Depois que a emoção
serenou, eles se lembraram de que precisavam contar aos pais dela o que Jair
descobrira sobre Neto.
- Como você acha que d. Geni vai receber a notícia?
- Vai ficar chocada.
- Neste caso, talvez seja
melhor não mostrar-lhe os jornais nem dizer como
ele morreu. Afinal, saber esse detalhe não vai mudar a realidade. Será mais
fácil para ela se conformar.
- Mamãe ficou chocada quando
soube que ele havia morrido.
Ouvir essa notícia pela comunicação de um espírito
sempre pode deixar alguma dúvida, principalmente para ela que nunca teve
experiências a respeito. Mas ter a certeza de que Neto morreu, saber até onde
está enterrado, é a confirmação do fato. Não há mais como duvidar. Não vai ser
fácil para ela.
- Tem razão. Não
mencionaremos os fatos negativos, nem como ele morreu.
- É
melhor mesmo.
- O
que você acha de irmos agora mesmo a sua casa?
Depois
de bater levemente na porta, Margarida entrou e vendo-os abraçados parou
constrangida.
- Que
bom que apareceu, Margarida! - tornou Jacira sorrindo. - Entre!
- Bom
dia, Gilson. Desculpe entrar assim. Não sabia que estava aqui.
- Bom dia! Temos muitas coisas
para lhe contar. Os olhos dela brilharam maliciosos, ela aproximou-se:
- Será
o que estou pensando?
- Isso
e muito mais - respondeu Jacira sorrindo. - Gilson me pediu em casamento e eu
aceitei.
Margarida
abraçou a ambos com alegria:
- Até
que enfim! Pensei que você nunca fosse se declarar!
- Era
tão evidente assim?
- Claro!
Bastava ver como seus olhos brilhavam quando ela aparecia. Já marcaram a data?
Foi
ele quem respondeu:
- Ainda
não. Mas para mim será o mais breve possível. O que me diz, Jacira?
- Concordo.
Mas antes de escolher a data, gostaria de contar a minha família.
- Estamos
indo a sua casa falar com seus pais sobre Neto e eu vou aproveitar para pedir
sua mão.
- Tiveram
notícias de seu irmão?
Jacira contou-lhe o que Jair havia descoberto e depois de
ouvir com atenção, Margarida comentou:
- Acho
que vou começar a ir às sessões de Lídia! Depois dessa descoberta, não há mais
como duvidar da intervenção dos espíritos em nossa vida.
- Ela
sempre convida e você nunca vai.
- Pode
esperar que vamos começar a ir. Dorival gosta, Marta também. Está na hora de
Marinho aprender um pouco sobre espiritualidade.
- Eu
gostaria de ir agora falar com mamãe. Não tenho nada importante marcado em
minha agenda, mas se aparecer algum fornecedor, você pode atender?
- Deixe
comigo. Vá e demore o quanto quiser. Vocês dois deveriam tirar o dia para
comemorar. Ester e eu daremos conta de tudo.
Jacira
apanhou a bolsa e ambos saíram de mãos dadas sob o olhar carinhoso de
Margarida. Ao passarem pela recepção, acenaram para Ester, que os olhou
surpreendida, saíram.
Ao
entrarem na casa de Jacira, Geni estava na cozinha preparando o almoço, Aristides no quintal cuidando da
horta e Maria Lúcia na sala arrumando flores no vaso.
Vendo-os
entrar aproximou-se:
- Estava
cuidando da sala. Não os esperava. Alguma novidade?
- Sim
- respondeu Jacira -, mamãe deve estar na cozinha. Papai está em casa?
- Está
no quintal.
- Vá
chamá-los, por favor.
Ela
saiu e os dois acomodaram-se no sofá. Pouco depois Maria Lúcia voltou com eles.
Gilson levantou-se para cumprimentá-los.
- Temos
novidade - disse Jacira.
- O
que aconteceu? - indagou Geni preocupada.
- Jair teve notícias do Neto. É
melhor se sentarem. Maria Lúcia fez menção de retirar-se, mas Jacira
completou:
- Você
também.
Geni sentia as pernas bambas e Aristides ajudou-a a acomodar-se ao lado dele no sofá.
- O
que ele descobriu?
Jacira
fez uma pausa escolhendo as palavras. Pelo tom de sua voz, notava-se que estava
tensa.
- O
que os espíritos disseram é verdade. Infelizmente Neto está morto.
Geni levantou-se nervosa:
- Como
assim? Tem certeza mesmo?
- Sim.
Ele morreu em Porto
Alegre e seu corpo está enterrado lá.
Aristides levantou-se, abraçou-a e fê-la sentar-se novamente.
Ela soluçava desconsolada. Maria Lúcia observava calada e triste.
Aos
poucos ela foi parando de chorar e levantou o rosto dizendo:
- Quero
saber os detalhes, tudo que aconteceu. Jacira contou como Jair reencontrara Berto e ele
lhe
falou sobre Neto. Contou que ele se casou, deixou o hotel no Rio de Janeiro,
mudou-se para Porto Alegre e foi trabalhar na empresa do sogro. Ao que Geni comentou:
- Então
ele ficou bem de vida. Por que será que nunca nos procurou? Ele poderia ter nos
comunicado seu casamento. Teve filhos? Jair conheceu a viúva?
- Não.
Neto não teve filhos. O sogro dele vendeu tudo e foi embora da cidade depois
que Neto morreu. Berto não
sabe para onde foram.
- Que coisa estranha! Aristides interveio:
- O
Neto não merece suas lágrimas. É um ingrato. Sabia que estávamos lutando muito
para sobreviver. Quando ficou bem de vida não pensou em nós.
- Pai,
não vamos julgar. Nós não sabemos as dificuldades que ele passou, nem como
morreu. Quando ele veio em espírito, disse que errou muito nesta vida,
arrependeu-se. Pediu-nos perdão. Nunca foi feliz e ainda não está bem.
Geni interveio:
- Era
meu filho e eu o amo muito. Estou sofrendo por saber que ele morreu longe do
meu carinho. Pode ter ficado doente, não ter sido bem cuidado.
- Ele
tinha a esposa - tornou Aristides.
- Por
mais que a esposa o tenha amado, nunca será igual ao meu amor de mãe. Eu faria
tudo para que ele não morresse.
- Quando
chega a hora, ninguém pode evitar -disse Aristides.
Jacira olhou para Gilson
sem saber o que dizer. Reconhecia que, mesmo no tempo em que Geni vivera mais
alienada, nunca esquecera os filhos.
Gilson tomou a palavra:
- A senhora tem todo direito de expressar a sua dor. Mas é bom lembrar-se
de que a morte não é o fim. A
vida continua e seu filho está agora aprendendo a tornar-se
uma pessoa melhor. Ele está sob
a proteção de espíritos bondosos, foi levado para um lugar onde terá como recuperar-se.
Sei que a senhora deseja muito
que ele vença suas dificuldades, encontre a serenidade e sinta-se
mais feliz.
Geni suspirou triste:
- É o que eu mais desejo.
- Ele está arrependido.
Neste momento, sabendo que a senhora sofre por ele ter se afastado da família e
não ter lhes dado o apoio que prometera, sente-se
mais
culpado.
Geni olhou-o assustada:
- Não é isso o que eu quero.
- Mas é isso que está
acontecendo. Como acha que ele vai reagir percebendo o quanto a fez sofrer?
Geni não respondeu logo, refletindo sobre as palavras de Gilson. Depois tornou:
- Eu não tinha pensado
nisso. Imaginava que revelando minha tristeza estava demonstrando o quanto eu
o amo e sinto saudades.
- Ele sabe disso. E é por
esse motivo que está sensibilizado por não ter correspondido ao seu afeto como gostaria. Mas tanto a senhora como ele, sabem
que a separação é temporária. Um dia vocês vão se encontrar e poder esclarecer
todos os pontos.
- É verdade, mãe. Apesar de
tudo, nós já temos a certeza de que a vida continua. Essa é uma benção que
devemos agradecer a Deus.
Maria Lúcia, que estivera
calada, manifestou-se:
- Apesar de não ter conhecido meu pai, lamento sua
morte. Não é esse fato que me incomoda. Sei que a vida faz tudo certo e se o
levou de volta foi porque era o melhor. Sei que ele
nos abandonou, mas não me permito julgá-lo. O que me entristece é que minha mãe
não o perdoa. Essa atitude a está fazendo sofrer e impedindo sua recuperação.
Ninguém pode estar em paz conservando o ódio no coração. Minha mãe é uma pessoa
boa, sua atitude não se justifica.
O que eu mais quero é que ela perceba o mal
que está fazendo a si mesma e possa equilibrar-se. Jacira abraçou-a com
carinho:
- A
dor às vezes obstrui o raciocínio. Ela amava seu pai, entregou-se a esse amor
com sinceridade, mas no momento em que esperava apoio e afeto, ele, seduzido
pela ambição, trocou-a por outra. Sentiu-se duplamente rejeitada, sofreu por
ela e mais ainda por você. Tenho impressão de que ela não perdoa o fato de ele
ter abandonado a filha que ela tanto ama.
- Mamãe
sempre foi muito apegada a mim. O tempo todo me superprotegia, querendo
suprir a falta do meu pai. Eu notava isso.
- Temos
que mudar nossa atitude. Você deve jogar fora a tristeza e não olhar essa
situação com preocupação. O que vai ajudar é ficar mais positiva. Confiar na
ajuda espiritual. Lembre-se de sua mãe de maneira mais otimista. Reveja os
momentos de alegria que viveram juntas. Deseje que ela fique bem. Mande-lhe
energias de amor e paz. Vamos contribuir para que ela se refaça.
Maria
Lúcia beijou a face de Jacira com carinho:
- Tem razão. Eu estava agindo
errado. Quando minha mãe morreu, pensei que tivesse ficado sozinha no mundo.
Mas a vida trouxe-me para cá. Pensei ter encontrado amigos generosos que me
aceitaram e deram carinho. Mas encontrei a minha família. Meus avós, tios.
Tudo
que nunca pensei que teria. Entendi que a vida cuida de nós e sempre nos apoia.
Não vou mais ficar triste. De agora em diante vou confiar. Assim como a vida
cuidou de mim com tanto carinho, também vai cuidar de minha mãe.
Geni e Aristides juntaram-se a elas no mesmo abraço emocionados por suas
palavras. Depois, Aristides pediu a Maria Lúcia:
- Estamos precisando de um café. Não quer providenciar?
- Vou agora mesmo.
Ela deixou a sala e
Gilson, que se sentara novamente, tornou:
- Há ainda outro assunto que eu desejo conversar com vocês.
Aristides se interessou:
- Quer que eu visite alguns
fregueses enquanto Jair está fora?
- Sua ajuda é sempre bem-vinda. Podemos conversar sobre isso mais tarde. Nosso
assunto é outro.
Vendo que os dois sentados
no sofá olhavam atentos, Gilson continuou:
- Acho que nos conhecemos bem, portanto vou direto
ao assunto. Eu e Jacira nos
gostamos, queremos nos casar, pedimos que nos abençoe.
Os dois não esconderam a
surpresa e Aristides respondeu satisfeito:
- Tem todo nosso apoio. Serei muito feliz em tê-lo
em nossa família.
Maria Lúcia, que voltara
com a bandeja de café, colocou-a
sobre a
mesa e aproximou-se:
- Eu sabia! Até que enfim criaram coragem para
decidir. Em vez do café é melhor buscar uma champanhe. Temos que comemorar!
Geni muito emocionada
perguntou:
- Pensam em se casar logo?
- Sim. O mais breve
possível! Geni olhou para Jacira:
- Você também vai nos
abandonar?
- Você sabe que não. Ainda
não programamos os detalhes. Mas queremos ter a nossa própria casa.
- Isso mesmo - concordou Gilson -, mas nos instalaremos perto e continuaremos sempre
juntos.
- Além
do que sua neta continuará lhes fazendo companhia - completou Jacira.
Maria
Lúcia trouxera uma garrafa de champanhe, Aristides abriu, serviu e cada um apanhou uma taça,
depois ele disse:
- Vamos
brindar pela felicidade dos noivos e que continuemos juntos por muitos anos.
Tocaram
as taças, beberam um
pouco. Depois, Geni levantou
novamente a taça:
- Que
o espírito do Neto, esteja onde estiver, receba nosso carinho e saiba que o
amamos muito. Que ele fique em paz e seja feliz.
- Que
assim seja - murmuraram todos emocionados.
Geni, mais refeita, foi para a cozinha ligar novamente o
fogão e terminar o almoço.
Na
sala, os noivos trocavam ideias sobre
o casamento. Gilson desejava levar Jacira a Minas Gerais para apresentá-la a
sua família e comunicar o noivado.
Depois
do almoço, os dois, sentados no sofá da sala, olhos nos olhos, mãos dadas,
conversavam fazendo projetos para o futuro.
Dois
dias depois, Jair voltou
da viagem. Não encontrando Gilson no apartamento nem na empresa, foi até o
ateliê procurar Jacira e encontrou-o na sala dela.
Depois
dos cumprimentos, Gilson abraçou Jacira contando a novidade. Jair não conteve o entusiasmo.
Deu um sonoro beijo no rosto corado da irmã e abraçou o amigo:
- Esta
foi a melhor notícia que recebi nos últimos tempos. Bem que desconfiei. Você
vivia rodeando Jacira.
Depois
de comentarem sobre o casamento, Jair perguntou:
- Vocês
contaram a mamãe sobre o Neto?
- Sim.
Mas achamos melhor omitir certos detalhes para poupá-la. Mamãe sentiu muito.
- Ela
sabia que Neto tinha morrido.
- Mas
não tinha certeza. Gilson conversou muito com ela, e aos poucos, ela foi se
acalmando.
- E
papai, como reagiu? Ele é mais reservado.
- Embora
tenha se esforçado para parecer durão, deu para perceber que se emocionou.
Mostrou-se magoado por Neto ter nos abandonado. Maria Lúcia, apesar do
entendimento que tem, sentia-se preocupada porque Rosalina não o perdoou.
- Quando
todos ficaram mais calmos, falei que queremos nos casar e eles aprovaram. A
tristeza ficou momentaneamente esquecida, seu pai fez um brinde e tomamos
champanhe - explicou Gilson.
- Foi
melhor do que eu esperava! Pensei encontrar um ambiente de tragédia e encontrei
essa notícia boa! Ainda bem!
- Dá
para perceber que em todos esses acontecimentos, fomos muito auxiliados pelos
nossos amigos espirituais - lembrou Gilson.
- Tem
razão - concordou Jacira.
- Também
acho - completou Jair -,
depois de amanhã é quarta-feira. Estaremos lá para agradecer a Deus.
Fez ligeira pausa e continuou:
- E quem sabe o que poderá
acontecer? Tenho esperança de que o espírito de Marina volte para contar-nos o
resto da história, conforme prometeu.
- Isso
só vai acontecer no momento certo -opinou Gilson.
- Quem
pode saber se não será nesta semana? - indagou Jacira sorrindo.
Em seguida, passaram a conversar sobre os negócios
e suas expectativas sobre o futuro.
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