quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Capítulo 25
A partir daquela noite, as reuniões na casa de Lídia ficaram muito concorridas. Todos tinham inte­resse em comparecer, esperando que Marina voltasse para continuar a história da família, como havia pro­metido. Ela, porém, não comparecia.


Os negócios estavam prosperando. A casa de Margarida estava sendo construída e eles sentiam-se muito felizes.

A empresa de Duarte e Jair ia for­mando uma carteira razoável de compradores de seus produtos e eles, confiantes, dedicavam-se com garra e disposição.


Jair viajava por outras capitais, distribuindo amos­tras dos produtos, conquistando novos clientes. Nessas viagens, levava livros espiritualistas que Gilson lhe em­prestava, e, à noite, no hotel, mergulhava na leitura.


Quando regressava, discutia com Gilson suas dú­vidas, interessado em encontrar comprovações e es­clarecer-se. Ao chegar, a primeira pergunta que fazia era se Marina tinha comparecido às sessões e contado o restante da história.


Ele esperava que ela pudesse dar-lhes uma pista para que descobrissem como Neto morrera.


Gilson tinha contratado um detetive especializado em procurar pessoas desaparecidas e não media es­forços para auxiliá-lo no que precisasse.


Estava difícil. A única pista era o hotel onde ele havia trabalhado, porém lá ninguém sabia de nada. Os anos tinham passado, o hotel tinha sido vendido, os funcionários eram outros. Procuraram nos arquivos policiais, na lista de óbitos da prefeitura, não encon­traram nada. Mesmo assim, por causa da insistência de Geni e de Jair, continuavam pesquisando. 
 

Dois meses depois, Jair precisava viajar para o sul na segunda-feira, mas protelou a viagem para quinta-feira para poder comparecer à sessão na casa de Lídia. 
 

Durante a reunião, quando o guia espiritual de Estela compareceu dando sua mensagem, Jair pediu-lhe que os ajudasse a descobrir o que havia acontecido a Neto.


O espírito respondeu que o caso estava sob os cuidados de abnegados instrutores, que Jair conti­nuasse orando em benefício do irmão e confiasse na bondade Divina.

Não era isso o que ele desejava ouvir e, ao tér­mino, retirou-se desanimado. Na volta, notando sua decepção, Gilson considerou:

-  Não fique triste. As coisas só acontecem na hora certa.

-  Ele deve saber de tudo. O que custava facilitar nossa busca?

-  Eles não agem sem que a vida lhes dê per­missão. Respeitam os acontecimentos porque sabem que eles têm uma razão de ser. Para eles, é mais im­portante que as pessoas descubram o próprio caminho, conheçam as leis cósmicas e aprendam como a vida funciona. Esse é o caminho da evolução.

Jair teve de conformar-se. Gilson emprestou-lhe mais um livro para ler durante o voo até Porto Alegre. Mas ele sequer o abriu. Seus pensamentos tinham voltado no tempo quando muito jovem morara na­quela cidade durante algum tempo.

Lembrou-se de dois amigos que deixara lá e que nunca mais encontrara. Fora um tempo em que tra­balhara muito, passara dificuldades, mas fizera boas amizades.

O que teria acontecido com eles? Estariam ainda morando lá? Seria bom reencontrá-los. Assim que se instalasse no hotel iria procurá-los.

À noite, consultou a lista telefônica e encon­trou o nome de um deles. Ligou. Uma voz de mulher atendeu e ele perguntou:

-  É da casa do Berto?

-  É sim.

-  Posso falar com ele?

-  Um momento.

Enquanto esperava, ouviu vozes de crianças con­versando, rindo. Pouco depois o amigo atendeu:

-  Quem está falando?

-  Jair. Lembra-se de mim?

-  Jair, seu safado. É você mesmo? Não acredito!

- Sou eu sim. Cheguei hoje, vim a trabalho. Estou de passagem. Senti saudades de você.

-  Por onde tem andado? Você sumiu... Nunca mais deu notícias.

- Estive fora do Brasil. Regressei há alguns meses.

-  Você nem pense em ir embora sem vir a minha casa, conhecer minha família.

-  Terei o maior prazer de encontrá-lo, matar as saudades dos velhos tempos. 

-  Neste caso vou buscá-lo agora mesmo. Preciso mesmo ter uma conversa com você. Em que hotel você está?


Jair deu o nome do hotel e disse alegre:

- Estarei o esperando.

Satisfeito, Jair tirou a roupa da mala para não amassar, depois de dar uma vista de olhos no espelho, desceu e sentou-se no saguão do hotel.

Dez minutos depois, Berto chegou. Era um homem alto, encorpado, rosto largo, cabelos crespos, sorriso fácil, olhos vivos e alegres.

Jair levantou-se, olharam-se e trocaram um abraço apertado.

- Vamos tomar alguma coisa e conversar - con­vidou Jair.

Depois de acomodados, Berto contou que se ca­sara e tinha um casal de filhos. Formara-se em en­genharia civil, montara uma construtora, tinha uma vida feliz.

Jair colocou-o a par de suas aventuras pelo mundo e o que estava fazendo em Porto Alegre.

-  Por essa razão não o encontrei. Há uns três anos, mais ou menos, eu o procurei, precisava muito falar com você.

-  Aconteceu alguma coisa?

-  Aconteceu.

Berto hesitou um pouco depois decidiu:

-  Uma vez você me disse que tinha um irmão mais velho que se chamava Neto.

-  É verdade.

-  Eu sabia! - exclamou ele satisfeito. - Era ele mesmo!
-  Você o conheceu? Onde?

-  Aqui mesmo em Porto Alegre.

-  Mas ele morava no Rio. Tem certeza de que era
ele?

-  Era sim. Eu tinha negócios com um rico empre­sário cuja filha foi estudar no Rio de Janeiro e voltou de lá casada com um rapaz chamado Vicente da Silva Neto. Não era esse o nome dele?

-  Era... Há tempos o estamos procurando. Sabe o endereço dele?

Berto hesitou um pouco depois tornou:

-   Infelizmente ele faleceu de maneira muito triste. Jair segurou o braço do amigo com força:

-   Então ele está morto mesmo. Como foi isso?

- Segundo sei, ele trabalhava na empresa do sogro e não se dava bem com ele. Parece também que o casamento não deu muito certo.

-   Por quê?

-   Não sei bem. Ouvi comentários de que a esposa era muito ciumenta. Dora era filha única e seu Nivaldo a mimava muito. 

Aconteceu que os negócios dele co­meçaram a ir mal e ele culpava o genro. Eles brigavam muito. Seu irmão chegou a sair de casa algumas vezes. Mas Dora chorava e seu Nivaldo ia buscá-lo de volta. 

-   O Neto tinha um gênio difícil. Sempre de mau humor.

Berto ficou calado durante alguns segundos e Jair pediu:
- Quero saber tudo. Seja o que for, pode falar. Berto suspirou e decidiu:

- Está certo. Havia rumores de que seu irmão desviava dinheiro da empresa. Não sei se é verdade. Alguns dias antes de a falência ser decretada, seu Ni­valdo desapareceu levando a filha, sem dizer nada para o genro, que ficou sozinho diante da situação. Ninguém nunca soube para onde foram.

Ele fez ligeira pausa e continuou:

- Neto tentou fazer o mesmo. Durante a madru­gada apanhou todo dinheiro disponível, arrumou seus pertences e colocou no carro. No dia seguinte foi en­contrado morto dentro do carro, sem nada. A polícia noticiou como assalto, mas os ladrões nunca foram encontrados.

Jair não conteve a emoção, olhos marejados disse:

-  Eu sabia que ele estava morto, mas não ima­ginei que tivesse sido assassinado!

-  As pessoas que conviviam com eles disseram não acreditar que o móvel do crime tenha sido roubo.

- Não? Por quê?

- Seu Nivaldo andava cercado por dois seguranças para proteção, mas era voz corrente que eles eram seus capangas e faziam serviço sujo para o patrão.

- Em que lugar meu irmão foi cair...

- Concordo. Por causa do nome eu desconfiava que ele pudesse ser seu irmão. Tanto que quando aconteceu, procurei você por toda a parte para lhe contar. Esperando encontrá-lo guardei alguns jornais da época para lhe mostrar.

- Você ainda os tem?

- Tenho. Vamos para minha casa. Minha mulher está nos esperando.
Jair o acompanhou pensativo. Foi recebido pela es­posa do amigo com carinho, brincou com as crianças, conversou sobre outros assuntos. Enquanto ela cui­dava do jantar e dos filhos, Berto levou Jair para seu escritório nos fundos da casa e entregou-lhe uma pasta onde estavam os jornais falando do crime.

- Eu gostaria que nosso encontro fosse feliz, por esse motivo hesitei em dar-lhe essa notícia. Mas de­pois pensei que se estivesse em seu lugar, gostaria de saber a verdade.

Então Jair contou-lhe nos mínimos detalhes, como tomou conhecimento da morte do irmão e finalizou:

- Depois desses acontecimentos, eu senti que precisava descobrir a verdade. Tenho pedido muito a Deus e finalmente hoje a encontrei.
- Eu sou católico e nunca acreditei em comuni­cação de espíritos. Agora você balançou minha incre­dulidade. Quanto mais penso nisso, mais sinto que depois dessa descoberta passarei a olhar o mundo de forma diferente. 
 

- Você foi instrumento para que eu tivesse a prova de que não foi ilusão. Estou certo de que a vida continua depois da morte e também que nós todos continuaremos vivos no outro mundo. 

Diante disso, só posso agradecer por se incomodar em guardar essas informações para mim.


A conversa fluiu alegre, ambos falando dos pro­jetos futuros. Quando Berto levou Jair de volta ao hotel, a amizade deles tinha se fortalecido e ambos prome­teram dali para a frente continuar mantendo contato.

Jair chegou ao hotel passava das onze. Sentia vontade de ligar para casa e contar a novidade. Mas pensando melhor decidiu falar primeiro com Gilson.

Ainda não sabia se deveria contar aos pais como Neto morrera. Talvez fosse melhor tentar amenizar os fatos.

Ligou para Gilson que atendeu logo. Depois dos cumprimentos, Jair contou-lhe tudo e finalizou:

-   Ainda estou emocionado. A verdade apareceu sem que eu precisasse fazer nada.

-   É assim mesmo. Quando chega a hora a vida age. Nós temos nos esforçado para manter a confiança fazendo nosso melhor.

-   Eu acreditei no que os espíritos disseram. Às vezes um pensamento de dúvida aparecia e eu me esforçava em mandá-lo embora. Mas depois do que aconteceu hoje, nunca mais esse pensamento vai me incomodar. Agora entendo por que você e Jacira são tão confiantes. É que já chegaram à certeza.

-   Essa certeza nos dá força para enfrentarmos os desafios do caminho com disposição e coragem. Tudo está certo. A vida age sempre para o melhor.

Jair suspirou satisfeito e respondeu:

- Apesar de lamentar o que aconteceu com Neto, sinto-me feliz por ter essa certeza. O que me emo­ciona é descobrir que a vida está cuidando de mim o tempo todo e dispondo os fatos conforme minha ne­cessidade. Não é incrível?

Gilson riu bem-humorado e respondeu:

- Você esqueceu o fato de que somos filhos de Deus?

No dia seguinte, logo cedo, Gilson foi ao ateliê pro­curar Jacira. Ela tinha acabado de chegar e recebeu-o com prazer. Estava bonita dentro de um vestido ver­melho muito elegante e ele comentou:
- Você está cada dia mais bonita. Qual é seu se­gredo?

Rosto corado de prazer ela respondeu:

- Alegria de viver. Estou de bem com a vida!

- E ela retribui fazendo-a florescer. Jacira emocionou-se e tentou dissimular:

-   O que o trouxe aqui tão cedo?

-   Tenho uma novidade. Jair ligou ontem à noite.

- Pelo brilho de seus olhos deve ser alguma no­tícia boa. Ele fez algum grande negócio?

-  Não se trata disso. Ele teve notícias de seu irmão. 

-  Até que enfim! Encontrou uma pista?


-Melhor. Ficou sabendo como ele morreu e quando.

- Sente-se, Gilson, quero saber tudo nos mínimos detalhes.

Sentados um diante do outro, Gilson colocou-a a par de tudo. Olhos cheios de lágrimas Jacira acompa­nhava o desenrolar dos fatos com muita emoção.

- Agora dá para saber por que ele veio até nós pedir ajuda - finalizou ele.

Jacira, cabeça baixa, lutava para controlar a emoção sem conseguir. Os soluços romperam a bar­reira e ela curvou-se chorando copiosamente.

Gilson aproximou-se, ofereceu-lhe um lenço e ela tentou enxugar o rosto. Penalizado, ele passou o braço sobre os ombros dela que se levantou e o abraçou. Rosto mergulhado nos seus cabelos, sentindo o per­fume gostoso que vinha dela, apertou-a de encontro ao peito.
Aos poucos ela foi serenando, mas de vez em quando estremecia tentando conter a catarse. Gilson não se conteve e colou os lábios nos dela com amor.

Jacira deixou-se envolver na forte emoção e não pensou em mais nada, a não ser em viver aquele mo­mento há tanto tempo imaginado.

Beijaram-se várias vezes, depois ela afastou-se um pouco dizendo baixinho:

- Desculpe. Não consegui me conter.

Ele fixou os olhos nos dela e beijou-a novamente.

- Não adianta tentar, Jacira. É mais forte do que nós. Venha, vamos nos sentar no sofá.

Depois de acomodados ele continuou:

-  Senti-me atraído por você desde o primeiro dia. Esse sentimento foi crescendo e hoje não consegui me conter. Diga que também me quer.

-  Você me atraiu também desde o começo. Eu es­perava que demonstrasse. Mas se em algum momento você parecia interessado, em seguida mostrava-se in­diferente, dando a impressão de que não queria gostar de mim. Quando agia assim, eu sentia que havia al­guma coisa que o impedia de manifestar seu afeto. Por fim, imaginei que seu interesse não era grande o bastante para termos um relacionamento.

-  Você sentiu que eu guardo um segredo dolo­roso no coração. Mas hoje, sinto que a amo mais do que tudo. Quero casar com você, viver para sempre a seu lado.

Beijaram-se novamente e Gilson continuou:

- Vou abrir meu coração sobre os acontecimentos do passado que infelicitaram minha juventude e me fizeram acreditar que a felicidade neste mundo tinha se tornado impossível para mim.
Olhando nos olhos dela com carinho Gilson falou sobre seu relacionamento com Marília, a dor que sentiu ao enfrentar sua morte prematura e a dificuldade que teve para reassumir sua vida. E concluiu:

Se eu não tivesse ido procurar Chico Xavier, recebido a mensagem de Marília, talvez minha vida ti­vesse sido diferente. Todavia, a certeza de que
-    somos eternos, a beleza de saber que apesar dos desafios não estamos sós, confortou-me, fez-me aceitar os fatos de forma menos dolorosa.

-    Posso avaliar. Essa certeza também mudou completamente minha vida. De uma mulher depri­mida, que se vitimava, sem futuro nem alegria de viver, tornei-me o que sou hoje. Não vou negar que precisei lutar para jogar fora crenças que alimentei du­rante toda a minha vida. Mas o resultado valeu a pena.

-    Eu reagi. Nos primeiros tempos foi difícil jogar fora meus projetos de felicidade. Mergulhei nos estudos e no trabalho para fugir das lembranças. Mas, aos poucos, voltei a ter prazer de cuidar de mim, de sentir-me de bem com a vida. Só não tinha conseguido amar outra vez.

Gilson, olhos perdidos em um ponto indefinido, falava com sinceridade. Jacira ouvia com interesse e ele prosseguiu:

-   Conheci outras mulheres, tentei me interessar, mas os relacionamentos não iam adiante. Meus pais me estimulavam a refazer a vida, a construir uma fa­mília, desejando que eu fosse mais feliz. Mas eu não conseguia amar ninguém, condição essencial para as­sumir uma relação. Então, conformei-me a continuar sendo um solteirão, tirando da vida o que ela estava podendo me dar.

-   Por esse motivo é que você se retraía quando notava que eu poderia estar gostando de você?

-   É. Eu tinha receio de não poder levar uma re­lação adiante e decepcioná-la. Antes de conhecê-la, Jair falava sobre você com pena, apresentando-me a figura de uma mulher derrotada, incapaz.

Você apa­receu diferente, vencedora, cheia de vida. Essa mudança causou-me forte impressão e uma grande admiração.

Ele fez uma pausa, respirou fundo e, olhando firme nos olhos dela, prosseguiu:

- No começo eu temia confundir admiração com amor. Mas aos poucos fui percebendo que sua proximi­dade me emocionava. Sentia vontade de beijá-la, de tomá-la em meus braços. Houve momentos em que foi difícil controlar esses impulsos. Mas hoje senti que não podia mais resistir.

- Tem certeza dos seus sentimentos?

Ele passou a mão levemente acariciando o rosto dela, beijou delicadamente seus lábios:

- Sim. Quer se casar comigo?

- Quero. Eu também o amo e admiro. Estou certa de que seremos muito felizes.

Ele beijou-a longamente e permaneceram abra­çados, desfrutando do prazer daquele momento de cumplicidade e de amor.



Dois meses depois, Jair precisava viajar para o sul na segunda-feira, mas protelou a viagem para quinta-feira para poder comparecer à sessão na casa de Lídia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário