quinta-feira, 31 de agosto de 2017

CapĂ­tulo 24 

Jacira olhou o relĂłgio e apressou-se. Dentro de alguns minutos Gilson chegaria para buscĂĄ-la. Fazia quatro meses que Jair tinha regressado e desde entĂŁo a vida de Jacira tornara-se muito movimentada.


Entusiasmada com o projeto deles, procurou au­xiliĂĄ-los ao mĂĄximo. Depois de tantos anos fora do paĂ­s, eles precisaram atualizar-se e Jacira tinha con­diçÔes de orientĂĄ-los.

Dorival cuidou das providĂȘncias para legalizar a empresa e ela das outras questĂ”es. 
 

Multiplicou-se no trabalho, uma vez que o movi­mento do ateliĂȘ estava crescendo, mas bem-humo­rada encontrava tempo para tudo.

Sentia-se Ăștil e feliz. Nunca tinha trabalhado tanto, mas fazia-o com prazer.


Todo o tempo de que dispunha, estava com os dois, opinando, revelando-se muito eficiente e prĂĄ­tica. Tanto Jair como Gilson nĂŁo tomavam nenhuma decisĂŁo sem consultĂĄ-la e os trĂȘs decidiam todas as providĂȘncias juntos.

Aristides tambĂ©m estava empolgado. Jacira nunca se lembrava de tĂȘ-lo visto com tanto entusiasmo. Pa­recia outra pessoa. Desde o inĂ­cio colocara-se Ă  dispo­sição deles, ajudando no que podia.

A casa de Jacira, antes silenciosa, tornara-se mo­vimentada. AtĂ© Geni, alegre por ter o filho de volta, esmerava-se na cozinha com Maria LĂșcia, experimen­tando receitas, fazendo o que cada um gostava.

Maria LĂșcia integrara-se perfeitamente na famĂ­lia, tornara-se mais alegre. Gostava de cantar, mas sĂł o fazia quando nĂŁo havia ninguĂ©m em casa. Aprendia nĂŁo sĂł as cançÔes em voga como as mais antigas.

Geni lhe ensinara algumas mĂșsicas de sua ju­ventude e ela as aprendera com facilidade. Cantava com tal sentimento que Geni sentia-se transportada aos anos da sua mocidade. Insistia com Maria LĂșcia para que cantasse diante da famĂ­lia, mas ela se re­cusava. AtĂ© o dia em que Jacira chegou inesperada­mente e a surpreendeu.

-   VocĂȘ tem alma de artista! - disse. - Por que nunca nos disse que sabia cantar desse jeito?

-   Minha mĂŁe sempre cantava comigo. Foi ela que me ensinou muitas cançÔes. Mas aqui ninguĂ©m tem esse hĂĄbito e eu pensei que nĂŁo iriam gostar.

-   Como nĂŁo? VocĂȘ tem uma linda voz, afinada, Ă© um prazer ouvi-la. Quando sentir vontade de cantar, cante. A mĂșsica faz bem Ă  alma. Nunca pensou em dedicar-se Ă  mĂșsica?

-   Sempre sonhei em aprender a tocar violĂŁo. Assim poderia cantar e acompanhar.

-   É uma boa ideia. VocĂȘ acha que daria conta de estudar e aprender violĂŁo ao mesmo tempo?

- Claro que sim!

-   Nesse caso, vamos ver uma boa escola.

Os olhos dela brilhavam de alegria quando abraçou Jacira, que beijou sua face com carinho.

Apesar de gostar muito dela, Jacira tinha dificul­dade em demonstrar seu afeto, nĂŁo apenas com ela, mas com todos da famĂ­lia.

Naquele momento, Maria LĂșcia foi tĂŁo espon­tĂąnea, deu-lhe tanto prazer, que a partir dali, Jacira tornou-se mais carinhosa com as pessoas.

Jair entrou na sala dizendo:

- EstĂĄ pronta? Vamos. Gilson estĂĄ esperando no carro.

Jacira apanhou a bolsa e o acompanhou. Vendo-a chegar, Gilson abriu a porta do carro para que ela entrasse: 

-   Como vocĂȘ estĂĄ linda! Jair interveio:


-   NĂŁo fale assim que ela pode acreditar!

- Antes eu nĂŁo acreditava, mas agora eu sei que sou bonita!

- Viu como ela estĂĄ ficando convencida?

- Acho bom vocĂȘ se controlar. Ela pode nĂŁo gostar e nos deixar de lado. - comentou Gilson.

Jacira que se sentara atrĂĄs no carro respondeu:

- JĂĄ entendi! VocĂȘ estĂĄ querendo me "comprar". Saiba que eu nĂŁo me vendo. Estou ajudando vocĂȘs porque me faz bem, dĂĄ-me prazer. Sou uma pessoa boa. SĂł.

Mesmo dirigindo o carro, sempre que possĂ­vel, Gilson a olhava pelo retrovisor. Ela percebia os olhos dele fixando-a e fingia nĂŁo ver.

Notava que ele a olhava com admiração, mas não sabia o tanto que isso significava. Algumas vezes, Jair brincava insinuando que Gilson estava gostando dela. Mas ele nunca lhe dissera nada que a fizesse acreditar que fosse verdade.

Jacira sentira-se atraĂ­da por ele desde o primeiro dia. Com a convivĂȘncia, a admiração, tornara-se um sentimento maior. Ela se emocionava com a proximi­dade dele, com sua maneira de ser e principalmente com a postura Ă©tica e firme que tinha diante da vida.

Além disso, ele compartilhava suas ideias sobre espiritualidade e ensinara-lhe muitas coisas com suas atitudes verdadeiras e naturais.

Ela estava pensativa, calada. Gilson deu uma olhada pelo espelho e comentou:

- Eu gostaria de saber o que vocĂȘ estĂĄ pensando... TĂŁo calada... TĂŁo sĂ©ria...

Jacira sorriu:

-  NĂŁo estava pensando em nada...

-  Sua resposta revela que vocĂȘ nĂŁo quer falar sobre isso.

-  Quem sabe o que se passa na cabeça de uma mulher? - perguntou Jair rindo.

Tinham chegado ao local e Jacira sentiu-se ali­viada por nĂŁo ter de responder. Desceram e entraram na loja onde pretendiam comprar alguns mĂłveis para o pequeno escritĂłrio da fĂĄbrica. Ela jĂĄ estava funcio­nando havia um mĂȘs e com essa compra eles termina­riam as instalaçÔes.

Jair fizera algumas viagens pelo interior divul­gando a nova empresa, oferecendo seus produtos de maneira atraente, e os primeiros negĂłcios come­Ă§aram a aparecer.

Jacira, Maria LĂșcia e Gilson, continuavam indo Ă s reuniĂ”es na casa de LĂ­dia. De vez em quando Geni os acompanhava. Mas Jair, apesar dos convites, nunca ia.

Ele tinha medo e nĂŁo gostava nem de falar sobre o assunto. Gilson o advertia:

-  NĂŁo adianta fugir. VocĂȘ tem mediunidade. É melhor estudar a fim de evitar alguma surpresa.


-  VocĂȘ e Jacira sĂł falam nisso! Eu nĂŁo tenho nada e nĂŁo quero me envolver com esse assunto.

Depois que começara a frequentar essas reu­niĂ”es, Maria LĂșcia sentia-se muito bem. O espĂ­rito de sua mĂŁe nunca mais a assediara.

O espírito de Marina costumava comparecer a essas reuniÔes e informara que Rosalina se encontrava em um lugar de refazimento e que, quando estivesse bem, voltaria para conversar com ela.

Dentro da loja, depois de fazerem algumas com­pras, Gilson lembrou:

- NĂŁo podemos nos atrasar. Hoje Ă© dia da reuniĂŁo na casa de LĂ­dia.
Jacira concordou com a cabeça e disse para Jair:

-   Hoje seria um dia bom para vocĂȘ nos acom­panhar a essa reuniĂŁo.
-   Por quĂȘ? NĂŁo vejo nada de especial.

-   Esqueceu? Hoje Ă© aniversĂĄrio do Neto.

Jair sentiu um forte arrepio percorrer-lhe o corpo. Por um momento a figura do irmĂŁo surgiu em sua mente.

-   NĂŁo me lembrava disso. NĂŁo guardo datas com facilidade.
-   Nos Ășltimos dias tenho pensado muito nele e hoje pensei em levar algumas flores para fazer uma homenagem a ele.

-   VocĂȘ fala como se ele estivesse morto mesmo. Eu nĂŁo tenho essa certeza.

- Bem que eu gostaria que ele estivesse vivo. Mas diante do que aconteceu, estou inclinada a acre­ditar que ele de fato morreu. Sendo assim, nesta data, pode ser atĂ© que ele venha nos visitar.

-   NĂŁo acredito nisso. VocĂȘ estĂĄ se iludindo. Que provas tem de que era o espĂ­rito dele que Maria LĂșcia recebeu?

Gilson interveio:

- Que provas vocĂȘ tem de que nĂŁo era? Jair estremeceu e disse nervoso:

-   VocĂȘs querem Ă© me deixar irritado. NĂŁo gosto desses assuntos. Neto estĂĄ tĂŁo vivo quanto eu e, com certeza, a qualquer momento vai aparecer em casa.

-   Se ele voltasse para casa, mamĂŁe ficaria em paz. Sabe como ela Ă©. NĂŁo se esquece dele. Sempre diz que a presença dele Ă© a Ășnica coisa que falta para que ela se sinta completamente feliz. Mas temo que isso nunca aconteça.

-   Às vezes sinto vontade de sair Ă  procura dele. Estou certo de que com uma investigação bem feita, conseguiria encontrĂĄ-lo.

- O Ășnico endereço que temos Ă© o do hotel onde ele trabalhava. LĂĄ ninguĂ©m sabe informar nada a respeito dele. Dizem que ele deixou o emprego e nada mais.

-  No momento, nĂŁo tenho tempo para ir pro­curĂĄ-lo. Mas assim que tiver uma folga irei ao Rio e estou certo de que serei bem-sucedido. 

Quero mostrar a vocĂȘs que essa loucura de sessĂ”es espĂ­ritas Ă© uma grande ilusĂŁo.


Jacira trocou um olhar de cumplicidade com Gilson que respondeu:

- Faça isso mesmo. A hora da verdade sempre chega, não importa o tempo que demore.

Gilson lançou-lhe um olhar desafiador e provocou:

- Se vocĂȘ nĂŁo acredita por que tem tanto medo de ir a uma simples reuniĂŁo na casa de LĂ­dia?

Jair levantou a cabeça irritado:

-  Meu medo Ă© uma desculpa para nĂŁo ir. Iria me sentir ridĂ­culo sentando em uma mesa e esperando pela manifestação de espĂ­ritos.

-  VocĂȘ quer mostrar-se corajoso, mas Ă© covarde. Diga a verdade. VocĂȘ estĂĄ tremendo de medo! - Ca­Ă§oou Jacira rindo. E continuou: - Se quiser ir prometo segurar a sua mĂŁo para dar-lhe coragem. Os espĂ­ritos nĂŁo fazem mal a ninguĂ©m.

Jair encarou-os com raiva e respondeu:

- Pois eu vou mostrar-lhes que nĂŁo acredito mesmo e nĂŁo tenho medo de nada. Irei com vocĂȘs e nĂŁo preciso de ninguĂ©m.

Naquela noite, a famĂ­lia inteira foi Ă  reuniĂŁo na casa de LĂ­dia. 

Como era aniversĂĄrio de Neto, Jacira disse aos pais que levaria flores e rezariam pedindo a Deus que descobrissem o paradeiro dele.

Até Aristides resolveu ir. Sempre conversava muito com Gilson, a quem admirava. Ele jå lhe falara sobre espiritualidade, relatando alguns fenÎmenos de mediunidade e despertando seu interesse.

Quando chegaram na casa de LĂ­dia, faltavam al­guns minutos para a hora da reuniĂŁo. LĂ­dia tinha um espaçoso quarto nos fundos da casa que destinara Ă s atividades espirituais. Tinha uma mesa redonda no meio, cadeiras em volta e outras mais atrĂĄs. Ela sabia que naquela noite, mais pessoas iriam.

Do lado, um aparador sobre o qual estava um lindo vaso com flores, uma bandeja com uma jarra de ĂĄgua e alguns copos. A sala estava iluminada apenas por uma luz azul e no aparelho de som, uma mĂșsica suave harmonizava o ambiente.

Lídia recebeu-os com carinho, colocou as flores que Jacira trouxera em um vaso e convidou-os a ir para a sala de reuniÔes onde Estela jå se encontrava.

- Hoje Ă© aniversĂĄrio do Neto. Trouxemos estas flores em homenagem a ele.

Geni segurou o braço de LĂ­dia dizendo com voz sĂșplice:

-  Viemos pedir aos espĂ­ritos seus amigos que nos ajudem a ter notĂ­cias do meu filho. Deus sabe onde ele estĂĄ e pode nos ajudar.

-  Vamos pedir, d. Geni. Eles sempre ouvem os pedidos de uma mĂŁe. 

 Sentem-se. EstĂĄ na hora de ini­ciarmos a reuniĂŁo.
 
Ela pediu que todos se sentassem ao redor da mesa. Apesar de ter lugar para todos, Jair preferiu ficar nas cadeiras de fora.

LĂ­dia solicitou que relaxassem e elevassem o pen­samento pedindo a ajuda de Deus. Fez comovida prece saudando os amigos espirituais e abrindo a reuniĂŁo.

Pouco depois, Estela começou a falar com voz suave:

- É com alegria que estou aqui, trazendo o ca­rinho de muitos amigos. Quero falar da generosidade da vida, que apesar dos nossos enganos, trabalha sempre para nos conduzir a uma vida melhor. 

Con­fiemos na bondade divina que nunca nos desampara. Deus nos abençoe.

Ela calou-se e o silĂȘncio se fez durante alguns se­gundos. Jair, sentado no fundo da sala, estava inquieto. Remexia-se na cadeira respirando com dificuldade. Ar­repios percorriam-lhe o corpo e uma angĂșstia insupor­tĂĄvel comprimia-lhe o peito.

Ia levantar-se quando Lídia jå em pé do lado dele colocou a mão sobre sua testa dizendo:

- Tenha calma. Isso não é seu. Não tenha medo. Jair arfava, esforçando-se para respirar e tentava
levantar-se, mas LĂ­dia, segurando sua testa, disse com voz firme:

-  Se vocĂȘ nĂŁo se acalmar e continuar assim, terĂĄ de ser retirado Ă  força. Queremos ajudĂĄ-lo, mas pre­cisa cooperar.

-  Eu nĂŁo aguento mais! Quero falar! Todos estĂŁo aqui. MĂŁe, estou arrependido. NĂŁo fiz o que prometi. Filha, eu estava louco. NĂŁo sabia o que estava fazendo quando as abandonei! Paguei muito caro a minha lou­cura. Por favor, perdoem-me. Estou sofrendo muito.
Emocionada, Jacira segurou a mĂŁo de Geni que, com olhos arregalados, tremia assustada. Jair continuou:

- VocĂȘs nĂŁo estĂŁo me conhecendo? Sou o Neto. Geni soltou um soluço, olhou aflita para Jacira que
continuava apertando sua mão e passou o braço sobre os ombros dela, procurando amparå-la.

Nesse momento, Maria LĂșcia estremeceu e disse raivosa:

-  VocĂȘ agora se diz arrependido, implora perdĂŁo, mas eu nĂŁo o perdoo. Eu o amei com todo o coração, ofereci-lhe o meu melhor e vocĂȘ nos deixou para ir atrĂĄs da sua ambição. Trocou-nos por dinheiro. Se ti­vesse sido por amor, talvez eu o perdoasse, mas foi sĂł interesse. O pai dela era rico e o comprou. E eu tive de me sujeitar a uma vida difĂ­cil, criar minha filha sem poder dar-lhe tudo quanto ela merecia. Depois de tudo que nos fez, hoje nos encontramos aqui. Vendo-o, minha mĂĄgoa reapareceu e continua viva como no pri­meiro dia. VocĂȘ tem de pagar por tudo o que nos fez.

Rosalina, eu estava errado. Por favor, perdoe-me. Hoje reconheço que vocĂȘ Ă© o amor de minha vida. Depois que a deixei, nunca mais fui feliz. Diga que me perdoa. Estou disposto a refazer o nosso caminno. 

Quero ficar
-junto com vocĂȘ, começar de novo. Juntos, construiremos um futuro melhor. Sei que Ă© possĂ­vel.

-   É muito tarde. A ferida continua doendo. NĂŁo posso esquecer.
-   Por favor, dĂȘ-me uma chance, eu sofri, ama­dureci, mudei... Por favor, nĂŁo me levem embora. Eu quero ficar, falar com minha mĂŁe, pedir perdĂŁo, deixem-me ficar um pouco mais, deixem...

Jair calou-se, respirou fundo. LĂ­dia ofereceu-lhe um copo de ĂĄgua que ele segurou com a mĂŁo trĂȘmula e foi tomando devagar. Ela encaminhou-se atĂ© Maria LĂșcia que soluçava, colocou a mĂŁo em sua testa dizendo:

- Acalme-se, Rosalina. VocĂȘ estĂĄ perturbando Maria LĂșcia.

-   Desculpe. NĂŁo desejo magoĂĄ-la. Perdoe-me.

-   VocĂȘ agora precisa ir embora.

-   NĂŁo. Quero conversar com minha filha.

- Agora não é possível. Vå com essa moça que estå ao seu lado. Quando estiver melhor, poderå voltar e conversar com ela.

Maria LĂșcia suspirou, abriu os olhos tentando acalmar-se. LĂ­dia deu-lhe um copo de ĂĄgua. Ela bebeu e foi serenando.

Geni soluçava baixinho, Jair, pĂĄlido, procurava controlar a emoção e refazer-se. Aristides, olhos ma­rejados, observava calado.
LĂ­dia sentou-se novamente:

- Vamos agradecer a bondade divina que hoje permitiu a presença de dois espĂ­ritos sofridos, que ne­cessitam do nosso carinho. NĂŁo temos condiçÔes de julgar ninguĂ©m, portanto, vamos orar em silĂȘncio a favor de todos os envolvidos para que cada um en­contre a paz no coração.

O silĂȘncio se fez e depois de alguns segundos, Estela começou a falar:

- Chegou a hora de eu conversar com vocĂȘs sobre o que aconteceu aqui esta noite. HĂĄ muitos anos atrĂĄs, vivia em uma aldeia na ItĂĄlia uma jovem muito bonita, de famĂ­lia rica e importante, chamada Gina que se apaixonou perdidamente por um jovem e foi corres­pondida. Casaram-se, tiveram dois filhos. Ele, muito rico, carĂĄter fraco, mulherengo, apesar de gostar de Gina, envolvia-se com outras mulheres. Num desses encontros, apanhado por um marido traĂ­do, morreu assassinado, deixando dois filhos adolescentes. Gina, de temperamento dramĂĄtico, emocionalmente exa­cerbada, nĂŁo suportou a traição nem a viuvez. En­tregou-se Ă  depressĂŁo, perdeu o gosto pela vida. Nada mais lhe interessava. Os filhos: o mais velho am­bicioso e desejoso de poder, envolveu-se com polĂ­tica, nĂŁo medindo esforços para conseguir o que desejava. Valia tudo desde que se sentisse dono do mundo.

"O mais novo tinha prazer em usufruir a riqueza, gastava sem limites, imaginando que seu dinheiro nunca acabaria. Ambos se deram mal. Gina foi de­finhando atĂ© morrer com menos de cinquenta anos. O filho mais velho tornou-se poderoso, mas morreu odiado e perseguido pelos inimigos polĂ­ticos. JĂĄ o mais novo acabou na misĂ©ria, depois de depredar toda a fortuna terminou seus dias em um asilo, inconfor­mado e triste."


Estela calou-se durante alguns segundos. Todos a ouviam atentos e ela prosseguiu:


- É fĂĄcil de imaginar como voltaram Ă  vida as­tral. Durante muito tempo cada um teve de suportar os resultados de suas escolhas. Arinos, o marido de Gina, reconhecendo que seu assassino tivera motivos para tirar-lhe a vida, em vez de partir para a vingança como fizera no inĂ­cio, reconheceu seus erros, pediu ajuda e foi auxiliado.

"Arrependido, procurou Gina e a encontrou ainda mergulhada na depressĂŁo, vivendo em uma regiĂŁo umbrĂĄtica e triste. Estava fraca e sem vontade prĂł­pria. Ele tentou de todas as formas ajudĂĄ-la, mas ela nĂŁo reagia a nada.

"Um mentor espiritual aconselhou-o a procurar os dois filhos. Foi o que ele fez. Procurou por eles. O mais velho, Vitorio, estava preso pelos seus inimigos, sendo forçado a obedecĂȘ-los trabalhava como escravo. JĂĄ Gino, o mais novo, estava inconformado com a mi­sĂ©ria, alimentando a ilusĂŁo de ainda ser muito rico.

"A custo, Arinos conseguiu auxiliĂĄ-los e conduzi-los a uma recuperação. Aos poucos eles foram melhorando e se conscientizando dos seus erros. Arrependidos, jun­taram-se ao pai no auxĂ­lio a Gina. Todos se sentiam cul­pados pela depressĂŁo dela.

"Dedicaram-se bastante e aos poucos ela foi rea­gindo. Eles melhoraram, mas as lembranças das falhas do passado surgiam impedindo-os de seguir adiante. EntĂŁo, foram aconselhados a reencarnar. Arinos e Gina iriam primeiro e os dois filhos depois. 

Tudo progra­mado. A vida encarregou-se de colocar em prĂĄtica."

Estela fez silĂȘncio durante alguns minutos. Depois, deu um longo suspiro e tornou:

- Preciso parar aqui. Mas esta histĂłria vai con­tinuar. Eu voltarei para contar. Podem esperar. Um abraço agradecido da amiga Marina.

O silĂȘncio se fez. LĂ­dia murmurou ligeira prece de agradecimento e acendeu a luz. Todos emocionados desejavam falar, mas nĂŁo conseguiam.

LĂ­dia distribuiu os copos de ĂĄgua e eles tomaram em silĂȘncio. Sabiam que eram os personagens daquela histĂłria. Era a vida da famĂ­lia que se repetia.

Geni soluçava baixinho e LĂ­dia aproximou-se co­locando a mĂŁo sobre a dela, com carinho. Ela levantou a cabeça dizendo triste:
- Meu filho estĂĄ morto? Era o Neto mesmo?

- Era ele, sim. Mas a morte nĂŁo Ă© o fim e ele con­tinua vivo em outro mundo.

Geni suspirou triste e respondeu:

- Mas ele nunca mais voltarĂĄ!

- Ao contrĂĄrio. Ele estĂĄ de volta e poderĂĄ visitĂĄ-la outras vezes.
Geni abanou a cabeça negativamente:

- Ah! Mas nĂŁo Ă© a mesma coisa!

LĂ­dia sentou-se ao lado dela e, segurando sua mĂŁo, explicou-lhe:
 
-  É diferente, mas ele continua o mesmo, sĂł que agora estĂĄ mais lĂșcido, percebeu o quanto estava er­rado e estĂĄ se empenhando para tornar-se uma pessoa melhor. Isso Ă© motivo de alegria, nĂŁo de tristeza.


-  Pobre filho, estĂĄ sofrendo muito!

-  A culpa Ă© muito dolorosa. Ele sofre porque tem consciĂȘncia dos seus erros e ainda nĂŁo conseguiu ser perdoado por aqueles a quem prejudicou.

Maria LĂșcia levantou-se, aproximou-se delas di­zendo:

- Terei entendido bem? A filha a que ele se re­feria sou eu? Mas o nome de meu pai nĂŁo era Neto. Era Vicente.

Todos os presentes fixaram os olhos nela admi­rados. Aristides respondeu emocionado:

- O nome dele era Vicente, igual ao de meu pai. Por esse motivo todos o chamavam de Neto. Se isso Ă© verdade, vocĂȘ Ă© minha neta!

Maria LĂșcia abraçou-o emocionada e Geni juntou-se a eles no mesmo abraço. Jair e Jacira, aproximaram-se, olhos brilhantes de emoção, e abraçaram-se a eles em silĂȘncio. A emoção era tanta que nĂŁo conseguiam expressĂĄ-la em palavras.

Quando se sentiram mais calmos, LĂ­dia tornou:

- Sinto-me feliz por essa revelação. Eu sabia que Maria LĂșcia tinha uma ligação muito forte com vocĂȘs. Hoje Ă© um dia de festa. Vamos para a sala. Temos que comemorar. Vou abrir um vinho, fazer um brinde.

Ela saiu e todos a acompanharam. Mais refeitos da surpresa, comentavam os acontecimentos. Jacira aproximou-se de LĂ­dia:

-  Marina falou de todos, menos de mim. NĂŁo men­cionou o meu nome. SerĂĄ que nĂŁo pertenço Ă  famĂ­lia? Nesse caso, por que estou aqui?

-  Essa Ă© uma pergunta que na hora eu tambĂ©m me fiz. Mas Marina disse que a histĂłria vai continuar, entĂŁo saberemos.

Gilson aproximou-se de Jair:

- Como se sente?

- DifĂ­cil de explicar. Estou um pouco confuso, mexido, emocionado. Sinto que alguma coisa mudou dentro de mim. Preciso de um tempo para refletir, en­tender o que aconteceu.

- Sei como Ă©. VocĂȘ estava distante da realidade e agora sabe, sente como as coisas sĂŁo. A poeira vai assentar e vocĂȘ vai ficar bem.
Jair respirou fundo e comentou:

- Senti-me muito mal. Pensei que fosse morrer. NĂŁo conseguia segurar minha boca que falava sem parar. Eu ouvia sem poder controlĂĄ-la. O que mais me espanta Ă© que quando parei de falar, tudo desapareceu e, como em um passe de mĂĄgica, voltei ao normal. Como pode ser isso?

- O mal-estar que vocĂȘ sentia, nĂŁo era seu. Quando o espĂ­rito de Neto aproximou-se e o envolveu, tudo que ele sentia vocĂȘ sentiu.

Assim que ele foi afas­tado, vocĂȘ voltou ao normal.

- SerĂĄ que foi o espĂ­rito do Neto mesmo? Eu pre­ciso ter certeza de que ele morreu, de que nĂŁo es­tamos sendo vĂ­timas de uma mentira.

Gilson sorriu e respondeu:


- Concordo. Precisamos saber o que aconteceu a ele. AmanhĂŁ mesmo vamos pesquisar, tentar descobrir. Se ele estĂĄ morto, deve existir uma prova qualquer em algum lugar, um atestado de Ăłbito, um tĂșmulo.

- Isso mesmo. Vamos investigar. É importante para nossa família.
Eles continuaram conversando com LĂ­dia sentados na sala, fazendo perguntas sobre mediunidade e vida apĂłs a morte com muito interesse.

Naquela noite, deitada na cama ao lado do ma­rido, Geni abraçou-se a ele trocando ideias sobre o que teria acontecido ao filho, imaginando como ele teria morrido.



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