TrĂȘs meses depois, Dorival e Margarida entraram na sala de Jacira. Vendo-os entrar, ela levantou-se e abraçou-os com alegria. Eles estavam voltando do Rio de Janeiro, onde ficaram trĂȘs semanas em lua-de-mel.
Depois
dos abraços, Margarida perguntou ansiosa:
- E as
crianças?
- No
colĂ©gio. VocĂȘs nĂŁo avisaram que voltariam hoje. Fizeram boa viagem?
- Ătima.
Eu queria ficar mais alguns dias, mas Margarida estava com saudades das
crianças, pensando em vocĂȘs e no ateliĂȘ - informou Dorival.
- muitos
planos e eu estava ansiosa para voltar e começar logo. As crianças deram muito
trabalho?
- NĂŁo.
Antes de ir vocĂȘ fez tantas recomendaçÔes que eles nĂŁo quiseram desagradĂĄ-la.
Levei-os a minha casa e eles gostaram tanto que todas as noites preferiam
dormir lĂĄ, apesar de que aqui tem mais conforto.
- NĂŁo
incomodaram sua mĂŁe?
- Que
nada. A presença deles fez muito bem a eles. Meu pai até remoçou. Enquanto
Maria LĂșcia lia e conversava com Marta, meu pai brincava com Marinho. Ensinou-o
a plantar, a brincar com o Flip. Eles
gostaram tanto que querem pedir-lhes um cachorro parecido.
- Vou
subir com as malas. Depois vou sair para falar com o engenheiro - avisou
Dorival.
Ele
subiu e Jacira abraçou a amiga dizendo:
- DĂĄ
para ver que vocĂȘ estĂĄ feliz.
- Estou
mesmo. Muito mais do que esperava. Mas vocĂȘ tambĂ©m me parece mudada. EstĂĄ mais
bonita, olhos brilhantes, com mais vivacidade. Aconteceu alguma coisa?
- NĂŁo.
Mas eu senti que estava na hora de mudar. Fui cuidar de mim, mudei o cabelo, o
penteado, mas o melhor foi que decidi ser uma pessoa feliz.
- Como
assim?
- Estou
aprendendo a dirigir. Vou comprar um carro.
Margarida
admirou-se:
- VocĂȘ?
NĂŁo tem medo de sair guiando um carro por esta cidade tĂŁo movimentada?
- Eu
cansei de andar apertada no ĂŽnibus. Nossos negĂłcios estĂŁo aumentando a cada
dia. Tenho dinheiro guardado. Para que serve esse dinheiro senĂŁo para me dar
conforto e alegria?
- VocĂȘ
Ă© mais corajosa do que eu.
- Estou
tendo aulas desde que vocĂȘ viajou e estou adorando. Na prĂłxima semana vou
prestar exame, até jå escolhi o carro.
- Que
coisa boa! VocĂȘ merece tudo do bom e do melhor.
- Mereço
sim. Tenho trabalhado muito e chegou a hora de usufruir.
Dorival
voltou e Margarida lhe contou a novidade, comentando:
- Ela
Ă© uma mulher de coragem.
- VocĂȘ
tambĂ©m Ă© - disse Dorival. - NinguĂ©m consegue o que vocĂȘs conseguiram sem
ousadia e muito trabalho. Para isso Ă© preciso ter coragem. Vou sair, mas volto
logo. Estou ansioso para começar a construir nossa casa.
Ele
saiu e Jacira perguntou:
- VocĂȘs
vĂŁo mesmo construir a casa logo?
- Vamos.
Dorival concordou em morar aqui até a casa ficar pronta.
- Vou
sentir sua falta.
- Estarei
aqui todos os dias. Depois, nĂŁo vamos para muito longe.
Estamos negociando a
compra daquele terreno que fica perto daqui.
- Eu
também, quando puder, pretendo comprar uma casa.
Arlete bateu levemente, entrou e disse:
- Tem
dois homens que desejam falar com a senhora.
- Deram
o nome?
- NĂŁo.
Perguntaram se era aqui que trabalhava Jacira da Silva. Eu disse que sim, e
eles pediram que a chamasse.
- SĂŁo
fornecedores?
- NĂŁo
que eu saiba. Ă a primeira vez que os vejo. SĂŁo muito elegantes, educados.
Posso mandĂĄ-los entrar?
- NĂŁo.
à melhor eu ir até lå saber quem são.
- Eu
vou subir e começar a desfazer as malas. Margarida subiu e Jacira encaminhou-se
Ă porta
de
entrada. Eles estavam de costas, no balcão da recepção, tomando café. Jacira
aproximou-se:
- Boa
tarde. O que desejam?
Eles
se voltaram e Jacira estremeceu e exclamou admirada:
- Jair?! Ă vocĂȘ?
Ele
a olhava admirado e respondeu:
- Sou
eu! Mas vocĂȘ parece outra pessoa! O que vocĂȘ fez?
Ela
abraçou-o dizendo emocionada:
- VocĂȘ
nĂŁo sabe o quanto nĂłs o procuramos. Por que nĂŁo deu notĂcias? Onde esteve
durante todos esses anos? Como nos encontrou?
- Ă
uma longa histĂłria. Este Ă© meu sĂłcio e amigo Duarte.
- Estou
encantado em conhecĂȘ-la.
Jacira
apertou a mĂŁo que ele lhe estendia e convidou:
- Vamos
até minha sala. Lå poderemos conversar mais à vontade.
Eles
a acompanharam e depois de acomodados diante da mesa de trabalho dela, Jair, que não disfarçava a
admiração, perguntou:
- VocĂȘ
mudou muito, estĂĄ tĂŁo diferente... Quando fui embora vocĂȘ trabalhava em uma
oficina.
- Eu,
uma colega de trabalho e mais uma amiga abrimos esta confecção. Assim pude dar
mais conforto aos nossos pais.
- Estou
surpreso! Imaginei que vocĂȘ fosse ficar a vida inteira como empregada!
- Do
jeito que eu era, teria ficado mesmo. Mas mudei minha maneira de olhar a vida e
tudo mudou também.
- Quando
mudamos por dentro, acabamos mudando as coisas de fora - disse Duarte
sorrindo.
Jacira
notou que além do sorriso dele ser contagiante, seus olhos eram expressivos e brilhantes.
- Foi
isso mesmo que eu aprendi e aconteceu comigo.
- Até
parece que vocĂȘ esteve conversando com o Duarte. Ele Ă© mestre nesses assuntos.
Como vĂŁo os velhos?
- Muito
bem. Também mudaram para melhor.
- MamĂŁe
continua preguiçosa, fingindo-se de doente para manipular os outros?
Jacira
sorriu e respondeu:
- NĂŁo.
Hoje estĂĄ muito diferente. SĂł o que nĂŁo mudou foi a tristeza por vocĂȘs terem
sumido. Ela tem sofrido de verdade por nĂŁo ter notĂcias de vocĂȘ e do Neto. Na
sua Ășltima carta vocĂȘ morava em
Porto Alegre e ia prestar
vestibular. Conseguiu passar? Fez uma faculdade?
- NĂŁo. Estudei bastante, mas nĂŁo consegui. EntĂŁo
decidi tentar a vida no Rio de Janeiro.
- O Neto também morava lå. Esteve com ele?
- NĂŁo. Fui procurĂĄ-lo no hotel onde ele trabalhava,
porém ele havia deixado o emprego e ninguém sabia para onde ele havia ido.
Nunca mais nos encontramos.
- O que aconteceu depois?
- Bom, no Rio tive
dificuldade de arranjar emprego. A situação foi apertando e, pressionado pela
necessidade, acabei indo trabalhar no cais do porto como carregador.
- Logo vocĂȘ que sempre
sonhara ser rico, ter vida boa...
- Foi terrĂvel. NĂŁo me
acostumei mesmo. Até que apareceu um emprego para trabalhar na cozinha de um
navio americano que estava no porto. Aceitei na hora. Durante cinco anos
trabalhei nesse navio, aprendi a lĂngua, outros serviços, e acabei fazendo
parte da tripulação, tornando-me muito querido do comandante.
Jacira ouvia emocionada e
ele, depois de pequena pausa, prosseguiu:
- Era um navio de excursÔes.
Viajava pelo mundo. Conheci outros paĂses, outras culturas, outros povos.
- Até que me conheceu - interveio Duarte satisfeito. - Fiz uma viagem nesse navio e logo ficamos amigos.
Também sou brasileiro, cinco anos mais velho do que ele, mineiro, filho de
fazendeiros, formado em agronomia. Comecei a trabalhar no Brasil. Mais tarde
fui viajar, conhecer outros paĂses. Acabei contratado por uma empresa de tratores americana e fui morar nos Estados Unidos.
Sonhava
montar minha prĂłpria empresa. LĂĄ, trabalhei muito, formei capital, montei minha
empresa. Em uma viagem conheci Jair, ficamos amigos. Percebi logo que ele tinha
todas as qualidades para ser um bom administrador e o convidei para deixar o
navio e ir trabalhar comigo.
- No
começo como funcionĂĄrio, mas o negĂłcio foi crescendo e hĂĄ trĂȘs anos nos
tornamos sĂłcios - completou Jair.
- VocĂȘ
nĂŁo imagina o quanto mamĂŁe sofre por nĂŁo ter notĂcias suas. Ainda bem que
veio... Aconteceu uma coisa que nĂŁo tive coragem de contar a mamĂŁe...
Ela
hesitou, e ele perguntou:
- O
que foi?
Jacira pensou durante alguns segundos, depois
decidiu:
- Vou contar-lhe. Preciso
dividir esse assunto com vocĂȘ. Temo que Neto nĂŁo esteja mais neste mundo...
Jair trocou
um olhar com Duarte e levantou-se assustado:
- Por
que estĂĄ pensando isso? O que lhe fez suspeitar que ele tivesse morrido?
- Sente-se.
Seja como for, vou contar-lhe.
Jacira falou-lhe sobre Maria LĂșcia, e a comunicação
que Neto tinha dado através dela. Quando terminou, notou que Jair estava pålido. Olhou para
Duarte dizendo:
- EntĂŁo
ele morreu mesmo! Eu nĂŁo quis acreditar!
- Eu
nunca duvidei! Tenho certeza de que todos continuamos vivos depois da morte.
Jacira
olhava-os surpreendida e indagou:
- VocĂȘ
sabia?
- Faz
algum tempo que venho sonhando com ele. Tal qual vocĂȘ contou. Ele diz que errou
muito, estĂĄ sofrendo, arrependido. Pedia que eu o ajudasse.
- NĂŁo
foi um sonho comum. VocĂȘ esteve com o espĂrito dele! Eu sei como Ă© porque tem
acontecido comigo. Quando durmo, costumo encontrar-me com Marina, um espĂrito
iluminado que tem me ajudado muito.
- Tem
razĂŁo. Esses encontros astrais deixam uma emoção forte e difĂcil de ser
esquecida - interveio Duarte.
-
Quando tinha esses sonhos
ficava vĂĄrios dias sĂł me lembrando deles. Como tenho estado preocupado com a
falta de notĂcias do Neto, pensei que estivesse fantasiando. Acordava
angustiado, acreditando que tivesse tido um pesadelo.
- Mas nĂŁo foi. Enquanto eu
tentava ajudĂĄ-lo, os espĂritos foram mais eficientes. Prepararam essa prova
para que vocĂȘ se convencesse. Depois do que aconteceu aqui, nĂŁo tem mais como
duvidar.
- Ă. Estou arrepiado. NĂŁo
poderia ter sido apenas coincidĂȘncia?
Duarte sorriu e respondeu:
- Ă melhor aceitar a realidade.
VocĂȘ tem mediu-nidade. Sua sensibilidade se abriu e enquanto nĂŁo estudar o
assunto, aprender a lidar com ela, estarĂĄ sujeito a ser envolvido pelos
espĂritos.
- Mas eu nĂŁo quero saber de
nada disso. NĂŁo vou estudar nada.
- Se tiver chegado a hora de
vocĂȘ conhecer o mundo invisĂvel, nĂŁo terĂĄ como escapar. As provas vĂŁo se
multiplicar ao seu redor e quanto mais resistir, mais fortes e convincentes
elas vĂŁo se tornar.
- Isso é uma imposição.
- NĂŁo. Ă apenas o momento de amadurecer. Dar um
passo Ă frente.
Jair ficou calado, pensativo. Jacira observava surpreendida.
Duarte falava com voz calma, mas havia muita convicção em sua voz. Ela não se
conteve:
- Penso como vocĂȘ. NĂŁo sei por que as pessoas
resistem a aceitar a presença dos espĂritos. NĂŁo sei se Ă© medo de assumir as
mudanças que essa crença provoca ou para não se dar ao trabalho de pensar e ter
de reconhecer seus pontos fracos.
Jair fixou-a
sério e
comentou:
- VocĂȘ mudou mesmo. Voltou a estudar?
- Conheci um professor que abriu meus olhos para a
vida. Ensinou-me que neste mundo ninguĂ©m Ă© vĂtima. Naquele tempo eu culpava os outros pelas
dificuldades que enfrentava, sem perceber que estava apenas colhendo os
resultados de minhas atitudes. Tanto ele como o espĂrito de Marina me fizeram
acreditar que havia um grande potencial dentro de mim para
ser desenvolvido. Então, fui à luta e as coisas começaram a acontecer.
Duarte
sorriu satisfeito e tornou:
- As
pessoas tĂȘm receio de mudar. Na vida nada Ă© estĂĄtico. Quando o homem quer ficar
parado, ela promove a mudança. Quando ele aceita, tudo bem. Caso contrårio,
conforme a intensidade de sua resistĂȘncia, a vida o pressiona, apertando o
cerco até ele ceder.
Jacira
interveio:
- Precisamos
dar a boa notĂcia a mamĂŁe, com cuidado. Vou para casa antes preparĂĄ-la.
- Iremos
juntos. VocĂȘ entrarĂĄ sozinha e fala que vamos chegar.
- EstĂĄ bem. Estou ansiosa para
que ela o encontre. Antes quero apresentar-lhe as minhas sĂłcias. Vamos em
seguida.
Ela ligou para Arlete que logo apareceu:
- Peça
para Ester e Margarida virem até aqui. Ester chegou primeiro. Assim que Jacira
acabou
de apresentĂĄ-la, Margarida entrou.
- Esta
é Margarida, que além de sócia é minha melhor amiga. Meu irmão Jair e seu sócio Duarte.
Margarida nĂŁo se conteve:
- VocĂȘ
Ă© o famoso Jair? Finalmente
apareceu. Sabe que nĂłs quebramos a cabeça tentando descobrir onde vocĂȘ estava?
Merece um abraço!
- Pensei
que ninguém mais se lembrasse de mim -respondeu Jair sorrindo enquanto a abraçava
satisfeito.
- Por onde vocĂȘ andava? Foi Jacira quem respondeu:
- Enquanto nĂłs suĂĄvamos a
camisa o procurando, ele estava trabalhando em outro paĂs.
- Como
Ă© que nĂłs nĂŁo pensamos nisso?
A
risada gostosa de Margarida deixou o ambiente alegre e descontraĂdo. Ela
prosseguiu:
- Agora
Geni nĂŁo
vai ter mais o Ășnico argumento que ainda sustentava para ser infeliz. O que
serĂĄ dela sem ele?
Todos riram gostosamente.
Depois, Jacira disse:
- Nós iremos agora até em
casa dar a notĂcia. Em minha agenda nĂŁo tenho mais nenhum compromisso para
hoje. Mas se alguém vier me procurar, por favor, Ester, atenda.
- Deixe comigo.
- JĂĄ vi que nĂŁo estou
fazendo falta - brincou Margarida fazendo
bico. - VocĂȘ agora sĂł pede coisas
para Ester.
- VocĂȘ acabou de chegar de
viagem. EstĂĄ em lua-de-mel. Mas nĂŁo perde por esperar.
JĂĄ que voltou com tanta vontade de trabalhar, tenho uma lista imensa de
encomendas de clientes para entregar-lhe.
AmanhĂŁ
conversaremos.
Voltando-se para os dois,
Jacira continuou:
- Vamos embora.
Depois das despedidas,
eles saĂram. Ester havia deixado seu carro com o motorista para levĂĄ-los. Durante
o trajeto, Jacira, ansiosa, pensava
como dar a notĂcia aos pais.
Ao descerem diante da
casa, Jair gostou do que viu. Diante da porta da entrada Jacira disse:
- Vou entrar. Esperem aqui.
Jacira foi direto
Ă
cozinha, onde a mĂŁe preparava o jantar. Vendo-a
chegar
Geni comentou:
- Veio cedo!
- Papai estĂĄ em casa?
- Não. Foi visitar Euzébio.
Quando vai lĂĄ nunca volta cedo.
- MĂŁe, vamos nos sentar na
sala. Tenho uma boa notĂcia para lhe dar.
Depois de acomodadas, uma
ao lado da outra no sofĂĄ, Jacira disse:
- Finalmente tive notĂcias
do Jair.
- Verdade? Ele estĂĄ bem?
- EstĂĄ muito bem.
- Por que demorou tanto para aparecer? Onde ele tem
andado esse tempo todo?
- Calma, mĂŁe. Ele andou trabalhando em um navio de
turismo, viajava muito. Mas agora estĂĄ voltando.
- Como soube?
- Ele nos procurou. Descobriu
nosso endereço novo.
- Onde estĂĄ ele? Quero
vĂȘ-lo. NĂŁo o deixe sumir novamente.
- Ele nĂŁo vai sumir.
Apareceu no ateliĂȘ hoje Ă tarde.
- E vocĂȘ nĂŁo o trouxe aqui?
Geni levantou-se, agarrou as mĂŁos de Jacira:
- Leve-me
onde ele estĂĄ. Pelo amor de
Deus!
- Procure se acalmar. Ele
veio comigo, estĂĄ esperando na porta.
- Veio? EstĂĄ aqui, por que
nĂŁo entrou?
Geni nunca demonstrara
seus sentimentos, estava sempre apĂĄtica, indiferente.
Aos poucos, foi se acalmando. Jacira pediu:
- Vamos entrar.
Geni continuava abraçada ao filho, distanciava-se um pouco, olhava-o
embevecida
e voltava a abraçå-lo. De fato, Jair ganhara corpo, estava bonito, bem cuidado,
elegante.
Duarte entrara e os observava satisfeito. Jacira
insistiu:
- Venha, mĂŁe, vamos entrar e conversar.
SĂł entĂŁo Geni notou a
presença de Duarte. Depois de apresentå-lo, Jacira acomodou-os na sala.
Geni sentou-se ao lado do filho crivando-o de perguntas sem dar-lhe tempo para responder:
- Como pode fazer isso comigo? NĂŁo sabe como fiquei angustiada sem saber onde
estava! Veio para ficar, nĂŁo Ă© mesmo? Chega de andar pelo mundo. VocĂȘ passou no
vestibular? JĂĄ se formou?
Jair, sem saber por onde
começar, olhou para Jacira, que segurou o braço de Geni, chamando sua atenção:
-MĂŁe,
vocĂȘ nĂŁo estĂĄ dando tempo para ele responder. Calma... Ele vai contar-nos
tudo.
Vendo
que ela nĂŁo conseguia controlar a ansiedade, foi buscar um copo de ĂĄgua:
- Beba,
mĂŁe. Se vocĂȘ nĂŁo se acalmar, ele nĂŁo vai poder dizer nada.
Ela
tomou alguns goles, depois tornou:
- Vou
ficar calada, pode falar.
Jair relatou como fora sua vida desde que saĂra de casa e
finalizou:
- Bem,
no inĂcio escrevi duas cartas, mas nĂŁo recebi resposta.
EntĂŁo, pensei que nĂŁo
tinham interesse em saber de mim e nĂŁo escrevi mais.
Geni olhou-o
triste:
- Eu
nunca deixei de sentir sua ausĂȘncia e do Neto. Sofri muito pensando que vocĂȘs
nĂŁo me amavam como eu os amava.
Ele
ia responder, mas ela não lhe deu tempo. Meneou a cabeça dizendo:
- Eu
sei que vocĂȘ vai dizer que eu nunca demonstrei o quanto lhes queria bem. Ă
verdade, naquele tempo eu pensava que uma boa mĂŁe precisava ser durona,
impor-se para ser respeitada. Eu fui a culpada por vocĂȘs irem embora. Pode
dizer. Eu assumo minha culpa.
- VocĂȘ
nĂŁo teve culpa. Na Ă©poca fez o melhor que sabia. Eu Ă© que nĂŁo me conformava em
viver naquela pobreza. Papai desempregado, Jacira se esforçando para nos
ajudar. SaĂmos de casa para procurar uma vida melhor. Aqui tudo estava difĂcil.
Eu sempre acreditei que tinha condiçÔes de melhorar de vida. Sabia que teria de
estudar, esforçar-me. Foi o que fiz. Hoje posso dizer que progredi, estou bem,
mas ainda quero melhorar.
- Para
tentar melhorar de vida vocĂȘs nĂŁo precisavam sair de casa. Jacira conseguiu e
vocĂȘs tambĂ©m conseguiriam.
- Pode
ser. Mas o ambiente de casa nĂŁo era dos melhores. VocĂȘ reclamando, papai
desanimado, Jacira sem alegria nem motivação.
Chegou um momento em que eu nĂŁo
suportei mais. Sentia-me sufocado, sem rumo, precisava respirar.
- E
vocĂȘ ainda diz que eu nĂŁo tenho culpa! Se eu tivesse sido diferente, mais
compreensiva, me posicionado melhor, vocĂȘs nĂŁo teriam saĂdo daqui.
- MĂŁe,
nĂłs agimos de acordo com o que pensĂĄvamos naquela Ă©poca. Hoje estamos mais
esclarecidos, mais maduros, aprendemos com nossas experiĂȘncias. Vamos esquecer
o que passou. Nossa vida melhorou e podemos ser mais felizes daqui para a
frente.
Geni pensou um pouco, depois disse sorrindo:
- EstĂĄ
certo. O passado acabou. Vamos pensar no futuro.
- Isso
mesmo.
Maria
LĂșcia apareceu na sala e Jacira pediu:
- Maria
LĂșcia, venha conhecer Jair e
Duarte. Depois das apresentaçÔes, Maria LĂșcia disse:
- Eu
vim avisar que o jantar estĂĄ pronto. Geni levantou-se:
- Meu
Deus! Esqueci completamente do jantar. VocĂȘs devem estar famintos.
- NĂŁo
se preocupe, d. Geni. Eu
cuidei de tudo como a senhora gosta.
- Nesse
caso, vamos comer. Estou morrendo de fome - tornou Jacira, levantando-se e
convidando-os para a sala de jantar onde Maria LĂșcia jĂĄ havia arrumado a mesa
com capricho e bom gosto.
Foi
com prazer que se sentaram, sentindo o cheiro gostoso da comida, notando o
carinho com que Maria LĂșcia havia disposto as travessas.
A
conversa fluiu alegre, principalmente depois que Jair avisou que tinha voltado ao
Brasil para ficar.
Nenhum comentĂĄrio:
Postar um comentĂĄrio