Passava das dez quando Aristides chegou em casa carregando uma bandeja de salgadinhos que Eu-zébio mandara para Geni. Ele sabia que ela reclamava quando ele se demorava no bar e desejava agradá-la, uma vez que gostava muito de receber o amigo e recordar o tempo em que tinham trabalhado juntos.
Logo que entrou estranhou as luzes acesas e o ruÃdo de
conversa animada que acontecia na sala. Curioso, foi até lá.
Vendo-o parado na porta, Geni, sentada ao lado de Jair no
sofá, levantou-se:
- O Jair voltou!
Ele abriu a boca, fechou-a de novo, e, emudecido pela surpresa, continuou
parado com o pacote nas mãos.
Geni insistiu:
- É ele mesmo. Jair voltou para casa e veio para
ficar.
Percebendo a perplexidade do pai, Jacira aproximou-se dele, livrou-o
do
pacote enquanto Jair, em pé, abriu os braços dizendo:
- Não vai me dar um abraço?
Aristides estendeu os braços e Jair o abraçou emocionado. Ele nunca tivera para com o
filho um gesto de carinho. Seu pai dizia sempre que um homem não chora, que
demonstrar sentimentos era coisa de mulher. Ele e Geni reprimiam os sentimentos.
Jair tinha um temperamento carinhoso. Quando pequeno
tentara manifestar seu afeto, mas foi repreendido e dali para a frente teve
receio de expressar seus sentimentos.
Ele se preparara para visitar a famÃlia,
pensando encontrar a mesma situação a que estava habituado. Mas com surpresa
percebeu que eles tinham mudado. O prazer dessa descoberta foi tanto, que ele
se sentia feliz por ter regressado. Por esse motivo, abrira os braços para o
pai, manifestando sua alegria.
Depois
do abraço, Aristides,
sem jeito, por ter se emocionado diante de todos, estava embaraçado.
Jair notou e procurou agir com naturalidade, segurou o
braço dele:
- Venha,
pai, quero que conheça meu amigo e sócio, Duarte.
Aristides estendeu a mão:
- Aristides Silva. Muito prazer.
- Gilson Duarte, o prazer é meu. Jacira convidou:
- Vamos
nos sentar e continuar nossa conversa. Venha, pai, sente-se aqui ao lado do Jair.
Vendo-os
acomodados ela continuou:
- Sabe pai, ele tem muitas
coisas interessantes para nos contar. Trabalhou em um navio de turismo durante
cinco anos e conheceu muitos paÃses.
Aristides olhou-o admirado. Ele sempre sonhara viajar, conhecer
o mundo, mas não imaginava que isso fosse possÃvel. Não se conteve:
- Como
foi que conseguiu isso tudo?
- Trabalhando.
Estava no Rio de Janeiro procurando emprego. O dinheiro acabou e fui trabalhar
no porto.
- Fazendo
o quê? - indagou ele.
- Carregando sacos. Mas eu sabia que seria por pouco
tempo. Então soube que o capitão de um navio de turismo estava contratando
pessoas, fui atrás. Aceitei tudo que ele propôs. O salário era pequeno, mas
tinha acomodação e comida, além de muitas possibilidades de melhorar.
Duarte interveio:
- Eu fiz uma viagem nesse
navio e quando o conheci, ele já era o preferido do capitão e dirigia toda
parte administrativa do navio. Era tão eficiente que o convidei para trabalhar
na minha empresa.
Isso faz algum tempo. Agora somos sócios.
- Sócios! - exclamou Aristides admirado.
- Sócios - confirmou Duarte. - Formei-me em agronomia e trabalhamos com fertilizantes.
Aristides estava
fascinado.
- Sempre gostei dessa área.
Se tivesse tido condições de estudar, teria me formado nessa profissão.
- Gosto muito do que faço. É
gratificante ajudar a natureza a multiplicar seus frutos, preservando a
qualidade.
Os demais olhavam
surpreendidos para os dois que se entrosaram na conversa, continuando o assunto
com interesse. Aristides fazia perguntas e Duarte respondia com prazer.
Jair aproximou-se de Jacira dizendo baixinho:
- Isso eu nunca poderia esperar. Desde quando ele se
interessa por agronomia?
- Não sei. Mas desde que nos mudamos para cá ele tem
se dedicado a plantar. Transformou nosso quintal. Fez uma horta, plantou flores
e passa trabalhando lá todo tempo livre.
Maria Lúcia aproximou-se de Jacira:
- Vou a cozinha passar mais um café e buscar mais
algumas fatias de bolo.
- Faça isso.
Ela se foi e Jair
comentou:
- Onde você encontrou essa preciosidade? Jacira
sorriu:
- Ela
apareceu em nossa vida em boa hora. Mamãe melhorou muito depois que ela chegou.
Eu a adoro.
- Além de tudo é linda! Parece um anjo. Jacira meneou a cabeça negativamente:
- Cuidado,
Jair. Maria
Lúcia é para mim como uma filha.
- Não
falei por mal.
Jacira
olhou nos olhos dele e perguntou:
- Como
vai sua vida amorosa? Você se casou, vive com alguém?
- Não.
Apaixonei-me algumas vezes, mas nada que me fizesse pensar em casamento. Sempre
que pensava nessa possibilidade, lembrava-me da nossa famÃlia e desistia. Não
queria aquela vida para mim.
Jacira
não conteve o riso. Ele perguntou:
- E
você, casou-se?
- Antes
ninguém me queria, depois que eu comecei a me cuidar, apareceram alguns
pretendentes. Tive um namorado, mas quando descobri que ele desejava que eu
deixasse de trabalhar e queria mandar em mim, desisti. Até hoje, nunca amei
ninguém.
Jair olhou-a de alto a baixo, depois disse malicioso:
- Não
sei o que você fez, mas se transformou em uma mulher linda, elegante, charmosa.
Qualquer hora vai aparecer alguém e você vai se apaixonar.
Ela
riu satisfeita.
- Será?
Não conto mais com isso.
Jacira
foi até a cozinha e Jair foi
junto. Aproximou-se de Maria Lúcia dizendo:
- Há
quanto tempo você mora aqui?
- Vai
fazer três anos no mês que vem.
- Já?
O tempo passou depressa - comentou Jacira. - Vamos colocar o bolo naquele
prato novo.
- Sei
qual é.
Enquanto
Maria Lúcia foi buscar o prato, Jair tornou:
- Olhando
para ela, lembrei-me do Neto. Nunca pensei sobre o que acontece depois da
morte. Será mesmo que continuamos a viver em outro lugar? Parece impossÃvel!
- Por
quê? Tudo neste mundo é natural. A realidade que conseguimos perceber é quase
nada. O mundo invisÃvel é maior do que supomos.
- Pode
ser. Mas para acreditar que a vida continua, precisamos de provas.
Maria
Lúcia dispunha as fatias do bolo no prato, olhou para Jair dizendo com voz firme:
- As
provas estão a nossa volta. Mas é preciso ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.
- O
que quer dizer?
- A
vida só revela seus segredos para quem busca com sinceridade e está pronto para
saber a verdade.
- Acredita
mesmo que meu irmão morreu e se comunicou por você?
- Não
sei se foi seu irmão. Mas tenho certeza de que era alguém que morreu e está
arrependido das coisas que fez. Sente-se impotente para se redimir de seus
erros. Então concluà que é melhor refazer nosso caminho enquanto estamos
vivendo aqui.
Jair admirou-se:
- Diz
isso com essa calma? Se fosse comigo estaria com muito medo.
Maria
Lúcia sorriu levemente e respondeu:
- O
fato de terem morrido não os torna melhores nem piores do que quando viviam
aqui. Continuam as mesmas pessoas.
Ela
coou o café, colocou as xÃcaras na bandeja e voltou à sala. Antes que Jacira a
acompanhasse, Jair perguntou:
- Ela
parece uma menina. Quantos anos tem?
- Dezenove.
É um espÃrito muito lúcido. Eu não saberia precisar quantos anos ela de fato
tem.
- Estou
arrepiado. Você fala de um jeito! Jacira riu e comentou:
- Depois
vamos conversar sobre reencarnação.
- Você
parece o Duarte! Ele vive falando de vidas passadas. Para mim não parece
viável.
Voltaram
para a sala e Geni estava
sozinha no sofá.
- Onde
eles estão? - indagou Jair.
- No
quintal. Tide foi mostrar a ele suas plantas. Não pararam de conversar.
Jair trocou um olhar com Jacira como a perguntar como seu
pai teria mudado tanto. Ela fê-lo sentar-se a seu lado no sofá:
- Tem
uma coisa que preciso lhe dizer. As pessoas quando querem mudar as coisas para
melhor, tentam controlar os acontecimentos a sua volta, fazendo as mesmas
coisas, pensando da mesma forma e conseguem o mesmo resultado. É preciso agir
de forma diferente. O que funciona é a mudança interior.
- De
que forma?
- Nossa
cabeça está cheia de falsas crenças, nós escolhemos por meio delas. A verdade
no seu espÃrito é muito maior do que você imagina. O segredo está em valorizar
suas qualidades e melhorar seus pontos fracos. Só quando você muda por dentro,
consegue mudar as coisas de fora.
- Você
está dizendo que mudou por dentro e nossos pais melhoraram? Simples assim?
- Foi
o que aconteceu. Tornei-me mais otimista, acreditei mais em mim e na vida, joguei
fora a depressão, a revolta, o vitimismo. Fiquei melhor. Eles, tanto quanto
eu, estavam vivendo no cÃrculo vicioso das crenças erradas, aprendidas de
pessoas que também as aprenderam com os outros. Aos poucos, fui plantando
minhas novas ideias,
eles entenderam e deu certo. Foi o que aconteceu.
- Você
foi melhor do que eu ou o Neto. Nós fomos embora, mas não foi por falta de amor
aos nossos pais.
- Vocês
não tinham experiência. Fizeram o que acharam melhor. Eu muitas vezes também
tive vontade de abandonar tudo e ir embora. Foi o carinho de um espÃrito amigo
quem me ajudou a acordar e ter forças para reagir. Sem a ajuda do invisÃvel, eu
não teria conseguido.
- Como
foi isso?
Jacira
contou-lhe suas experiências com o espÃrito de Marina, sua amizade com Ernesto,
e finalizou:
- Quero
que o conheça. Ernesto é maravilhoso. Tem sido meu conselheiro desde o inÃcio.
- Nós
morávamos em Nova York e lá há vários professores de autoajuda. Duarte é amigo de um deles e
muitas vezes convidou-me a assistir suas aulas. Fui algumas vezes. Eles ensinam
o óbvio. Nada mais do que isso.
Jacira pensou um pouco e respondeu:
- Apesar
disso a gente não vê. Foi depois que assisti às aulas de Ernesto que comecei a
enxergar o óbvio.
Eles riram e Jair considerou:
- Por
que será que temos tanta dificuldade para mudar nossas crenças?
- Penso que seja o hábito.
Quando aceitamos uma crença, mesmo que seja errada, fazemos tudo para
reforçá-la. Condicionamos mudança com insegurança. Contudo, alguém já disse
que a segurança está na mudança.
Jair olhou-a
admirado:
- Nunca
imaginei que você fosse tão inteligente. Devo dar a mão à palmatória.
- Todos
somos inteligentes. Nosso espÃrito é inteligente. Mas minha maneira de olhar a
vida bloqueava e impedia a manifestação do meu espÃrito.
Aristides e
Duarte voltaram à sala conversando animadamente.
- Está
na hora de irmos - lembrou Jair. Duarte
olhou a hora e admirou-se:
- Não
sabia que era tão tarde. Geni aproximou-se
de Jair:
- Pensei
que vocês fossem ficar aqui.
- Não,
mãe. Estamos no hotel. Vamos chamar um táxi e ir embora.
- Não quero que você vá... Jair sorriu:
- Não
se preocupe. Viemos para ficar. Teremos muito trabalho pela frente. Vamos
organizar nossa empresa aqui.
Depois de mais um café com
bolo, eles se despediram. Uma vez no táxi, Duarte tornou:
- Essa não é a famÃlia que
você disse que tinha. Seu pai é um homem inteligente, bem-humorado, sua mãe amável, alegre, e sua irmã então, é uma
mulher linda, lúcida que sabe o que quer da vida.
Você era cego mesmo!
- Eu não soube enxergar o
que havia por trás daquela imagem aparente que eu conhecia. Jacira foi mais
arguta do que eu.
- É assim mesmo. Nós criamos
imagens das pessoas, acreditamos no que parecem, sem vê-las como realmente
são. Tem razão com relação a sua irmã.
- Antes assim. Sinto-me feliz por ter voltado. Há momentos que Jacira fala
igual a você. Acredita em vidas passadas, em espÃritos, é amiga de um professor
de autoajuda, teve aulas com ele. Além de você, agora tem ela para colocar
essas ideias em minha cabeça!
- Vamos ver se depois disso
você vai enxergar o que estamos querendo lhe mostrar.
- Amanhã vamos encontrar com
nossos contatos e ver se fechamos o
negócio.
- Está tudo acertado. Falta
só assinarmos o contrato. As condições são boas para ambas as partes, como
deve ser. Não creio que eles voltem atrás.
- Eu só acredito depois que
tudo estiver regularizado.
Duarte riu bem-humorado e respondeu:
- Dá um friozinho na
barriga, sei como é isso. É a primeira vez que você assume essa
responsabilidade.
- É, dá, mas ao mesmo tempo
é uma sensação de vitória, de conquista...
- Sei como é. Amanhã até o
fim da tarde teremos tudo concluÃdo. Depois, vamos procurar lugar para morar.
Estou cansado de viver em um hotel.
- Vamos alugar um
apartamento e dividir as despesas.
- Será melhor. Mas agora
bateu o cansaço. Quero me esticar na cama e dormir. Eu não consigo dormir no
avião. Já você, dorme mesmo.
-Mas
é um sono leve que não descansa. Também estou moÃdo.
Além disso, abusei daquele
bolo da mamãe. Tinha me esquecido de como é bom.
O
táxi parou em frente ao hotel, eles desceram, entraram, apanharam a chave e
foram imediatamente para o quarto, onde se prepararam para dormir.
Jair deitou-se, mas apesar de cansado, não dormiu logo. As
emoções inesperadas daquele dia o deixaram sensibilizado. Durante aqueles anos,
muitas vezes pensara em voltar para casa. Só não o fizera por recordar-se de
como era difÃcil a vida em famÃlia.
Apesar
disso, nos primeiros tempos sentira saudades, escrevera algumas cartas.
Magoou-se por não ter recebido resposta. Procurou sepultar as lembranças e
seguir adiante, reprimindo os sentimentos, tentando aceitar a falta de amor dos
seus.
Encontrou
em Duarte um verdadeiro amigo. Desde que o conheceu, aprendeu a admirá-lo por
seus sentimentos nobres, pela sua maneira de enxergar a vida, sua elevação de
espÃrito. Ele ensinou-o a olhar as coisas de uma forma melhor, desenvolveu a
sua autoconfiança. Redescobrir
o amor de sua famÃlia foi para ele uma grata surpresa. Sentia-se feliz
e de bem com a vida.
Duarte
deitou-se, dormiu logo. Sonhou que estava em uma sala de estar, muito
bem-arrumada, de estilo clássico antigo, olhou em volta e viu uma linda mulher
sentada em uma poltrona.
Ele
estremeceu e correu para ela exclamando:
- MarÃlia! É você! Finalmente você
veio!
Ela
levantou-se, abraçou-o com carinho e ele sentiu o perfume gostoso que vinha
dela.
- Faz
tempo que você não me visitava! Pensei que tivesse me esquecido.
Ela
sorriu com suavidade e respondeu:
- Você
sabe que está em meu coração. Vim para dizer-lhe que você encontrou seu caminho
e será muito feliz. Eu vou voltar por meio de você. Estaremos juntos de novo.
Vai dar tudo certo.
Gilson acordou ainda
ouvindo suas últimas palavras e sentou-se
na cama
emocionado. Ela ia voltar, teria ouvido bem?
Ainda estava sentindo o
perfume dela e a maciez de seus braços carinhosos. Levantou-se, tomou um copo d'água e deitou-se de novo pensando em sua vida.
correspondido. Ficaram
noivos, fizeram projetos, pretendiam casar-se assim que ele terminasse a faculdade de agronomia.
Mas esse casamento nunca se realizou. Vitimada por uma pneumonia, MarÃlia veio
a falecer.
Desesperado, Gilson não
conseguiu aceitar a morte de sua amada. Entregou-se
ao
desânimo e seus pais tentaram, sem obter êxito, que ele retomasse a alegria de
viver.
Os amigos tentavam
interessá-lo novamente na vida, mas ele a cada dia ficava mais triste. Quando
as lembranças se tornavam muito dolorosas, Gilson ia ao túmulo de MarÃlia, levando
as flores das quais ela tanto gostava.
Várias vezes, familiares e
amigos davam pela sua falta e o encontravam lá, ajoelhado no túmulo, olhos
perdidos no vazio, mergulhado na sua dor.
Certo dia, um de seus
amigos aconselhou-o a procurar a ajuda do médium
Chico Xavier na cidade de Uberaba, afirmando que a vida continua depois da
morte, que MarÃlia continuava viva no outro mundo e que a atitude dele não
aceitando sua partida a estava fazendo sofrer.
Foi tão insistente que
Gilson decidiu ir até o médium na casa humilde, onde ele atendia a todos com
carinho. Quando chegou estava anoitecendo e a pequena sala estava lotada.
Havia muitas pessoas conversando entre si, algumas falando da dor da perda de
um ente querido, outras relatando suas experiências naqueles encontros.
Ao
fundo, uma mesa grande, vários livros, papel, lápis, e pessoas sentadas ao
redor. Cadeiras dispostas em fileiras para os visitantes.
Gilson entrou em silêncio,
sentou-se em um canto e esperou.
Em
seu pensamento emocionado as lembranças de MarÃlia reapareceram com força e ele
tentava conter as lágrimas.
Não
conversou com ninguém, olhou em volta, nenhum conhecido. Ele pensou:
"MarÃlia, preciso saber se você está viva, fale comigo de
alguma forma. Não estou aguentando pensar
que nunca mais vou vê-la!".
Uma
porta nos fundos da sala abriu e Chico entrou. Mulato, lábios grossos, sorriso
largo, sentou-se ao redor da mesa. As pessoas o olhavam com esperança e
alegria e ele indicava as pessoas que falariam sobre O
Livro dos EspÃritos enquanto ele psicografaria,
respondendo às consultas das pessoas cujos nomes estavam nos papéis a sua
frente.
O
silêncio se fez e depois de uma prece de um dos presentes, ele segurou o lápis
e começou a escrever vertiginosamente enquanto um rapaz ao lado o auxiliava
virando as folhas.
O
tempo foi passando, as pessoas se revezando na palestra, até que horas depois,
o médium deixou o lápis cair. Foi feita uma prece de agradecimento. Ninguém se
levantou. Chico, bem-disposto, conversava com as pessoas a sua volta. Ao mesmo
tempo, um rapaz apanhou as folhas de papel na caixa onde o médium as colocara e
foi chamando os nomes das pessoas e entregando as mensagens.
- Senhor
Duarte. Está presente? Como não obteve resposta repetiu:
- Senhor
Gilson Duarte, encontra-se no recinto? Arrancado dos seus pensamentos, tremendo
de
emoção,
Gilson levantou e aproximou-se dele:
- Sou
eu.
O
rapaz estendeu-lhe algumas folhas de papel dizendo:
- Esta
mensagem é para o senhor. Com as mãos trêmulas ele segurou as folhas com
emoção.
Uma senhora comentou:
- O
senhor foi mais feliz do que eu. É a terceira vez que eu venho e ainda não
recebi nada.
Gilson
voltou ao seu canto, abriu os papéis e leu:
"Meu querido Gilson. Estou feliz por
poder dizer-lhe que a morte não é o fim. Eu continuo viva! Tive de partir tão
jovem, no momento em que sonhava poder viver para sempre ao seu lado. Foi
difÃcil de aceitar. Mas hoje sei que a vida faz tudo certo. Um dia entenderá
isso. Não se revolte. Não chore mais. Sofro vendo sua tristeza. Preciso seguir
meu destino e desejo que você siga o seu.
Vamos viver com alegria. Aproveite a
oportunidade que a vida está lhe oferecendo para se tornar uma pessoa melhor.
Um dia estaremos juntos de novo. Jesus o abençoe, da sempre sua - MarÃlia".
Emocionado, Gilson releu a mensagem várias
vezes. Notou que o médium se despedia dos amigos. Com olhos molhados, foi até
ele e aproximou-se com a mensagem nas mãos. Chico, que ia se afastar, vendo-o
parou. Rapidamente Gilson segurou a mão do médium e beijou-a agradecido. Chico
apertou a mão dele e beijou-a também.
Depois o abraçou com carinho dizendo:
- MarÃlia! Que linda ela é!
Mesmo
depois de tanto tempo decorrido, Gilson sempre que se recordava daquela noite,
emocionava-se. Foi assim que ele teve certeza de que a vida continua.
Depois
dessa noite, interessou-se em conhecer o espiritismo e sempre que podia ia a
Uberaba assistir às reuniões de Chico Xavier.
Leu seus livros, fez campanhas
para os pobres que ele assistia com seu grupo e levou seus pais para conhecer o
trabalho dele.
Quando
estava lá, ficava por perto ouvindo os casos que o médium contava, os
ensinamentos que distribuÃa nas suas conversas bem-humoradas e voltava para casa mais
animado.
Pensava no Chico sempre
com gratidão e desejava que onde ele estivesse fosse muito feliz.
Aos poucos retomou sua
vida, terminou os estudos, mas não quis trabalhar na fazenda com o pai,
conforme o desejo dele. Sentia necessidade de viajar, aprender, construir uma
vida melhor conforme MarÃlia lhe havia pedido.
Foi para os Estados Unidos
contratado por uma empresa de tratores
onde
ficou durante alguns anos. Formou um capital e montou sua própria empresa de
insumos e fertilizantes para a lavoura.
Prosperou, a empresa
cresceu. Conheceu Jair, gostou dele, reconheceu que tinha potencial, contratou-o. Tomaram-se amigos.
Ensinou-lhe tudo que sabia uma vez que ele mostrou interesse, empenhava-se em aprender. Além de amigo, tornou-se seu homem de confiança.
Um dia Gilson sentiu que
estava cansado de viver fora do Brasil.
Sentiu saudades da comida, da música,
das coisas que só encontrava no seu paÃs, então decidiu voltar.
Sua irmã Janice tinha se
casado, era mãe de dois filhos e ele só os conhecia em breves momentos quando
passava alguns dias visitando a famÃlia.
Decidiu montar a fábrica
no Brasil e propôs sociedade a Jair. Ele não tinha capital, mas Gilson emprestou-lhe o necessário para que ele pagasse conforme o
negócio fosse crescendo. Jair aceitou.
Fizeram o projeto e tomaram as providências para realizá-lo.
Desde que recebera a carta
de MarÃlia, Gilson pedia a Deus que lhe permitisse encontrar-se com ela durante o sono. Sabia dessa possibilidade.
Mas só naquela noite ele havia conseguido. A sensação forte de tê-la abraçado
não lhe saÃa do pensamento.
Suas palavras cheias de
carinho repetiam-se em sua mente e ele
procurava descobrir o que elas queriam dizer.
Pensando nisso, lembrou-se dos compromissos do dia seguinte, deitou-se querendo dormir. Tentou relaxar, mas as palavras de
MarÃlia se repetiam e só quando o dia estava começando a clarear foi que ele
finalmente conseguiu adormecer.
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