quinta-feira, 31 de agosto de 2017

CapĂ­tulo 22 

TrĂȘs meses depois, Dorival e Margarida entraram na sala de Jacira. Vendo-os entrar, ela levantou-se e abraçou-os com alegria. Eles estavam voltando do Rio de Janeiro, onde ficaram trĂȘs semanas em lua-de-mel.


Depois dos abraços, Margarida perguntou ansiosa:


-  E as crianças?


-  No colĂ©gio. VocĂȘs nĂŁo avisaram que voltariam hoje. Fizeram boa viagem?


-  Ótima. Eu queria ficar mais alguns dias, mas Margarida estava com saudades das crianças, pen­sando em vocĂȘs e no ateliĂȘ - informou Dorival.

A viagem foi maravilhosa! Eu nĂŁo conhecia o Rio e fiquei maravilhada. Mas meu coração estava aqui, com vocĂȘs. Durante a viagem, fizemos

-  muitos planos e eu estava ansiosa para voltar e começar logo. As crianças deram muito trabalho?

-  NĂŁo. Antes de ir vocĂȘ fez tantas recomendaçÔes que eles nĂŁo quiseram desagradĂĄ-la. Levei-os a minha casa e eles gostaram tanto que todas as noites prefe­riam dormir lĂĄ, apesar de que aqui tem mais conforto.

- NĂŁo incomodaram sua mĂŁe?

-   Que nada. A presença deles fez muito bem a eles. Meu pai atĂ© remoçou. Enquanto Maria LĂșcia lia e conversava com Marta, meu pai brincava com Marinho. Ensinou-o a plantar, a brincar com o Flip. Eles gostaram tanto que querem pedir-lhes um cachorro parecido.

-   Vou subir com as malas. Depois vou sair para falar com o engenheiro - avisou Dorival.

Ele subiu e Jacira abraçou a amiga dizendo:
-   DĂĄ para ver que vocĂȘ estĂĄ feliz.

-   Estou mesmo. Muito mais do que esperava. Mas vocĂȘ tambĂ©m me parece mudada. EstĂĄ mais bonita, olhos brilhantes, com mais vivacidade. Aconteceu al­guma coisa?

-   NĂŁo. Mas eu senti que estava na hora de mudar. Fui cuidar de mim, mudei o cabelo, o penteado, mas o melhor foi que decidi ser uma pessoa feliz.

-   Como assim?

-   Estou aprendendo a dirigir. Vou comprar um carro.
Margarida admirou-se:

-   VocĂȘ? NĂŁo tem medo de sair guiando um carro por esta cidade tĂŁo movimentada?

-   Eu cansei de andar apertada no ĂŽnibus. Nossos negĂłcios estĂŁo aumentando a cada dia. Tenho dinheiro guardado. Para que serve esse dinheiro senĂŁo para me dar conforto e alegria?

-   VocĂȘ Ă© mais corajosa do que eu.

-   Estou tendo aulas desde que vocĂȘ viajou e estou adorando. Na prĂłxima semana vou prestar exame, atĂ© jĂĄ escolhi o carro.

-   Que coisa boa! VocĂȘ merece tudo do bom e do melhor.

-   Mereço sim. Tenho trabalhado muito e chegou a hora de usufruir.

Dorival voltou e Margarida lhe contou a novidade, comentando:

- Ela Ă© uma mulher de coragem.

- VocĂȘ tambĂ©m Ă© - disse Dorival. - NinguĂ©m con­segue o que vocĂȘs conseguiram sem ousadia e muito trabalho. Para isso Ă© preciso ter coragem. Vou sair, mas volto logo. Estou ansioso para começar a cons­truir nossa casa.

Ele saiu e Jacira perguntou:

-  VocĂȘs vĂŁo mesmo construir a casa logo?

-  Vamos. Dorival concordou em morar aqui atĂ© a casa ficar pronta.

-  Vou sentir sua falta. 
 


-  Estarei aqui todos os dias. Depois, nĂŁo vamos para muito longe.
 Estamos negociando a compra da­quele terreno que fica perto daqui.


-  Eu tambĂ©m, quando puder, pretendo comprar uma casa.

Arlete bateu levemente, entrou e disse:

-  Tem dois homens que desejam falar com a senhora.
-  Deram o nome?

- NĂŁo. Perguntaram se era aqui que trabalhava Jacira da Silva. Eu disse que sim, e eles pediram que a chamasse.

- SĂŁo fornecedores?

- Não que eu saiba. É a primeira vez que os vejo. São muito elegantes, educados. Posso mandá-los entrar?

- NĂŁo. É melhor eu ir atĂ© lĂĄ saber quem sĂŁo.

- Eu vou subir e começar a desfazer as malas. Margarida subiu e Jacira encaminhou-se à porta
de entrada. Eles estavam de costas, no balcão da recepção, tomando café. Jacira aproximou-se:

- Boa tarde. O que desejam?

Eles se voltaram e Jacira estremeceu e exclamou admirada:
- Jair?! É vocĂȘ?

Ele a olhava admirado e respondeu:

- Sou eu! Mas vocĂȘ parece outra pessoa! O que vocĂȘ fez?

Ela abraçou-o dizendo emocionada:

- VocĂȘ nĂŁo sabe o quanto nĂłs o procuramos. Por que nĂŁo deu notĂ­cias? Onde esteve durante todos esses anos? Como nos encontrou?

-  É uma longa histĂłria. Este Ă© meu sĂłcio e amigo Duarte.

-  Estou encantado em conhecĂȘ-la.

Jacira apertou a mĂŁo que ele lhe estendia e convidou:

- Vamos até minha sala. Lå poderemos conversar mais à vontade.

Eles a acompanharam e depois de acomodados diante da mesa de trabalho dela, Jair, que nĂŁo disfar­Ă§ava a admiração, perguntou:

-  VocĂȘ mudou muito, estĂĄ tĂŁo diferente... Quando fui embora vocĂȘ trabalhava em uma oficina.

-  Eu, uma colega de trabalho e mais uma amiga abrimos esta confecção. Assim pude dar mais conforto aos nossos pais.

-  Estou surpreso! Imaginei que vocĂȘ fosse ficar a vida inteira como empregada!

-  Do jeito que eu era, teria ficado mesmo. Mas mudei minha maneira de olhar a vida e tudo mudou tambĂ©m.

-  Quando mudamos por dentro, acabamos mu­dando as coisas de fora - disse Duarte sorrindo.

Jacira notou que alĂ©m do sorriso dele ser conta­giante, seus olhos eram expressivos e brilhantes.

-   Foi isso mesmo que eu aprendi e aconteceu comigo. 


-   AtĂ© parece que vocĂȘ esteve conversando com o Duarte. Ele Ă© mestre nesses assuntos. Como vĂŁo os velhos?


- Muito bem. Também mudaram para melhor.

- Mamãe continua preguiçosa, fingindo-se de doente para manipular os outros?

Jacira sorriu e respondeu:

- NĂŁo. Hoje estĂĄ muito diferente. SĂł o que nĂŁo mudou foi a tristeza por vocĂȘs terem sumido. Ela tem sofrido de verdade por nĂŁo ter notĂ­cias de vocĂȘ e do Neto. Na sua Ășltima carta vocĂȘ morava em Porto Alegre e ia prestar vestibular. Conseguiu passar? Fez uma faculdade?

- NĂŁo. Estudei bastante, mas nĂŁo consegui. EntĂŁo decidi tentar a vida no Rio de Janeiro.

- O Neto também morava lå. Esteve com ele?

- Não. Fui procurå-lo no hotel onde ele trabalhava, porém ele havia deixado o emprego e ninguém sabia para onde ele havia ido. Nunca mais nos encontramos.

- O que aconteceu depois?

-  Bom, no Rio tive dificuldade de arranjar em­prego. A situação foi apertando e, pressionado pela necessidade, acabei indo trabalhar no cais do porto como carregador.

-  Logo vocĂȘ que sempre sonhara ser rico, ter vida boa...

-  Foi terrĂ­vel. NĂŁo me acostumei mesmo. AtĂ© que apareceu um emprego para trabalhar na cozinha de um navio americano que estava no porto. Aceitei na hora. Durante cinco anos trabalhei nesse navio, aprendi a lĂ­ngua, outros serviços, e acabei fazendo parte da tri­pulação, tornando-me muito querido do comandante.
Jacira ouvia emocionada e ele, depois de pequena pausa, prosseguiu:

-  Era um navio de excursĂ”es. Viajava pelo mundo. Conheci outros paĂ­ses, outras culturas, outros povos.

-  AtĂ© que me conheceu - interveio Duarte satis­feito. - Fiz uma viagem nesse navio e logo ficamos amigos. TambĂ©m sou brasileiro, cinco anos mais velho do que ele, mineiro, filho de fazendeiros, formado em agronomia. Comecei a trabalhar no Brasil. Mais tarde fui viajar, conhecer outros paĂ­ses. Acabei contratado por uma empresa de tratores americana e fui morar nos Estados Unidos.

Sonhava montar minha prĂłpria empresa. LĂĄ, trabalhei muito, formei capital, montei minha empresa. Em uma viagem conheci Jair, ficamos amigos. Percebi logo que ele tinha todas as qualidades para ser um bom administrador e o convidei para deixar o navio e ir trabalhar comigo.

- No começo como funcionĂĄrio, mas o negĂłcio foi crescendo e hĂĄ trĂȘs anos nos tornamos sĂłcios - com­pletou Jair.

-  VocĂȘ nĂŁo imagina o quanto mamĂŁe sofre por nĂŁo ter notĂ­cias suas. Ainda bem que veio... Aconteceu uma coisa que nĂŁo tive coragem de contar a mamĂŁe...

Ela hesitou, e ele perguntou: 


- O que foi?


Jacira pensou durante alguns segundos, depois decidiu:

- Vou contar-lhe. Preciso dividir esse assunto com vocĂȘ. Temo que Neto nĂŁo esteja mais neste mundo...

Jair trocou um olhar com Duarte e levantou-se assustado:
-  Por que estĂĄ pensando isso? O que lhe fez sus­peitar que ele tivesse morrido?

-  Sente-se. Seja como for, vou contar-lhe.

Jacira falou-lhe sobre Maria LĂșcia, e a comu­nicação que Neto tinha dado atravĂ©s dela. Quando terminou, notou que Jair estava pĂĄlido. Olhou para Duarte dizendo:

-  EntĂŁo ele morreu mesmo! Eu nĂŁo quis acreditar!

-  Eu nunca duvidei! Tenho certeza de que todos continuamos vivos depois da morte.

Jacira olhava-os surpreendida e indagou:

-  VocĂȘ sabia?

-  Faz algum tempo que venho sonhando com ele. Tal qual vocĂȘ contou. Ele diz que errou muito, estĂĄ so­frendo, arrependido. Pedia que eu o ajudasse.

-  NĂŁo foi um sonho comum. VocĂȘ esteve com o es­pĂ­rito dele! Eu sei como Ă© porque tem acontecido comigo. Quando durmo, costumo encontrar-me com Marina, um espĂ­rito iluminado que tem me ajudado muito.

-  Tem razĂŁo. Esses encontros astrais deixam uma emoção forte e difĂ­cil de ser esquecida - interveio Duarte.

-  Quando tinha esses sonhos ficava vĂĄrios dias sĂł me lembrando deles. Como tenho estado preocupado com a falta de notĂ­cias do Neto, pensei que estivesse fantasiando. Acordava angustiado, acreditando que ti­vesse tido um pesadelo.

-   Mas nĂŁo foi. Enquanto eu tentava ajudĂĄ-lo, os espĂ­ritos foram mais eficientes. Prepararam essa prova para que vocĂȘ se convencesse. Depois do que acon­teceu aqui, nĂŁo tem mais como duvidar.

-   É. Estou arrepiado. NĂŁo poderia ter sido apenas coincidĂȘncia?
Duarte sorriu e respondeu:

-   É melhor aceitar a realidade. VocĂȘ tem mediu-nidade. Sua sensibilidade se abriu e enquanto nĂŁo es­tudar o assunto, aprender a lidar com ela, estarĂĄ su­jeito a ser envolvido pelos espĂ­ritos.

-   Mas eu nĂŁo quero saber de nada disso. NĂŁo vou estudar nada.

-   Se tiver chegado a hora de vocĂȘ conhecer o mundo invisĂ­vel, nĂŁo terĂĄ como escapar. As provas vĂŁo se multiplicar ao seu redor e quanto mais resistir, mais fortes e convincentes elas vĂŁo se tornar.

- Isso é uma imposição.

- Não. É apenas o momento de amadurecer. Dar um passo à frente.
Jair ficou calado, pensativo. Jacira observava sur­preendida. Duarte falava com voz calma, mas havia muita convicção em sua voz. Ela nĂŁo se conteve: 


- Penso como vocĂȘ. NĂŁo sei por que as pessoas resistem a aceitar a presença dos espĂ­ritos. NĂŁo sei se Ă© medo de assumir as mudanças que essa crença provoca ou para nĂŁo se dar ao trabalho de pensar e ter de reconhecer seus pontos fracos.


Jair fixou-a sério e comentou:

- VocĂȘ mudou mesmo. Voltou a estudar?

- Conheci um professor que abriu meus olhos para a vida. Ensinou-me que neste mundo ninguĂ©m Ă© vĂ­tima. Naquele tempo eu culpava os outros pelas di­ficuldades que enfrentava, sem perceber que estava apenas colhendo os resultados de minhas atitudes. Tanto ele como o espĂ­rito de Marina me fizeram acre­ditar que havia um grande potencial dentro de mim para ser desenvolvido. EntĂŁo, fui Ă  luta e as coisas começaram a acontecer.
Duarte sorriu satisfeito e tornou:

- As pessoas tĂȘm receio de mudar. Na vida nada Ă© estĂĄtico. Quando o homem quer ficar parado, ela pro­move a mudança. Quando ele aceita, tudo bem. Caso contrĂĄrio, conforme a intensidade de sua resistĂȘncia, a vida o pressiona, apertando o cerco atĂ© ele ceder.
Jacira interveio:

-  Precisamos dar a boa notĂ­cia a mamĂŁe, com cuidado. Vou para casa antes preparĂĄ-la.

-  Iremos juntos. VocĂȘ entrarĂĄ sozinha e fala que vamos chegar.

- EstĂĄ bem. Estou ansiosa para que ela o en­contre. Antes quero apresentar-lhe as minhas sĂłcias. Vamos em seguida.

Ela ligou para Arlete que logo apareceu:

- Peça para Ester e Margarida virem até aqui. Ester chegou primeiro. Assim que Jacira acabou
de apresentĂĄ-la, Margarida entrou.

- Esta é Margarida, que além de sócia é minha melhor amiga. Meu irmão Jair e seu sócio Duarte.

Margarida nĂŁo se conteve:

-   VocĂȘ Ă© o famoso Jair? Finalmente apareceu. Sabe que nĂłs quebramos a cabeça tentando descobrir onde vocĂȘ estava? Merece um abraço!

-   Pensei que ninguĂ©m mais se lembrasse de mim -respondeu Jair sorrindo enquanto a abraçava satisfeito.

- Por onde vocĂȘ andava? Foi Jacira quem respondeu:

- Enquanto nĂłs suĂĄvamos a camisa o procurando, ele estava trabalhando em outro paĂ­s.

- Como Ă© que nĂłs nĂŁo pensamos nisso?

A risada gostosa de Margarida deixou o ambiente alegre e descontraĂ­do. Ela prosseguiu:

- Agora Geni nĂŁo vai ter mais o Ășnico argumento que ainda sustentava para ser infeliz. O que serĂĄ dela sem ele?

Todos riram gostosamente. Depois, Jacira disse: 


-  NĂłs iremos agora atĂ© em casa dar a notĂ­cia. Em minha agenda nĂŁo tenho mais nenhum compromisso para hoje. Mas se alguĂ©m vier me procurar, por favor, Ester, atenda.


-  Deixe comigo.

-  JĂĄ vi que nĂŁo estou fazendo falta - brincou Margarida fazendo bico. - VocĂȘ agora sĂł pede coisas para Ester.

-  VocĂȘ acabou de chegar de viagem. EstĂĄ em lua-de-mel. Mas nĂŁo perde por esperar. JĂĄ que voltou com tanta vontade de trabalhar, tenho uma lista imensa de encomendas de clientes para entregar-lhe. AmanhĂŁ conversaremos.

Voltando-se para os dois, Jacira continuou:

- Vamos embora.

Depois das despedidas, eles saĂ­ram. Ester havia deixado seu carro com o motorista para levĂĄ-los. Du­rante o trajeto, Jacira, ansiosa, pensava como dar a notĂ­cia aos pais.

Ao descerem diante da casa, Jair gostou do que viu. Diante da porta da entrada Jacira disse:

- Vou entrar. Esperem aqui.

Jacira foi direto Ă  cozinha, onde a mĂŁe preparava o jantar. Vendo-a chegar Geni comentou:

-  Veio cedo!

-  Papai estĂĄ em casa?

- Não. Foi visitar Euzébio. Quando vai lå nunca volta cedo.

-   MĂŁe, vamos nos sentar na sala. Tenho uma boa notĂ­cia para lhe dar.

Depois de acomodadas, uma ao lado da outra no sofĂĄ, Jacira disse:

-   Finalmente tive notĂ­cias do Jair.

-   Verdade? Ele estĂĄ bem?

-   EstĂĄ muito bem.

- Por que demorou tanto para aparecer? Onde ele tem andado esse tempo todo?

- Calma, mĂŁe. Ele andou trabalhando em um navio de turismo, viajava muito. Mas agora estĂĄ voltando.
-  Como soube?

-  Ele nos procurou. Descobriu nosso endereço novo.

-  Onde estĂĄ ele? Quero vĂȘ-lo. NĂŁo o deixe sumir novamente.

-  Ele nĂŁo vai sumir. Apareceu no ateliĂȘ hoje Ă  tarde.

-  E vocĂȘ nĂŁo o trouxe aqui?

Geni levantou-se, agarrou as mĂŁos de Jacira:

-  Leve-me onde ele estĂĄ. Pelo amor de Deus!

-  Procure se acalmar. Ele veio comigo, estĂĄ espe­rando na porta.

-  Veio? EstĂĄ aqui, por que nĂŁo entrou?

Sem esperar pela resposta, Geni correu para a porta, abriu-a e vendo o filho abraçou-o soluçando. Muito comovido, Jair apertou-a de encontro ao peito, sem saber o que dizer. NĂŁo esperava ser recebido daquela forma. 


Geni nunca demonstrara seus senti­mentos, estava sempre apĂĄtica, indiferente.


Aos poucos, foi se acalmando. Jacira pediu:

- Vamos entrar.

Geni continuava abraçada ao filho, distanciava-se um pouco, olhava-o embevecida e voltava a abraçå-lo. De fato, Jair ganhara corpo, estava bonito, bem cui­dado, elegante.

Duarte entrara e os observava satisfeito. Jacira insistiu:

- Venha, mĂŁe, vamos entrar e conversar.

SĂł entĂŁo Geni notou a presença de Duarte. De­pois de apresentĂĄ-lo, Jacira acomodou-os na sala.

Geni sentou-se ao lado do filho crivando-o de per­guntas sem dar-lhe tempo para responder:

- Como pode fazer isso comigo? NĂŁo sabe como fiquei angustiada sem saber onde estava! Veio para ficar, nĂŁo Ă© mesmo? Chega de andar pelo mundo. VocĂȘ passou no vestibular? JĂĄ se formou?

Jair, sem saber por onde começar, olhou para Jacira, que segurou o braço de Geni, chamando sua atenção:

-MĂŁe, vocĂȘ nĂŁo estĂĄ dando tempo para ele res­ponder. Calma... Ele vai contar-nos tudo.

Vendo que ela nĂŁo conseguia controlar a ansie­dade, foi buscar um copo de ĂĄgua:

- Beba, mĂŁe. Se vocĂȘ nĂŁo se acalmar, ele nĂŁo vai poder dizer nada.
Ela tomou alguns goles, depois tornou:

- Vou ficar calada, pode falar.

Jair relatou como fora sua vida desde que saĂ­ra de casa e finalizou:

- Bem, no inĂ­cio escrevi duas cartas, mas nĂŁo re­cebi resposta. 

EntĂŁo, pensei que nĂŁo tinham interesse em saber de mim e nĂŁo escrevi mais.

Geni olhou-o triste:

- Eu nunca deixei de sentir sua ausĂȘncia e do Neto. Sofri muito pensando que vocĂȘs nĂŁo me amavam como eu os amava.

Ele ia responder, mas ela nĂŁo lhe deu tempo. Me­neou a cabeça dizendo:

-   Eu sei que vocĂȘ vai dizer que eu nunca demonstrei o quanto lhes queria bem. É verdade, naquele tempo eu pensava que uma boa mĂŁe precisava ser durona, impor-se para ser respeitada. Eu fui a culpada por vocĂȘs irem embora. Pode dizer. Eu assumo minha culpa.

-   VocĂȘ nĂŁo teve culpa. Na Ă©poca fez o melhor que sabia. Eu Ă© que nĂŁo me conformava em viver naquela pobreza. Papai desempregado, Jacira se esforçando para nos ajudar. SaĂ­mos de casa para procurar uma vida melhor. Aqui tudo estava difĂ­cil. Eu sempre acreditei que tinha condiçÔes de melhorar de vida. Sabia que teria de estudar, esforçar-me. Foi o que fiz. Hoje posso dizer que progredi, estou bem, mas ainda quero melhorar.

- Para tentar melhorar de vida vocĂȘs nĂŁo preci­savam sair de casa. Jacira conseguiu e vocĂȘs tambĂ©m conseguiriam.  


-   Pode ser. Mas o ambiente de casa nĂŁo era dos melhores. VocĂȘ reclamando, papai desanimado, Jacira sem alegria nem motivação. 

Chegou um momento em que eu nĂŁo suportei mais. Sentia-me sufocado, sem rumo, precisava respirar.


-   E vocĂȘ ainda diz que eu nĂŁo tenho culpa! Se eu tivesse sido diferente, mais compreensiva, me posi­cionado melhor, vocĂȘs nĂŁo teriam saĂ­do daqui.


-   MĂŁe, nĂłs agimos de acordo com o que pensĂĄ­vamos naquela Ă©poca. Hoje estamos mais esclarecidos, mais maduros, aprendemos com nossas experiĂȘncias. Vamos esquecer o que passou. Nossa vida melhorou e podemos ser mais felizes daqui para a frente.


Geni pensou um pouco, depois disse sorrindo:


-   EstĂĄ certo. O passado acabou. Vamos pensar no futuro.


-   Isso mesmo.


Maria LĂșcia apareceu na sala e Jacira pediu:


-   Maria LĂșcia, venha conhecer Jair e Duarte. Depois das apresentaçÔes, Maria LĂșcia disse:


-   Eu vim avisar que o jantar estĂĄ pronto. Geni levantou-se:


- Meu Deus! Esqueci completamente do jantar. VocĂȘs devem estar famintos.


-   NĂŁo se preocupe, d. Geni. Eu cuidei de tudo como a senhora gosta.


-   Nesse caso, vamos comer. Estou morrendo de fome - tornou Jacira, levantando-se e convidando-os para a sala de jantar onde Maria LĂșcia jĂĄ havia arru­mado a mesa com capricho e bom gosto.


Foi com prazer que se sentaram, sentindo o cheiro gostoso da comida, notando o carinho com que Maria LĂșcia havia disposto as travessas.


A conversa fluiu alegre, principalmente depois que Jair avisou que tinha voltado ao Brasil para ficar.

Nenhum comentĂĄrio:

Postar um comentĂĄrio