quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Capítulo 26 



Depois que a emoção serenou, eles se lembraram de que precisavam contar aos pais dela o que Jair des­cobrira sobre Neto.


- Como você acha que d. Geni vai receber a notícia?


- Vai ficar chocada.


-  Neste caso, talvez seja melhor não mostrar-lhe os jornais nem dizer como ele morreu. Afinal, saber esse detalhe não vai mudar a realidade. Será mais fácil para ela se conformar.


-  Mamãe ficou chocada quando soube que ele havia morrido. 

Ouvir essa notícia pela comunicação de um espírito sempre pode deixar alguma dúvida, principalmente para ela que nunca teve experiências a respeito. Mas ter a certeza de que Neto morreu, saber até onde está enterrado, é a confirmação do fato. Não há mais como duvidar. Não vai ser fácil para ela.


-  Tem razão. Não mencionaremos os fatos nega­tivos, nem como ele morreu.


- É melhor mesmo.


-   O que você acha de irmos agora mesmo a sua casa?


Depois de bater levemente na porta, Margarida entrou e vendo-os abraçados parou constrangida.


-   Que bom que apareceu, Margarida! - tornou Jacira sorrindo. - Entre!


-   Bom dia, Gilson. Desculpe entrar assim. Não sabia que estava aqui.


- Bom dia! Temos muitas coisas para lhe contar. Os olhos dela brilharam maliciosos, ela apro­ximou-se:


-   Será o que estou pensando?


-   Isso e muito mais - respondeu Jacira sorrindo. - Gilson me pediu em casamento e eu aceitei.


Margarida abraçou a ambos com alegria:


-   Até que enfim! Pensei que você nunca fosse se declarar!

-   Era tão evidente assim?


-   Claro! Bastava ver como seus olhos brilhavam quando ela aparecia. Já marcaram a data?


Foi ele quem respondeu:


-   Ainda não. Mas para mim será o mais breve possível. O que me diz, Jacira?


-   Concordo. Mas antes de escolher a data, gos­taria de contar a minha família.


-   Estamos indo a sua casa falar com seus pais sobre Neto e eu vou aproveitar para pedir sua mão.


-   Tiveram notícias de seu irmão?


Jacira contou-lhe o que Jair havia descoberto e depois de ouvir com atenção, Margarida comentou: 
 

-   Acho que vou começar a ir às sessões de Lídia! Depois dessa descoberta, não há mais como duvidar da intervenção dos espíritos em nossa vida.


-   Ela sempre convida e você nunca vai.

- Pode esperar que vamos começar a ir. Do­rival gosta, Marta também. Está na hora de Marinho aprender um pouco sobre espiritualidade.

- Eu gostaria de ir agora falar com mamãe. Não tenho nada importante marcado em minha agenda, mas se aparecer algum fornecedor, você pode atender?

-  Deixe comigo. Vá e demore o quanto quiser. Vocês dois deveriam tirar o dia para comemorar. Ester e eu daremos conta de tudo.
Jacira apanhou a bolsa e ambos saíram de mãos dadas sob o olhar carinhoso de Margarida. Ao pas­sarem pela recepção, acenaram para Ester, que os olhou surpreendida, saíram.

Ao entrarem na casa de Jacira, Geni estava na cozinha preparando o almoço, Aristides no quintal cui­dando da horta e Maria Lúcia na sala arrumando flores no vaso.

Vendo-os entrar aproximou-se:

-  Estava cuidando da sala. Não os esperava. Al­guma novidade?

-  Sim - respondeu Jacira -, mamãe deve estar na cozinha. Papai está em casa?

-  Está no quintal.

-  Vá chamá-los, por favor.

Ela saiu e os dois acomodaram-se no sofá. Pouco depois Maria Lúcia voltou com eles. Gilson levantou-se para cumprimentá-los.

-  Temos novidade - disse Jacira.

-  O que aconteceu? - indagou Geni preocupada.

- Jair teve notícias do Neto. É melhor se sentarem. Maria Lúcia fez menção de retirar-se, mas Jacira
completou:

- Você também.

Geni sentia as pernas bambas e Aristides ajudou-a a acomodar-se ao lado dele no sofá.

- O que ele descobriu?

Jacira fez uma pausa escolhendo as palavras. Pelo tom de sua voz, notava-se que estava tensa.

- O que os espíritos disseram é verdade. Infeliz­mente Neto está morto.

Geni levantou-se nervosa:

- Como assim? Tem certeza mesmo?

- Sim. Ele morreu em Porto Alegre e seu corpo está enterrado lá.

Aristides levantou-se, abraçou-a e fê-la sentar-se novamente. Ela soluçava desconsolada. Maria Lúcia ob­servava calada e triste.

Aos poucos ela foi parando de chorar e levantou o rosto dizendo:

- Quero saber os detalhes, tudo que aconteceu. Jacira contou como Jair reencontrara Berto e ele
lhe falou sobre Neto. Contou que ele se casou, deixou o hotel no Rio de Janeiro, mudou-se para Porto Alegre e foi trabalhar na empresa do sogro. Ao que Geni comentou:

-   Então ele ficou bem de vida. Por que será que nunca nos procurou? Ele poderia ter nos comunicado seu casamento. Teve filhos? Jair conheceu a viúva?

-   Não. Neto não teve filhos. O sogro dele vendeu tudo e foi embora da cidade depois que Neto morreu. Berto não sabe para onde foram.

- Que coisa estranha! Aristides interveio:

- O Neto não merece suas lágrimas. É um ingrato. Sabia que estávamos lutando muito para sobreviver. Quando ficou bem de vida não pensou em nós.

- Pai, não vamos julgar. Nós não sabemos as dificuldades que ele passou, nem como morreu. Quando ele veio em espírito, disse que errou muito nesta vida, arrependeu-se. Pediu-nos perdão. Nunca foi feliz e ainda não está bem.

Geni interveio:

- Era meu filho e eu o amo muito. Estou sofrendo por saber que ele morreu longe do meu carinho. Pode ter ficado doente, não ter sido bem cuidado.

- Ele tinha a esposa - tornou Aristides.

-   Por mais que a esposa o tenha amado, nunca será igual ao meu amor de mãe. Eu faria tudo para que ele não morresse.

-   Quando chega a hora, ninguém pode evitar -disse Aristides.

Jacira olhou para Gilson sem saber o que dizer. Reconhecia que, mesmo no tempo em que Geni vivera mais alienada, nunca esquecera os filhos.

Gilson tomou a palavra:

- A senhora tem todo direito de expressar a sua dor. Mas é bom lembrar-se de que a morte não é o fim. A vida continua e seu filho está agora aprendendo a tornar-se uma pessoa melhor. Ele está sob a pro­teção de espíritos bondosos, foi levado para um lugar onde terá como recuperar-se. Sei que a senhora de­seja muito que ele vença suas dificuldades, encontre a serenidade e sinta-se mais feliz.

Geni suspirou triste:

-   É o que eu mais desejo.

-   Ele está arrependido. Neste momento, sabendo que a senhora sofre por ele ter se afastado da família e não ter lhes dado o apoio que prometera, sente-se mais culpado.

Geni olhou-o assustada:

-   Não é isso o que eu quero.

-   Mas é isso que está acontecendo. Como acha que ele vai reagir percebendo o quanto a fez sofrer?

Geni não respondeu logo, refletindo sobre as pa­lavras de Gilson. Depois tornou: 

-   Eu não tinha pensado nisso. Imaginava que re­velando minha tristeza estava demonstrando o quanto eu o amo e sinto saudades.


-   Ele sabe disso. E é por esse motivo que está sensibilizado por não ter correspondido ao seu afeto como gostaria. Mas tanto a senhora como ele, sabem que a separação é temporária. Um dia vocês vão se encontrar e poder esclarecer todos os pontos.

-   É verdade, mãe. Apesar de tudo, nós já temos a certeza de que a vida continua. Essa é uma benção que devemos agradecer a Deus.
Maria Lúcia, que estivera calada, manifestou-se:

- Apesar de não ter conhecido meu pai, lamento sua morte. Não é esse fato que me incomoda. Sei que a vida faz tudo certo e se o levou de volta foi porque era o melhor. Sei que ele nos abandonou, mas não me permito julgá-lo. O que me entristece é que minha mãe não o perdoa. Essa atitude a está fazendo sofrer e impedindo sua recuperação. Ninguém pode estar em paz conservando o ódio no coração. Minha mãe é uma pessoa boa, sua atitude não se justifica.

O que eu mais quero é que ela perceba o mal que está fazendo a si mesma e possa equilibrar-se. Jacira abraçou-a com carinho:

-   A dor às vezes obstrui o raciocínio. Ela amava seu pai, entregou-se a esse amor com sinceridade, mas no momento em que esperava apoio e afeto, ele, seduzido pela ambição, trocou-a por outra. Sentiu-se duplamente rejeitada, sofreu por ela e mais ainda por você. Tenho impressão de que ela não perdoa o fato de ele ter abandonado a filha que ela tanto ama.

-   Mamãe sempre foi muito apegada a mim. O tempo todo me superprotegia, querendo suprir a falta do meu pai. Eu notava isso.

-   Temos que mudar nossa atitude. Você deve jogar fora a tristeza e não olhar essa situação com preocupação. O que vai ajudar é ficar mais positiva. Confiar na ajuda espiritual. Lembre-se de sua mãe de maneira mais otimista. Reveja os momentos de ale­gria que viveram juntas. Deseje que ela fique bem. Mande-lhe energias de amor e paz. Vamos contribuir para que ela se refaça.

Maria Lúcia beijou a face de Jacira com carinho:

- Tem razão. Eu estava agindo errado. Quando minha mãe morreu, pensei que tivesse ficado sozinha no mundo. Mas a vida trouxe-me para cá. Pensei ter encontrado amigos generosos que me aceitaram e deram carinho. Mas encontrei a minha família. Meus avós, tios. 

Tudo que nunca pensei que teria. Entendi que a vida cuida de nós e sempre nos apoia. Não vou mais ficar triste. De agora em diante vou confiar. Assim como a vida cuidou de mim com tanto carinho, também vai cuidar de minha mãe.

Geni e Aristides juntaram-se a elas no mesmo abraço emocionados por suas palavras. Depois, Aris­tides pediu a Maria Lúcia:

- Estamos precisando de um café. Não quer pro­videnciar?

- Vou agora mesmo.

Ela deixou a sala e Gilson, que se sentara nova­mente, tornou: 

- Há ainda outro assunto que eu desejo conversar com vocês.


Aristides se interessou:

-  Quer que eu visite alguns fregueses enquanto Jair está fora?

-  Sua ajuda é sempre bem-vinda. Podemos con­versar sobre isso mais tarde. Nosso assunto é outro.

Vendo que os dois sentados no sofá olhavam atentos, Gilson continuou:

- Acho que nos conhecemos bem, portanto vou direto ao assunto. Eu e Jacira nos gostamos, queremos nos casar, pedimos que nos abençoe.

Os dois não esconderam a surpresa e Aristides respondeu satisfeito:

- Tem todo nosso apoio. Serei muito feliz em tê-lo em nossa família.
Maria Lúcia, que voltara com a bandeja de café, colocou-a sobre a mesa e aproximou-se:

- Eu sabia! Até que enfim criaram coragem para decidir. Em vez do café é melhor buscar uma cham­panhe. Temos que comemorar!

Geni muito emocionada perguntou:

- Pensam em se casar logo?

-   Sim. O mais breve possível! Geni olhou para Jacira:

-   Você também vai nos abandonar?

- Você sabe que não. Ainda não programamos os detalhes. Mas queremos ter a nossa própria casa.

-  Isso mesmo - concordou Gilson -, mas nos ins­talaremos perto e continuaremos sempre juntos.

- Além do que sua neta continuará lhes fazendo companhia - completou Jacira.

Maria Lúcia trouxera uma garrafa de champanhe, Aristides abriu, serviu e cada um apanhou uma taça, depois ele disse:

- Vamos brindar pela felicidade dos noivos e que continuemos juntos por muitos anos.

Tocaram as taças, beberam um pouco. Depois, Geni levantou novamente a taça:

-   Que o espírito do Neto, esteja onde estiver, re­ceba nosso carinho e saiba que o amamos muito. Que ele fique em paz e seja feliz.

-   Que assim seja - murmuraram todos emocio­nados.

Geni, mais refeita, foi para a cozinha ligar nova­mente o fogão e terminar o almoço.

Na sala, os noivos trocavam ideias sobre o casa­mento. Gilson desejava levar Jacira a Minas Gerais para apresentá-la a sua família e comunicar o noivado.

Depois do almoço, os dois, sentados no sofá da sala, olhos nos olhos, mãos dadas, conversavam fa­zendo projetos para o futuro.

Dois dias depois, Jair voltou da viagem. Não en­contrando Gilson no apartamento nem na empresa, foi até o ateliê procurar Jacira e encontrou-o na sala dela. 

Depois dos cumprimentos, Gilson abraçou Ja­cira contando a novidade. Jair não conteve o entu­siasmo. Deu um sonoro beijo no rosto corado da irmã e abraçou o amigo:


- Esta foi a melhor notícia que recebi nos últimos tempos. Bem que desconfiei. Você vivia rodeando Jacira.

Depois de comentarem sobre o casamento, Jair perguntou:

-   Vocês contaram a mamãe sobre o Neto?

-   Sim. Mas achamos melhor omitir certos detalhes para poupá-la. Mamãe sentiu muito.

-   Ela sabia que Neto tinha morrido.

-   Mas não tinha certeza. Gilson conversou muito com ela, e aos poucos, ela foi se acalmando.

- E papai, como reagiu? Ele é mais reservado.

-  Embora tenha se esforçado para parecer durão, deu para perceber que se emocionou. Mostrou-se magoado por Neto ter nos abandonado. Maria Lúcia, apesar do entendimento que tem, sentia-se preocu­pada porque Rosalina não o perdoou.

-  Quando todos ficaram mais calmos, falei que queremos nos casar e eles aprovaram. A tristeza ficou momentaneamente esquecida, seu pai fez um brinde e tomamos champanhe - explicou Gilson.

-  Foi melhor do que eu esperava! Pensei encon­trar um ambiente de tragédia e encontrei essa notícia boa! Ainda bem!

-  Dá para perceber que em todos esses aconteci­mentos, fomos muito auxiliados pelos nossos amigos espirituais - lembrou Gilson.

-  Tem razão - concordou Jacira.

-  Também acho - completou Jair -, depois de amanhã é quarta-feira. Estaremos lá para agradecer a Deus.

Fez ligeira pausa e continuou:

- E quem sabe o que poderá acontecer? Tenho esperança de que o espírito de Marina volte para contar-nos o resto da história, conforme prometeu.

-   Isso só vai acontecer no momento certo -opinou Gilson.

-   Quem pode saber se não será nesta semana? - indagou Jacira sorrindo.

Em seguida, passaram a conversar sobre os ne­gócios e suas expectativas sobre o futuro.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário