quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Capítulo 23 
Passava das dez quando Aristides chegou em casa carregando uma bandeja de salgadinhos que Eu-zébio mandara para Geni. Ele sabia que ela reclamava quando ele se demorava no bar e desejava agradá-la, uma vez que gostava muito de receber o amigo e re­cordar o tempo em que tinham trabalhado juntos.

Logo que entrou estranhou as luzes acesas e o ruído de conversa animada que acontecia na sala. Curioso, foi até lá. 

 Vendo-o parado na porta, Geni, sentada ao lado de Jair no sofá, levantou-se:

- O Jair voltou! 
 

Ele abriu a boca, fechou-a de novo, e, emude­cido pela surpresa, continuou parado com o pacote nas mãos.


Geni insistiu:

- É ele mesmo. Jair voltou para casa e veio para
ficar.

Percebendo a perplexidade do pai, Jacira apro­ximou-se dele, livrou-o do pacote enquanto Jair, em pé, abriu os braços dizendo:

- Não vai me dar um abraço?

Aristides estendeu os braços e Jair o abraçou emocionado. Ele nunca tivera para com o filho um gesto de carinho. Seu pai dizia sempre que um homem não chora, que demonstrar sentimentos era coisa de mulher. Ele e Geni reprimiam os sentimentos.

Jair tinha um temperamento carinhoso. Quando pequeno tentara manifestar seu afeto, mas foi repreen­dido e dali para a frente teve receio de expressar seus sentimentos.

Ele se preparara para visitar a família, pensando encontrar a mesma situação a que estava habituado. Mas com surpresa percebeu que eles tinham mudado. O prazer dessa descoberta foi tanto, que ele se sentia feliz por ter regressado. Por esse motivo, abrira os braços para o pai, manifestando sua alegria.

Depois do abraço, Aristides, sem jeito, por ter se emocionado diante de todos, estava embaraçado.

Jair notou e procurou agir com naturalidade, se­gurou o braço dele:

- Venha, pai, quero que conheça meu amigo e sócio, Duarte.

Aristides estendeu a mão:

- Aristides Silva. Muito prazer.

- Gilson Duarte, o prazer é meu. Jacira convidou:

- Vamos nos sentar e continuar nossa conversa. Venha, pai, sente-se aqui ao lado do Jair.

Vendo-os acomodados ela continuou:

-        Sabe pai, ele tem muitas coisas interessantes para nos contar. Trabalhou em um navio de turismo durante cinco anos e conheceu muitos países.

Aristides olhou-o admirado. Ele sempre sonhara viajar, conhecer o mundo, mas não imaginava que isso fosse possível. Não se conteve:

- Como foi que conseguiu isso tudo?

- Trabalhando. Estava no Rio de Janeiro procurando emprego. O dinheiro acabou e fui trabalhar no porto.

- Fazendo o quê? - indagou ele.

- Carregando sacos. Mas eu sabia que seria por pouco tempo. Então soube que o capitão de um navio de turismo estava contratando pessoas, fui atrás. Aceitei tudo que ele propôs. O salário era pequeno, mas tinha acomodação e comida, além de muitas possibilidades de melhorar.

Duarte interveio: 

-   Eu fiz uma viagem nesse navio e quando o co­nheci, ele já era o preferido do capitão e dirigia toda parte administrativa do navio. Era tão eficiente que o convidei para trabalhar na minha empresa. 

Isso faz algum tempo. Agora somos sócios.


-   Sócios! - exclamou Aristides admirado.

-   Sócios - confirmou Duarte. - Formei-me em agronomia e trabalhamos com fertilizantes.

Aristides estava fascinado.

-   Sempre gostei dessa área. Se tivesse tido con­dições de estudar, teria me formado nessa profissão.

-   Gosto muito do que faço. É gratificante ajudar a natureza a multiplicar seus frutos, preservando a qualidade.

Os demais olhavam surpreendidos para os dois que se entrosaram na conversa, continuando o assunto com interesse. Aristides fazia perguntas e Duarte res­pondia com prazer.

Jair aproximou-se de Jacira dizendo baixinho:

- Isso eu nunca poderia esperar. Desde quando ele se interessa por agronomia?

- Não sei. Mas desde que nos mudamos para cá ele tem se dedicado a plantar. Transformou nosso quintal. Fez uma horta, plantou flores e passa traba­lhando lá todo tempo livre.

Maria Lúcia aproximou-se de Jacira:

- Vou a cozinha passar mais um café e buscar mais algumas fatias de bolo.

- Faça isso.

Ela se foi e Jair comentou:

- Onde você encontrou essa preciosidade? Jacira sorriu:

- Ela apareceu em nossa vida em boa hora. Mamãe melhorou muito depois que ela chegou. Eu a adoro.

- Além de tudo é linda! Parece um anjo. Jacira meneou a cabeça negativamente:

-   Cuidado, Jair. Maria Lúcia é para mim como uma filha.

-   Não falei por mal.

Jacira olhou nos olhos dele e perguntou:

-   Como vai sua vida amorosa? Você se casou, vive com alguém?
-   Não. Apaixonei-me algumas vezes, mas nada que me fizesse pensar em casamento. Sempre que pensava nessa possibilidade, lembrava-me da nossa família e desistia. Não queria aquela vida para mim.

Jacira não conteve o riso. Ele perguntou:

-   E você, casou-se?

-   Antes ninguém me queria, depois que eu co­mecei a me cuidar, apareceram alguns pretendentes. Tive um namorado, mas quando descobri que ele de­sejava que eu deixasse de trabalhar e queria mandar em mim, desisti. Até hoje, nunca amei ninguém.
Jair olhou-a de alto a baixo, depois disse malicioso: 

- Não sei o que você fez, mas se transformou em uma mulher linda, elegante, charmosa. Qualquer hora vai aparecer alguém e você vai se apaixonar.


Ela riu satisfeita.

- Será? Não conto mais com isso.

Jacira foi até a cozinha e Jair foi junto. Apro­ximou-se de Maria Lúcia dizendo:

-   Há quanto tempo você mora aqui?

-   Vai fazer três anos no mês que vem.

-   Já? O tempo passou depressa - comentou Ja­cira. - Vamos colocar o bolo naquele prato novo.

-   Sei qual é.

Enquanto Maria Lúcia foi buscar o prato, Jair tornou:

- Olhando para ela, lembrei-me do Neto. Nunca pensei sobre o que acontece depois da morte. Será mesmo que continuamos a viver em outro lugar? Pa­rece impossível!

- Por quê? Tudo neste mundo é natural. A rea­lidade que conseguimos perceber é quase nada. O mundo invisível é maior do que supomos.

-  Pode ser. Mas para acreditar que a vida con­tinua, precisamos de provas.

Maria Lúcia dispunha as fatias do bolo no prato, olhou para Jair dizendo com voz firme:

-  As provas estão a nossa volta. Mas é preciso ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.

-  O que quer dizer?

-  A vida só revela seus segredos para quem busca com sinceridade e está pronto para saber a verdade.

-  Acredita mesmo que meu irmão morreu e se comunicou por você?

-  Não sei se foi seu irmão. Mas tenho certeza de que era alguém que morreu e está arrependido das coisas que fez. Sente-se impotente para se redimir de seus erros. Então concluí que é melhor refazer nosso caminho enquanto estamos vivendo aqui.
Jair admirou-se:

- Diz isso com essa calma? Se fosse comigo es­taria com muito medo.

Maria Lúcia sorriu levemente e respondeu:

- O fato de terem morrido não os torna melhores nem piores do que quando viviam aqui. Continuam as mesmas pessoas.

Ela coou o café, colocou as xícaras na bandeja e voltou à sala. Antes que Jacira a acompanhasse, Jair perguntou:

-  Ela parece uma menina. Quantos anos tem?

-  Dezenove. É um espírito muito lúcido. Eu não saberia precisar quantos anos ela de fato tem.

- Estou arrepiado. Você fala de um jeito! Jacira riu e comentou:
-   Depois vamos conversar sobre reencarnação. 

- Você parece o Duarte! Ele vive falando de vidas passadas. Para mim não parece viável.

Voltaram para a sala e Geni estava sozinha no sofá.

- Onde eles estão? - indagou Jair.

- No quintal. Tide foi mostrar a ele suas plantas. Não pararam de conversar.

Jair trocou um olhar com Jacira como a perguntar como seu pai teria mudado tanto. Ela fê-lo sentar-se a seu lado no sofá:

-  Tem uma coisa que preciso lhe dizer. As pessoas quando querem mudar as coisas para melhor, tentam controlar os acontecimentos a sua volta, fazendo as mesmas coisas, pensando da mesma forma e conse­guem o mesmo resultado. É preciso agir de forma di­ferente. O que funciona é a mudança interior.

-  De que forma?

-  Nossa cabeça está cheia de falsas crenças, nós escolhemos por meio delas. A verdade no seu espírito é muito maior do que você imagina. O segredo está em valorizar suas qualidades e melhorar seus pontos fracos. Só quando você muda por dentro, consegue mudar as coisas de fora.

- Você está dizendo que mudou por dentro e nossos pais melhoraram? Simples assim?

-  Foi o que aconteceu. Tornei-me mais otimista, acreditei mais em mim e na vida, joguei fora a de­pressão, a revolta, o vitimismo. Fiquei melhor. Eles, tanto quanto eu, estavam vivendo no círculo vicioso das crenças erradas, aprendidas de pessoas que também as aprenderam com os outros. Aos poucos, fui plantando minhas novas ideias, eles entenderam e deu certo. Foi o que aconteceu.

-  Você foi melhor do que eu ou o Neto. Nós fomos embora, mas não foi por falta de amor aos nossos pais.

-  Vocês não tinham experiência. Fizeram o que acharam melhor. Eu muitas vezes também tive von­tade de abandonar tudo e ir embora. Foi o carinho de um espírito amigo quem me ajudou a acordar e ter forças para reagir. Sem a ajuda do invisível, eu não teria conseguido.

- Como foi isso?

Jacira contou-lhe suas experiências com o espí­rito de Marina, sua amizade com Ernesto, e finalizou:

- Quero que o conheça. Ernesto é maravilhoso. Tem sido meu conselheiro desde o início.

-  Nós morávamos em Nova York e lá há vários professores de autoajuda. Duarte é amigo de um deles e muitas vezes convidou-me a assistir suas aulas. Fui algumas vezes. Eles ensinam o óbvio. Nada mais do que isso.

Jacira pensou um pouco e respondeu:

- Apesar disso a gente não vê. Foi depois que assisti às aulas de Ernesto que comecei a enxergar o óbvio.

Eles riram e Jair considerou:

- Por que será que temos tanta dificuldade para mudar nossas crenças?


- Penso que seja o hábito. Quando aceitamos uma crença, mesmo que seja errada, fazemos tudo para reforçá-la. Condicionamos mudança com insegu­rança. Contudo, alguém já disse que a segurança está na mudança.


Jair olhou-a admirado:

-  Nunca imaginei que você fosse tão inteligente. Devo dar a mão à palmatória.

-  Todos somos inteligentes. Nosso espírito é inte­ligente. Mas minha maneira de olhar a vida bloqueava e impedia a manifestação do meu espírito.

Aristides e Duarte voltaram à sala conversando animadamente.
-   Está na hora de irmos - lembrou Jair. Duarte olhou a hora e admirou-se:

-   Não sabia que era tão tarde. Geni aproximou-se de Jair:

-   Pensei que vocês fossem ficar aqui.

- Não, mãe. Estamos no hotel. Vamos chamar um táxi e ir embora.
- Não quero que você vá... Jair sorriu:

- Não se preocupe. Viemos para ficar. Teremos muito trabalho pela frente. Vamos organizar nossa empresa aqui.

Depois de mais um café com bolo, eles se despe­diram. Uma vez no táxi, Duarte tornou:

-   Essa não é a família que você disse que tinha. Seu pai é um homem inteligente, bem-humorado, sua mãe amável, alegre, e sua irmã então, é uma mulher linda, lúcida que sabe o que quer da vida.

Você era cego mesmo!

-   Eu não soube enxergar o que havia por trás daquela imagem aparente que eu conhecia. Jacira foi mais arguta do que eu.

-   É assim mesmo. Nós criamos imagens das pes­soas, acreditamos no que parecem, sem vê-las como realmente são. Tem razão com relação a sua irmã.

-   Antes assim. Sinto-me feliz por ter voltado. Há momentos que Jacira fala igual a você. Acredita em vidas passadas, em espíritos, é amiga de um professor de autoajuda, teve aulas com ele. Além de você, agora tem ela para colocar essas ideias em minha cabeça!

-   Vamos ver se depois disso você vai enxergar o que estamos querendo lhe mostrar.

-   Amanhã vamos encontrar com nossos contatos e ver se fechamos o negócio.

-   Está tudo acertado. Falta só assinarmos o con­trato. As condições são boas para ambas as partes, como deve ser. Não creio que eles voltem atrás.

-   Eu só acredito depois que tudo estiver regu­larizado.

Duarte riu bem-humorado e respondeu:

-   Dá um friozinho na barriga, sei como é isso. É a primeira vez que você assume essa responsabilidade. 

-   É, dá, mas ao mesmo tempo é uma sensação de vitória, de conquista...

-   Sei como é. Amanhã até o fim da tarde teremos tudo concluído. Depois, vamos procurar lugar para morar. Estou cansado de viver em um hotel.

-   Vamos alugar um apartamento e dividir as despesas.

-   Será melhor. Mas agora bateu o cansaço. Quero me esticar na cama e dormir. Eu não consigo dormir no avião. Já você, dorme mesmo.

-Mas é um sono leve que não descansa. Também estou moído. 

Além disso, abusei daquele bolo da mamãe. Tinha me esquecido de como é bom.

O táxi parou em frente ao hotel, eles desceram, entraram, apanharam a chave e foram imediatamente para o quarto, onde se prepararam para dormir.

Jair deitou-se, mas apesar de cansado, não dormiu logo. As emoções inesperadas daquele dia o deixaram sensibilizado. Durante aqueles anos, muitas vezes pensara em voltar para casa. Só não o fizera por recordar-se de como era difícil a vida em família.

Apesar disso, nos primeiros tempos sentira sau­dades, escrevera algumas cartas. Magoou-se por não ter recebido resposta. Procurou sepultar as lembranças e seguir adiante, reprimindo os sentimentos, tentando aceitar a falta de amor dos seus.

Encontrou em Duarte um verdadeiro amigo. Desde que o conheceu, aprendeu a admirá-lo por seus sentimentos nobres, pela sua maneira de en­xergar a vida, sua elevação de espírito. Ele ensinou-o a olhar as coisas de uma forma melhor, desenvolveu a sua autoconfiança. Redescobrir o amor de sua fa­mília foi para ele uma grata surpresa. Sentia-se feliz e de bem com a vida.

Duarte deitou-se, dormiu logo. Sonhou que es­tava em uma sala de estar, muito bem-arrumada, de estilo clássico antigo, olhou em volta e viu uma linda mulher sentada em uma poltrona.

Ele estremeceu e correu para ela exclamando:

- Marília! É você! Finalmente você veio!

Ela levantou-se, abraçou-o com carinho e ele sentiu o perfume gostoso que vinha dela.

- Faz tempo que você não me visitava! Pensei que tivesse me esquecido.

Ela sorriu com suavidade e respondeu:

- Você sabe que está em meu coração. Vim para dizer-lhe que você encontrou seu caminho e será muito feliz. Eu vou voltar por meio de você. Estaremos juntos de novo. Vai dar tudo certo.

Gilson acordou ainda ouvindo suas últimas pala­vras e sentou-se na cama emocionado. Ela ia voltar, teria ouvido bem?

Ainda estava sentindo o perfume dela e a maciez de seus braços carinhosos. Levantou-se, tomou um copo d'água e deitou-se de novo pensando em sua vida.

Filho de um rico fazendeiro de Minas Gerais, ainda muito jovem, Gilson apaixonou-se por Marília, uma linda moça da alta sociedade mineira, e foi
cor­respondido. Ficaram noivos, fizeram projetos, preten­diam casar-se assim que ele terminasse a faculdade de agronomia. Mas esse casamento nunca se realizou. Vitimada por uma pneumonia, Marília veio a falecer.

Desesperado, Gilson não conseguiu aceitar a morte de sua amada. Entregou-se ao desânimo e seus pais tentaram, sem obter êxito, que ele retomasse a alegria de viver.

Os amigos tentavam interessá-lo novamente na vida, mas ele a cada dia ficava mais triste. Quando as lembranças se tornavam muito dolorosas, Gilson ia ao túmulo de Marília, levando as flores das quais ela tanto gostava.

Várias vezes, familiares e amigos davam pela sua falta e o encontravam lá, ajoelhado no túmulo, olhos perdidos no vazio, mergulhado na sua dor.

Certo dia, um de seus amigos aconselhou-o a procurar a ajuda do médium Chico Xavier na cidade de Uberaba, afirmando que a vida continua depois da morte, que Marília continuava viva no outro mundo e que a atitude dele não aceitando sua partida a estava fazendo sofrer.

Foi tão insistente que Gilson decidiu ir até o mé­dium na casa humilde, onde ele atendia a todos com carinho. Quando chegou estava anoitecendo e a pe­quena sala estava lotada. Havia muitas pessoas con­versando entre si, algumas falando da dor da perda de um ente querido, outras relatando suas experiências naqueles encontros.

Ao fundo, uma mesa grande, vários livros, papel, lápis, e pessoas sentadas ao redor. Cadeiras dispostas em fileiras para os visitantes. 

Gilson entrou em si­lêncio, sentou-se em um canto e esperou.

Em seu pensamento emocionado as lembranças de Marília reapareceram com força e ele tentava conter as lágrimas.

Não conversou com ninguém, olhou em volta, ne­nhum conhecido. Ele pensou:

"Marília, preciso saber se você está viva, fale co­migo de alguma forma. Não estou aguentando pensar que nunca mais vou vê-la!".

Uma porta nos fundos da sala abriu e Chico en­trou. Mulato, lábios grossos, sorriso largo, sentou-se ao redor da mesa. As pessoas o olhavam com espe­rança e alegria e ele indicava as pessoas que falariam sobre O Livro dos Espíritos enquanto ele psicografaria, respondendo às consultas das pessoas cujos nomes estavam nos papéis a sua frente.

O silêncio se fez e depois de uma prece de um dos presentes, ele segurou o lápis e começou a escrever vertiginosamente enquanto um rapaz ao lado o auxi­liava virando as folhas.

O tempo foi passando, as pessoas se revezando na palestra, até que horas depois, o médium deixou o lápis cair. Foi feita uma prece de agradecimento. Ninguém se levantou. Chico, bem-disposto, conver­sava com as pessoas a sua volta. Ao mesmo tempo, um rapaz apanhou as folhas de papel na caixa onde o médium as colocara e foi chamando os nomes das pessoas e entregando as mensagens. 
 

-   Senhor Duarte. Está presente? Como não obteve resposta repetiu:


-   Senhor Gilson Duarte, encontra-se no recinto? Arrancado dos seus pensamentos, tremendo de
emoção, Gilson levantou e aproximou-se dele:

- Sou eu.

O rapaz estendeu-lhe algumas folhas de papel dizendo:

- Esta mensagem é para o senhor. Com as mãos trêmulas ele segurou as folhas com
emoção. Uma senhora comentou:

- O senhor foi mais feliz do que eu. É a terceira vez que eu venho e ainda não recebi nada.

Gilson voltou ao seu canto, abriu os papéis e leu:

"Meu querido Gilson. Estou feliz por poder dizer-lhe que a morte não é o fim. Eu continuo viva! Tive de partir tão jovem, no momento em que sonhava poder viver para sempre ao seu lado. Foi difícil de aceitar. Mas hoje sei que a vida faz tudo certo. Um dia enten­derá isso. Não se revolte. Não chore mais. Sofro vendo sua tristeza. Preciso seguir meu destino e desejo que você siga o seu. 

Vamos viver com alegria. Aproveite a oportunidade que a vida está lhe oferecendo para se tornar uma pessoa melhor. Um dia estaremos juntos de novo. Jesus o abençoe, da sempre sua - Marília".

Emocionado, Gilson releu a mensagem várias vezes. Notou que o médium se despedia dos amigos. Com olhos molhados, foi até ele e aproximou-se com a mensagem nas mãos. Chico, que ia se afastar, vendo-o parou. Rapidamente Gilson segurou a mão do médium e beijou-a agradecido. Chico apertou a mão dele e beijou-a também. 

Depois o abraçou com carinho dizendo:

- Marília! Que linda ela é!

Mesmo depois de tanto tempo decorrido, Gilson sempre que se recordava daquela noite, emocio­nava-se. Foi assim que ele teve certeza de que a vida continua.

Depois dessa noite, interessou-se em conhecer o espiritismo e sempre que podia ia a Uberaba assistir às reuniões de Chico Xavier.

Leu seus livros, fez cam­panhas para os pobres que ele assistia com seu grupo e levou seus pais para conhecer o trabalho dele.

Quando estava lá, ficava por perto ouvindo os casos que o médium contava, os ensinamentos que distribuía nas suas conversas bem-humoradas e vol­tava para casa mais animado.

Pensava no Chico sempre com gratidão e dese­java que onde ele estivesse fosse muito feliz. 

Aos poucos retomou sua vida, terminou os es­tudos, mas não quis trabalhar na fazenda com o pai, conforme o desejo dele. Sentia necessidade de viajar, aprender, construir uma vida melhor conforme Marília lhe havia pedido.


Foi para os Estados Unidos contratado por uma empresa de tratores onde ficou durante alguns anos. Formou um capital e montou sua própria empresa de insumos e fertilizantes para a lavoura.

Prosperou, a empresa cresceu. Conheceu Jair, gostou dele, reconheceu que tinha potencial, con­tratou-o. Tomaram-se amigos.

Ensinou-lhe tudo que sabia uma vez que ele mostrou interesse, empe­nhava-se em aprender. Além de amigo, tornou-se seu homem de confiança.

Um dia Gilson sentiu que estava cansado de viver fora do Brasil.

Sentiu saudades da comida, da música, das coisas que só encontrava no seu país, então de­cidiu voltar.

Sua irmã Janice tinha se casado, era mãe de dois filhos e ele só os conhecia em breves momentos quando passava alguns dias visitando a família.

Decidiu montar a fábrica no Brasil e propôs so­ciedade a Jair. Ele não tinha capital, mas Gilson em­prestou-lhe o necessário para que ele pagasse con­forme o negócio fosse crescendo. Jair aceitou. 

Fizeram o projeto e tomaram as providências para realizá-lo.

Desde que recebera a carta de Marília, Gilson pedia a Deus que lhe permitisse encontrar-se com ela durante o sono. Sabia dessa possibilidade. Mas só na­quela noite ele havia conseguido. A sensação forte de tê-la abraçado não lhe saía do pensamento.

Suas palavras cheias de carinho repetiam-se em sua mente e ele procurava descobrir o que elas que­riam dizer.

Pensando nisso, lembrou-se dos compromissos do dia seguinte, deitou-se querendo dormir. Tentou relaxar, mas as palavras de Marília se repetiam e só quando o dia estava começando a clarear foi que ele finalmente conseguiu adormecer.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário