e desta vez pa­receu-lhe mais bonito do que antes. 

Com um vestido como aquele, qualquer mulher ficaria bonita. Até ela.

E os complementos? Quais combinariam com ele? Sapatos, bolsa, bijuterias...

Ah! Se aquele sonho fosse verdade... Se ela pu­desse mesmo escolher! Fechou os olhos e começou a se imaginar vestindo aquele vestido, os colares, os brincos, tudo.

Uma onda de prazer a acometeu. Abriu os olhos e olhou em volta e nunca seu pequeno quarto, sua mobília, seus objetos de uso pessoal lhe pareceram tão feios.

A escolha está em suas mãos!"

Então decidiu que no dia seguinte, iria comprar alguma coisa nova só para si. Há quanto tempo não fazia isso?

Faria isso mesmo que tivesse de ficar alguns dias sem almoçar. Mas escolheria algo do seu gosto. Que lhe desse prazer.

Fazer compras era para ela uma obrigação desa­gradável. Quando recebia fazia a despesa do mês e sempre levava algum agrado para os pais.

Como o dinheiro era pouco e precisava durar até o fim do mês, apesar da boa vontade, nem sempre conseguia comprar alguma coisa que eles realmente gostavam.

Não se esquecia do doce de leite para a mãe nem do pacote de cigarros para o pai. Às vezes eles recla­mavam da qualidade dos alimentos, o arroz era novo e empapava, o feijão era duro e não engrossava, a carne era dura, certamente o boi era velho...

Jacira estava habituada com as queixas e procu­rava não responder. De que adiantaria? Eles sempre foram insatisfeitos. Talvez porque a vida não lhes houvesse dado a alegria que desejavam. Deitou-se e tentou dormir. Mas o sono custou a aparecer.

Na manhã seguinte, quando o despertador tocou, Jacira acordou assustada. Apesar do sono que sentia, correu para o chuveiro. 

Depois, ainda envolta na toalha, procurou uma roupa e não gostou de nada.

Lembrou-se do sonho. Imaginar fora fácil, porém a dura realidade de sua vida era bem outra. Resignada, apanhou qualquer um dos vestidos e vestiu. Depois foi ao espelho. Não gostou do que viu.

O que estava acontecendo com ela? Aquele ves­tido sem graça a deixava mais velha. Sobrava pano na cintura e ela segurou o vestido com ambas as mãos, ajustando-o.

Certamente ficaria melhor mais justo. Mas o te­cido era grosseiro e não tinha caimento.


Geralmente, passava uma esponja de pó nas faces, um batom claro e penteava os cabelos rapida­mente. Naquela manhã, porém, apanhou o pente e puxou os cabelos nas laterais, prendendo-os com um grampo.

Olhou-se no espelho e notou que fazendo isso, seus olhos pareciam maiores. Decidida, apanhou o en­velope com o dinheiro e colocou-o na bolsa.

Assim que desceu para o café, Geni olhou-a ad­mirada:

- O que você fez com os cabelos?

- Prendi um pouco.

-  Pois eu prefiro como você sempre usou.

Ela fingiu que não ouviu. Sentou-se, serviu-se de café com leite, apanhou o pão, passou margarina e começou a comer.

- Seu pai precisa de dinheiro para a condução. Ele vai ver um emprego na Penha.

-  A semana passada já deixei dinheiro para ele.

-  Deixou, mas acabou. Ele precisou e gastou.

- É bom ele não fazer isso porque só vou receber daqui a uma semana.

Geni suspirou e tornou com voz queixosa:

- Não sei o que eu fiz para ser castigada dessa forma. É triste envelhecer, depois de toda uma vida de­dicada ao trabalho e ter de depender dos filhos.

- Estou fazendo o que eu posso.

-  Às vezes penso que você se acomodou. A filha da d. Olga trabalhava como você em uma oficina de cos­tura, mas procurou e encontrou um emprego melhor. Hoje eles estão bem. Ela compra tudo do bom e do me­lhor para a família.

-  Ela teve mais sorte do que eu. Seria melhor que ela fosse a filha de vocês. Não eu.

Geni levantou-se irritada:

- Não se pode falar nada que você logo vem com uma resposta torta.

Jacira levantou-se, apanhou a bolsa e saiu sem dizer nada. Uma vez na sala, deixou alguns trocados para o pai e se foi.

Naquele dia, Jacira observou suas colegas de oficina e notou que algumas se vestiam com mais capricho. Eram roupas baratas, ela sabia, mas gra­ciosas, elegantes.

Na hora do almoço, elas caprichavam na ma­quiagem. Notou também que quando passavam na rua, atraíam a atenção dos homens.

Ah! Como ela gostaria de ser uma delas. De passar, sem olhar, fazendo pose e provocar comentá­rios, olhares de admiração.

Ela nunca atraíra a atenção masculina. Naquele momento pareceu-lhe ouvir a voz da mãe dizendo:

"- Uma mulher precisa ser discreta. Não pode sair por aí chamando a atenção dos homens para não ser confundida com uma prostituta".  

Suas colegas não estavam sendo confundidas com nenhuma prostituta. Ao contrário. Estavam sendo admiradas, duas já tinham namorado firme.


Pela primeira vez percebeu que sua mãe estava errada. Ela apagara sua beleza, fazendo-a passar despercebida de tal sorte que nunca ninguém de­sejou namorá-la.


Uma raiva surda brotou no seu coração, contra a forma como fora educada. Perdera sua juventude e agora talvez fosse tarde demais para mudar.


 

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