A partir daquela noite, as reuniões na casa de Lídia ficaram muito concorridas. Todos tinham interesse em comparecer, esperando que Marina voltasse para continuar a história da família, como havia prometido. Ela, porém, não comparecia.
Os
negócios estavam prosperando. A casa de Margarida estava sendo construída e
eles sentiam-se muito felizes.
A empresa de Duarte e Jair ia formando uma carteira
razoável de compradores de seus produtos e eles, confiantes, dedicavam-se com
garra e disposição.
Jair viajava por outras capitais, distribuindo amostras
dos produtos, conquistando novos clientes. Nessas viagens, levava livros
espiritualistas que Gilson lhe emprestava, e, à noite, no hotel, mergulhava na
leitura.
Quando
regressava, discutia com Gilson suas dúvidas, interessado em encontrar
comprovações e esclarecer-se. Ao chegar, a primeira pergunta que fazia era se
Marina tinha comparecido às sessões e contado o restante da história.
Ele
esperava que ela pudesse dar-lhes uma pista para que descobrissem como Neto
morrera.
Gilson
tinha contratado um detetive especializado em procurar pessoas desaparecidas e
não media esforços para auxiliá-lo no que precisasse.
Estava
difícil. A única pista era o hotel onde ele havia trabalhado, porém lá ninguém
sabia de nada. Os anos tinham passado, o hotel tinha sido vendido, os
funcionários eram outros. Procuraram nos arquivos policiais, na lista de óbitos
da prefeitura, não encontraram nada. Mesmo assim, por causa da insistência de Geni e de Jair, continuavam pesquisando.
Dois
meses depois, Jair precisava
viajar para o sul na segunda-feira, mas protelou a viagem para quinta-feira
para poder comparecer à sessão na casa de Lídia.
Durante
a reunião, quando o guia espiritual de Estela compareceu dando sua mensagem, Jair pediu-lhe que os ajudasse a
descobrir o que havia acontecido a Neto.
O
espírito respondeu que o caso estava sob os cuidados de abnegados instrutores,
que Jair continuasse
orando em benefício do irmão e confiasse na bondade Divina.
Não
era isso o que ele desejava ouvir e, ao término, retirou-se desanimado. Na
volta, notando sua decepção, Gilson considerou:
- Não
fique triste. As coisas só acontecem na hora certa.
- Ele
deve saber de tudo. O que custava facilitar nossa busca?
- Eles
não agem sem que a vida lhes dê permissão. Respeitam os acontecimentos porque
sabem que eles têm uma razão de ser. Para eles, é mais importante que as
pessoas descubram o próprio caminho, conheçam as leis cósmicas e aprendam como
a vida funciona. Esse é o caminho da evolução.
Jair teve de conformar-se. Gilson emprestou-lhe mais um
livro para ler durante o voo até
Porto Alegre. Mas ele sequer o abriu. Seus pensamentos
tinham voltado no tempo quando muito jovem morara naquela cidade durante algum
tempo.
Lembrou-se
de dois amigos que deixara lá e que nunca mais encontrara. Fora um tempo em que
trabalhara muito, passara dificuldades, mas fizera boas amizades.
O
que teria acontecido com eles? Estariam ainda morando lá? Seria bom
reencontrá-los. Assim que se instalasse no hotel iria procurá-los.
À
noite, consultou a lista telefônica e encontrou o nome de um deles. Ligou. Uma
voz de mulher atendeu e ele perguntou:
- É da
casa do Berto?
- É
sim.
- Posso
falar com ele?
- Um
momento.
Enquanto
esperava, ouviu vozes de crianças conversando, rindo. Pouco depois o amigo
atendeu:
- Quem
está falando?
- Jair. Lembra-se de mim?
- Jair, seu safado. É você mesmo? Não acredito!
- Sou
eu sim. Cheguei hoje, vim a trabalho. Estou de passagem. Senti saudades de
você.
- Por
onde tem andado? Você sumiu... Nunca mais deu notícias.
- Estive fora do Brasil.
Regressei há alguns meses.
- Você
nem pense em ir embora sem vir a minha casa, conhecer minha família.
- Terei
o maior prazer de encontrá-lo, matar as saudades dos velhos tempos.
- Neste
caso vou buscá-lo agora mesmo. Preciso mesmo ter uma conversa com você. Em que
hotel você está?
Jair deu o nome do hotel e disse alegre:
- Estarei
o esperando.
Satisfeito,
Jair tirou
a roupa da mala para não amassar, depois de dar uma vista de olhos no espelho,
desceu e sentou-se no saguão do hotel.
Dez
minutos depois, Berto chegou.
Era um homem alto, encorpado, rosto largo, cabelos crespos, sorriso fácil,
olhos vivos e alegres.
Jair levantou-se, olharam-se e trocaram um abraço apertado.
- Vamos
tomar alguma coisa e conversar - convidou Jair.
Depois
de acomodados, Berto contou
que se casara e tinha um casal de filhos. Formara-se em engenharia civil,
montara uma construtora, tinha uma vida feliz.
Jair colocou-o a par de suas aventuras pelo mundo e o que
estava fazendo em Porto Alegre.
- Por
essa razão não o encontrei. Há uns três anos, mais ou menos, eu o procurei,
precisava muito falar com você.
- Aconteceu
alguma coisa?
- Aconteceu.
Berto hesitou
um pouco depois decidiu:
- Uma
vez você me disse que tinha um irmão mais velho que se chamava Neto.
- É
verdade.
- Eu
sabia! - exclamou ele satisfeito. - Era ele mesmo!
- Você
o conheceu? Onde?
- Aqui
mesmo em Porto Alegre.
- Mas
ele morava no Rio. Tem certeza de que era
ele?
- Era
sim. Eu tinha negócios com um rico empresário cuja filha foi estudar no Rio de
Janeiro e voltou de lá casada com um rapaz chamado Vicente da Silva Neto. Não
era esse o nome dele?
- Era...
Há tempos o estamos procurando. Sabe o endereço dele?
Berto hesitou um pouco depois tornou:
- Infelizmente
ele faleceu de maneira muito triste. Jair segurou o braço do amigo com força:
- Então
ele está morto mesmo. Como foi isso?
- Segundo sei, ele
trabalhava na empresa do sogro e não se dava bem com ele. Parece também que o
casamento não deu muito certo.
- Por quê?
- Não sei bem. Ouvi
comentários de que a esposa era muito ciumenta. Dora era filha única e seu Nivaldo a mimava muito.
Aconteceu que os negócios dele começaram a ir mal e ele culpava o genro. Eles
brigavam muito. Seu irmão chegou a sair de casa algumas vezes. Mas Dora chorava
e seu Nivaldo ia buscá-lo de
volta.
- O Neto tinha um gênio difícil. Sempre de mau humor.
Berto ficou calado durante
alguns segundos e Jair pediu:
- Quero saber tudo. Seja o que for, pode falar.
Berto suspirou e decidiu:
- Está certo. Havia rumores de que seu irmão
desviava dinheiro da empresa. Não sei se é verdade. Alguns dias antes de a
falência ser decretada, seu Nivaldo desapareceu levando a filha, sem dizer
nada para o genro, que ficou sozinho diante da situação. Ninguém nunca soube
para onde foram.
Ele fez ligeira pausa e
continuou:
- Neto tentou fazer o mesmo. Durante a madrugada
apanhou todo dinheiro disponível, arrumou seus pertences e colocou no carro. No
dia seguinte foi encontrado morto dentro do carro, sem nada. A polícia
noticiou como assalto, mas os ladrões nunca foram encontrados.
Jair não conteve a emoção,
olhos marejados disse:
- Eu sabia que ele estava
morto, mas não imaginei que tivesse sido assassinado!
- As pessoas que conviviam
com eles disseram não acreditar que o móvel do crime tenha sido roubo.
- Não? Por quê?
- Seu Nivaldo andava cercado por dois seguranças para
proteção, mas era voz corrente que eles eram seus capangas e faziam serviço
sujo para o patrão.
- Em que lugar meu irmão foi cair...
- Concordo.
Por causa do nome eu desconfiava que ele pudesse ser seu irmão. Tanto que
quando aconteceu, procurei você por toda a parte para lhe contar. Esperando
encontrá-lo guardei alguns jornais da época para lhe mostrar.
- Você
ainda os tem?
- Tenho.
Vamos para minha casa. Minha mulher está nos esperando.
Jair o acompanhou pensativo. Foi
recebido pela esposa do amigo com carinho, brincou com as crianças, conversou
sobre outros assuntos. Enquanto ela cuidava do jantar e dos filhos, Berto levou Jair para
seu escritório nos fundos da casa e entregou-lhe uma pasta onde estavam os
jornais falando do crime.
- Eu gostaria que nosso
encontro fosse feliz, por esse motivo hesitei em dar-lhe essa notícia. Mas depois
pensei que se estivesse em seu lugar, gostaria de saber a verdade.
Então
Jair contou-lhe
nos mínimos detalhes, como tomou conhecimento da morte do irmão e finalizou:
- Depois
desses acontecimentos, eu senti que precisava descobrir a verdade. Tenho pedido
muito a Deus e finalmente hoje a encontrei.
- Eu sou católico e nunca
acreditei em comunicação de espíritos. Agora você balançou minha incredulidade.
Quanto mais penso nisso, mais sinto que depois dessa descoberta passarei a
olhar o mundo de forma diferente.
- Você foi instrumento para
que eu tivesse a prova de que não foi ilusão. Estou certo de que a vida
continua depois da morte e também que nós todos continuaremos vivos no outro
mundo.
Diante disso, só posso agradecer por se incomodar em guardar essas
informações para mim.
A
conversa fluiu alegre, ambos falando dos projetos futuros. Quando Berto levou Jair de volta ao hotel, a amizade
deles tinha se fortalecido e ambos prometeram dali para a frente continuar
mantendo contato.
Jair chegou ao hotel
passava das onze. Sentia vontade de ligar para casa e contar a novidade. Mas
pensando melhor decidiu falar primeiro com Gilson.
Ainda não sabia se deveria
contar aos pais como Neto morrera. Talvez fosse melhor tentar amenizar os
fatos.
Ligou para Gilson que
atendeu logo. Depois dos cumprimentos, Jair contou-lhe tudo e finalizou:
- Ainda estou emocionado. A
verdade apareceu sem que eu precisasse fazer nada.
- É assim mesmo. Quando
chega a hora a vida age. Nós temos nos esforçado para manter a confiança
fazendo nosso melhor.
- Eu acreditei no que os
espíritos disseram. Às vezes um pensamento de dúvida aparecia e eu me esforçava
em mandá-lo embora. Mas depois do que aconteceu hoje, nunca mais esse
pensamento vai me incomodar. Agora entendo por que você e Jacira são tão
confiantes. É que já chegaram à certeza.
- Essa certeza nos dá força
para enfrentarmos os desafios do caminho com disposição e coragem. Tudo está
certo. A vida age sempre para o melhor.
Jair suspirou satisfeito e
respondeu:
- Apesar de lamentar o que aconteceu com Neto, sinto-me
feliz por ter essa certeza. O
que me emociona é descobrir que a vida está cuidando de mim o tempo todo e
dispondo os fatos conforme minha necessidade. Não é incrível?
Gilson riu bem-humorado e respondeu:
- Você esqueceu o fato de que somos filhos de Deus?
No dia seguinte, logo
cedo, Gilson foi ao ateliê
procurar
Jacira. Ela tinha acabado de chegar e recebeu-o
com
prazer. Estava bonita dentro de um vestido vermelho muito elegante e ele
comentou:
- Você está cada dia mais bonita. Qual é seu segredo?
Rosto corado de prazer ela
respondeu:
- Alegria de viver. Estou de bem com a vida!
- E ela retribui fazendo-a
florescer. Jacira emocionou-se e tentou dissimular:
- O
que o trouxe aqui tão cedo?
- Tenho
uma novidade. Jair ligou
ontem à noite.
- Pelo
brilho de seus olhos deve ser alguma notícia boa. Ele fez algum grande
negócio?
- Não
se trata disso. Ele teve notícias de seu irmão.
- Até
que enfim! Encontrou uma pista?
-Melhor.
Ficou sabendo como ele morreu e quando.
- Sente-se,
Gilson, quero saber tudo nos mínimos detalhes.
Sentados
um diante do outro, Gilson colocou-a a par de tudo. Olhos cheios de lágrimas
Jacira acompanhava o desenrolar dos fatos com muita emoção.
- Agora
dá para saber por que ele veio até nós pedir ajuda - finalizou ele.
Jacira,
cabeça baixa, lutava para controlar a emoção sem conseguir. Os soluços romperam
a barreira e ela curvou-se chorando copiosamente.
Gilson
aproximou-se, ofereceu-lhe um lenço e ela tentou enxugar o rosto. Penalizado,
ele passou o braço sobre os ombros dela que se levantou e o abraçou. Rosto
mergulhado nos seus cabelos, sentindo o perfume gostoso que vinha dela,
apertou-a de encontro ao peito.
Aos
poucos ela foi serenando, mas de vez em quando estremecia tentando conter a catarse.
Gilson não se conteve e colou os lábios nos dela com amor.
Jacira
deixou-se envolver na forte emoção e não pensou em mais nada, a não ser em
viver aquele momento há tanto tempo imaginado.
Beijaram-se
várias vezes, depois ela afastou-se um pouco dizendo baixinho:
- Desculpe.
Não consegui me conter.
Ele
fixou os olhos nos dela e beijou-a novamente.
- Não
adianta tentar, Jacira. É mais forte do que nós. Venha, vamos nos sentar no
sofá.
Depois de acomodados ele
continuou:
- Senti-me
atraído por você desde o
primeiro dia. Esse sentimento foi crescendo e hoje não consegui me conter. Diga
que também me quer.
- Você me atraiu também
desde o começo. Eu esperava que demonstrasse. Mas se em algum momento você
parecia interessado, em seguida mostrava-se
indiferente,
dando a impressão de que não queria gostar de mim. Quando agia assim, eu sentia
que havia alguma coisa que o impedia de manifestar seu afeto. Por fim, imaginei que seu interesse não era grande
o bastante para termos um relacionamento.
- Você sentiu que eu guardo
um segredo doloroso no coração. Mas hoje, sinto que a amo mais do que tudo.
Quero casar com você, viver para sempre a seu lado.
Beijaram-se
novamente e Gilson continuou:
- Vou abrir meu coração sobre os acontecimentos do
passado que infelicitaram minha juventude e me fizeram acreditar que a
felicidade neste mundo tinha se tornado impossível para mim.
Olhando nos olhos dela com
carinho Gilson falou sobre seu relacionamento com Marília, a dor que sentiu ao
enfrentar sua morte prematura e a dificuldade que teve para reassumir sua vida.
E concluiu:
- somos eternos, a beleza de
saber que apesar dos desafios não estamos sós, confortou-me, fez-me aceitar os fatos de forma
menos dolorosa.
- Posso avaliar. Essa
certeza também mudou completamente minha vida. De uma mulher deprimida, que se
vitimava, sem futuro nem alegria de viver, tornei-me o que sou hoje. Não vou negar que precisei lutar
para jogar fora crenças que alimentei durante toda a minha vida. Mas o
resultado valeu a pena.
- Eu reagi. Nos primeiros
tempos foi difícil jogar fora meus projetos
de
felicidade. Mergulhei nos estudos e no
trabalho para fugir das lembranças. Mas, aos poucos, voltei a ter prazer de
cuidar de mim, de sentir-me de bem com a vida. Só não tinha conseguido amar
outra vez.
Gilson,
olhos perdidos em um ponto indefinido, falava com sinceridade. Jacira ouvia com
interesse e ele prosseguiu:
- Conheci
outras mulheres, tentei me interessar, mas os relacionamentos não iam adiante.
Meus pais me estimulavam a refazer a vida, a construir uma família, desejando
que eu fosse mais feliz. Mas eu não conseguia amar ninguém, condição essencial
para assumir uma relação. Então, conformei-me a continuar sendo um solteirão,
tirando da vida o que ela estava podendo me dar.
- Por
esse motivo é que você se retraía quando notava que eu poderia estar gostando
de você?
- É.
Eu tinha receio de não poder levar uma relação adiante e decepcioná-la. Antes
de conhecê-la, Jair falava
sobre você com pena, apresentando-me a figura de uma mulher derrotada, incapaz.
Você apareceu diferente, vencedora, cheia de vida. Essa mudança causou-me
forte impressão e uma grande admiração.
Ele
fez uma pausa, respirou fundo e, olhando firme nos olhos dela, prosseguiu:
- No
começo eu temia confundir admiração com amor. Mas aos poucos fui percebendo que
sua proximidade me emocionava. Sentia vontade de beijá-la, de tomá-la em meus
braços. Houve momentos em que foi difícil controlar esses impulsos. Mas hoje
senti que não podia mais resistir.
- Tem
certeza dos seus sentimentos?
Ele
passou a mão levemente acariciando o rosto dela, beijou delicadamente seus
lábios:
- Sim.
Quer se casar comigo?
- Quero.
Eu também o amo e admiro. Estou certa de que seremos muito felizes.
Ele
beijou-a longamente e permaneceram abraçados, desfrutando do prazer daquele
momento de cumplicidade e de amor.
Dois
meses depois, Jair precisava
viajar para o sul na segunda-feira, mas protelou a viagem para quinta-feira
para poder comparecer à sessão na casa de Lídia.
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