Na manhã seguinte, quando chegou à oficina de costura, Margarida a esperava com um sorriso:
- Vamos entrar, tenho uma coisa para você. Jacira,
curiosa, acompanhou-a até o toalete.
- Veja este vestido. É do
tempo que eu trabalhava com moda. Foi o único que restou. Infelizmente, não
serve para mim, mas estou certa de que serve como uma luva em você. O que acha?
Ela segurou o vestido que tirara
da sacola e os olhos de Jacira brilharam. Era de seda azul-escuro, muito
bonito, e ela adorou.
- É lindo! Nunca tive um
vestido de seda! Mas deve ser caro.
Não tenho como comprá-lo.
- Eu
não estou vendendo. É um presente. Guardei-o como recordação e esperava poder
voltar a trabalhar no meu ramo.
- Mas
não posso aceitar! Você pode vendê-lo e conseguir um bom dinheiro por ele!
- Ele
não me custou nada. Ganhei o tecido e eu mesma fiz. É um presente. Experimente. Vamos ver
como fica em você.
As mãos de Jacira tremiam
quando segurou o vestido colocando-o
na
frente do seu corpo.
- Vamos, experimente. Logo vai tocar o sinal e
teremos de entrar!
Margarida ajudou-a a despir-se
e a
colocar o vestido. Ajeitou o fecho, os ombros, depois disse triunfante:
- Eu não disse? Ficou lindo!
Meu olho ainda é bom. Sei quando uma roupa vai cair bem.
- Gostaria de ver como
ficou, mas o espelho aqui é tão pequeno!
- Não vai precisar fazer
nada. Está perfeito. Pode levá-lo. É seu.
Os olhos de Jacira encheram-se de lágrimas. Abraçou a amiga dizendo:
- Obrigada! Nunca esquecerei
o que está fazendo por mim.
- Eu adoro ver uma pessoa
elegante, bem-vestida.
- Você é uma modista de
classe. Por que continua trabalhando nesta oficina? Poderia costurar para fora.
- Eu gostaria. Mas não tenho
uma cabeça boa para fazer contas. Acho que foi por essa razão que tudo deu
errado.
- Pois eu sou boa nas
contas. Se não fosse, não poderia sustentar meus pais com o que ganho aqui.
A campainha soou e
Margarida ajudou-a a tirar o vestido e a
colocar o outro. Depois, ambas se apressaram a ir para o salão de trabalho.
Durante o dia inteiro
Jacira trabalhou pensando no vestido que ganhara. Não via hora de ir para casa
e vesti-lo novamente, olhar no espelho para ver como ficara.
O dia custou a passar e
ela até se esqueceu de reformar o vestido que vestia conforme havia planejado.
Quando deu o sinal, apressou-se
a sair,
segurando a sacola com o vestido como se fosse um tesouro.
Margarida aproximou-se dizendo:
- Vou sair com você. O porteiro pode estranhar você
levar o vestido que eu trouxe.
- Ele deve saber que você
entrou com essa sacola.
- Eu
lhe mostrei, mas na saÃda é bom que ele saiba que eu lhe dei.
Ao
passar na portaria, Jacira abriu a bolsa e a sacola, como de praxe, e ambas
puderam sair. Na rua, ela agradeceu mais uma vez a amiga e dirigiu-se à fila do
ônibus, como de costume.
A
espera pareceu-lhe mais longa do que de costume. Finalmente, conseguiu entrar
no ônibus e pegar um lugar no último banco.
Algumas pessoas preferiam ficar em
pé na frente, do que se sentar atrás, porque ficava mais difÃcil na hora de
descer.
Ela
chegou em casa já havia anoitecido. Nem se importou com as recomendações da mãe
que, como sempre, havia deixado a cozinha para arrumar. Foi direto para o
quarto, vestiu o vestido, abriu a porta do guarda-roupas onde havia um espelho
grande e olhou.
O
vestido lhe assentara como uma luva. O modelo afinara sua cintura, o decote em V ressaltara seu busto e
ela reconheceu que tinha um corpo bem feito.
Emocionada,
passava as mãos pelo vestido sentindo a delicadeza da seda, virando-se de um
lado a outro com os olhos no espelho. Seu corpo parecia de outra pessoa,
contudo, não gostou dos seus cabelos. Seu penteado não combinava nada com
aqueles trajes.
Desanimada,
sentou-se na cama pensando:
"De
que adianta ganhar este vestido tão lindo se eu não tenho classe suficiente
para usá-lo? Depois, aonde irei com um vestido desses? Certamente não o usaria
para trabalhar". E ela nunca saÃa para passear.
Tirou
o vestido, pendurou-o no cabide,
guardou-o no armário. Por que para ela as coisas não davam certo?
Ganhara um vestido lindo, mas não tinha aonde ir, nem sapatos e bolsa que
combinassem. Suspirou triste.
Geni bateu na porta dizendo:
- Jacira,
o que está fazendo fechada no quarto? Seu pai quer falar com você.
- Já
vou.
Em
seguida, ela colocou um vestido, desceu, e foi até a sala onde Aristides folheava o jornal.
- Quer
falar comigo, pai?
- Sim.
Eu preciso de dinheiro. O João me disse que em JundiaÃ, na fábrica de tecidos,
estão precisando de gente. Quero tomar um trem e ir até lá.
- Pai,
é muito longe. Não dá para trabalhar todos os dias a essa distância.
- Eu
preciso de emprego. Você e sua mãe vivem dizendo que não arranjo trabalho
porque me acostumei sem fazer nada. Eu quero trabalhar. Posso ir para lá, sim.
- Será
caro e cansativo.
- Eu
posso me mudar para lá.
- Isso
não é possÃvel. Eu trabalho aqui. Se nos mudarmos perderei meu emprego.
- Vocês
ficam, eu posso morar lá sozinho.
- Já
pensou que teria que pagar pensão ou aluguel e no fim do mês não teria nem
dinheiro para pagar as contas? É melhor desistir dessa ideia.
- Está
vendo, Geni? Eu
quero trabalhar, mas vocês me atrapalham.
- Jacira
tem razão. Você não ganharia nem para as despesas.
Depois, como sabe se eles o
aceitariam? Você já passou dos cinquenta.
- Vocês
querem me desanimar.
- Nada
disso, pai, em tudo é preciso ter bom senso.
- Quer
dizer que você não vai me dar o dinheiro?
- Não
vou. Vamos procurar um emprego aqui mesmo.
- Se
ao menos eu tivesse dinheiro para me inscrever em uma agência...
- No
ano passado você se inscreveu, pagou a taxa apenas para descobrir que já passou
da idade em que as fábricas aceitam os operários.
- Do
jeito que você fala não vou arranjar emprego nunca.
- Se
você fosse mais modesto e pegasse o que aparece estaria
trabalhando. Mas não
quer rebaixar o seu nÃvel salarial na carteira.
- Isso
eu não faço mesmo. Sou um operário especializado. Trabalhei mais de vinte
anos. Não posso agora aceitar qualquer coisa para não morrer de fome.
Jacira
suspirou desanimada e respondeu:
- Está
bem, pai. Faça como quiser.
- Não
adianta falar com ele - comentou Geni irritada -, é teimoso feito uma mula. Bem que ele
poderia ter aceitado o lugar de vigia na oficina do Valdemar.
Jacira
afastou-se para não ouvir aquela discussão de sempre. Foi à cozinha, e, mesmo
sem fome, apanhou o prato feito que estava no forno, olhou-o e colocou-o
novamente no mesmo lugar.
Estava
cansada. Resignada, apressou-se a arrumar a cozinha, queria ir para o quarto
dormir.
Quando
terminou tudo e estava subindo as escadas para o quarto, Geni gritou da sala:
- Não
se esqueça de acordar mais cedo amanhã para buscar pão. Não temos nem pão velho
para o café.
Sem
responder, Jacira entrou no quarto e fechou a porta. Estendeu-se na cama
vestida sentindo pena de si mesma e da vida sem graça que levava.
Ela
sentia que estava no limite de suas forças e precisava esforçar-se para não
reagir e gritar toda sua raiva. Por que ela precisava pensar em tudo dentro de
casa? Por que o pai, que ficava o dia inteiro sem fazer nada, não podia
levantar cedo e ir buscar pão? Por que sua mãe, que não tinha nenhuma doença,
não lavava a louça do jantar e deixava tudo para ela?
Revoltada,
Jacira revirou-se na cama e desejou sumir, ir para longe, como fizeram os
irmãos. Apesar desse desejo acariciado havia tanto tempo, no fundo ela sabia
que nunca teria coragem de abandonar os pais. O que seria deles se ela fosse
embora? Morreriam de fome, com certeza.
Não.
Ela não tinha saÃda. Teria de continuar suportando essa desgraça e encontrando
forças para não perder a cabeça.
Lágrimas
desceram pelo seu rosto e ela sequer as enxugou. Deixou-as correr
livremente como a se lavar de todas aquelas
coisas ruins das quais não conseguia livrar-se.
Até que, cansada, virou de
lado e adormeceu. No dia seguinte, acordou cedo e sentiu o estômago vazio. Lembrou-se de que não havia comido nada desde o almoço, no dia
anterior.
Levantou-se
admirada por perceber que havia
dormido vestida, sem escovar os dentes. Sentiu um gosto amargo na boca, foi
imediatamente escovar os dentes e tomar um banho.
Vestiu o vestido que havia
apertado e ensaiou mudar o penteado. Mas não gostou e acabou deixando os
cabelos como sempre. Eram seis horas e ela tinha tempo para ir comprar pão,
conforme Geni queria.
Apanhou a carteira, foi Ã
cozinha, colocou água no fogo para ferver e saiu. Ao chegar à padaria, havia
uma pequena fila para comprar pão.
O cheiro gostoso de café e
do pão quente a fez sentir mais fome. No balcão havia muitas guloseimas
apetitosas, mas Jacira desviou o olhar. Não queria gastar, preferia economizar
para melhorar seu guarda-roupa.
Enquanto esperava na fila, notou que um rapaz magro,
alto, olhava-a admirado. Jacira passou a
mão pelo rosto. Teria passado muito pó-de-arroz?
Comprou pão e foi saindo.
O rapaz estava na porta e quando ela passou, abordou-a:
- Como vai, Jacira? Ela
respondeu:
- Bem - e foi saindo. Ele continuou:
- Não se lembra de mim? Ela fixou-o e reconheceu:
- Você não é o Arlindo?
- Isso mesmo. Pensei que não houvesse me reconhecido. Você está diferente...
para melhor.
Jacira não entendeu:
- Como assim?
- Mais elegante, mais
bonita... O que você fez?
Então ela notou que ele a
olhava com certo interesse. Seu coração disparou, suas pernas bambearam. Controlou-se, porém, e respondeu:
- Nada.
Sou a mesma de sempre.
- Não
é não.
- Eu
tenho que ir.
Ela
andou, mas ele a acompanhou:
- Vou
para o mesmo lado que você.
- Estou
com pressa, tenho que ir trabalhar.
Ela
apressou o passo, e ele continuou caminhando ao seu lado. Ao chegar em casa ela
viu Geni na
janela, olhando admirada.
- Você
vai todos os dias comprar pão a esta hora?
- Não.
Vou entrar. Até outro dia.
Apressada,
Jacira abriu a porta e entrou. Geni a esperava irritada:
- Não
se envergonha de sair com um vestido tão curto e apertado?
Está fazendo isso
para chamar atenção dos homens?
Jacira
enrubesceu de
raiva, mas procurou não responder. Sua mãe havia coado o café; ela sentou-se,
apanhou um pão, passou margarina, serviu-se de café, adoçou e começou a comer.
- Você
não ouviu o que eu disse? Antes de sair vá trocar o vestido.
Jacira
fulminou a mãe com o olhar e respondeu:
- Não
vou trocar. Se quer saber, de hoje em diante vou me vestir assim todos os dias.
É bom se acostumar.
- Isso
não pode ser verdade. Você está querendo chamar a atenção dos homens.
- Eu
não quero nada disso. Todas as moças que eu conheço vestem-se assim e eu não
sou diferente. Nunca mais vou usar aqueles vestidos sem graça, largos e
escuros.
Aristides entrou na cozinha e Geni gritou:
- Está
vendo, Tide, como essa menina está nos afrontando? Quer sair com esse vestido
apertado, curto, chamando a atenção dos homens. Ela vinha da padaria acompanhada...
pudera, vestindo-se desse jeito!
- Era
o Arlindo, filho
da d. Elvira, sua
amiga. Não estava me acompanhando, ia para o mesmo lado que eu, cumprimentou-me
e acompanhou-me.
- Antes isso não acontecia...
Aristides, que odiava
discussões pela manhã, tentou contemporizar:
- Geni, ela já explicou, era o Arlindo. E você, Jacira,
precisa ter paciência com sua mãe. Ela fala para seu bem.
Jacira ignorou tanto um
quanto outro, levantou-se e foi para o quarto
apanhar a bolsa. De passagem, olhou-se
no
espelho e lembrou:
Você está diferente... para melhor. Mais elegante,
mais bonita...".
Sorriu. Era a primeira vez que um homem a elogiava.
Embora fosse o Arlindo, que não tinha nada de bonito, era um homem e a admirara
como mulher.
Satisfeita, apanhou a bolsa e saiu. Passou rapidamente
pela sala e ganhou a rua.
Uma vez dentro do ônibus foi pensando que quando recebesse o salário,
separaria algum dinheiro para comprar pano e fazer um vestido e talvez pudesse
também ver um par de sapatos. Ela mesma costuraria, pediria para Margarida
cortar e ela faria o resto.
Quando chegou à oficina
ainda era cedo e assim que encontrou Margarida, depois dos cumprimentos, disse:
- Estou pensando em comprar
um tecido para fazer um vestido. Você me ajudaria? Eu sei costurar, mas tenho
medo de cortar.
- Claro. Em minha casa ainda
tenho alguns cortes de tecido, se você gostar posso vender bem barato e ainda
ajudar você a fazer.
- Será ótimo.
- Vá no domingo a minha casa e vou lhe mostrar o que tenho. Se gostar, tiro
as suas medidas e já começamos a trabalhar.
- Onde você mora?
- Na Penha. Não é difÃcil de ir. Mas é preciso ir cedo para dar tempo de
fazer tudo.
- A que horas?
- Lá pelas nove da manhã.
Você almoça comigo.
- Não
quero dar trabalho.
- Não
é trabalho. É bom ter uma amiga para conversar.
- Eu
posso levar alguma coisa.
- Não
é preciso. Comida simples, mas não falta nada.
- Obrigada
pelo convite. Serei pontual.
O
sinal tocou e imediatamente elas entraram para trabalhar. Jacira estava
contente. Finalmente tinha uma amiga que se interessava pelo seu bem-estar.
No
horário do almoço, ficaram juntas conversando com prazer.
- Se
eu soubesse fazer o que você sabe, não estaria trabalhando nessa oficina.
Estaria costurando para fora.
- Eu
tentei, mas não tive sorte.
- Não
entendo por quê. Há muitas mulheres que procuram uma boa costureira. Pelo que
vi, você conhece bem a profissão.
- Disso
não tenho medo. Sou boa mesmo. Mas eu não sei controlar o dinheiro. Sempre
gasto mais do que posso e compro mais do que preciso.
- Eu a
admiro. Não sei como consegue fazer isso. Quando meu filho pede alguma coisa eu
compro mesmo que fique devendo. Não sei dizer não.
Pouco
tempo depois, o sinal tocou e elas recomeçaram a trabalhar.
No
domingo, Jacira se levantou cedo, comprou pão, fez café e o estava tomando
quando Geni apareceu
na cozinha:
- Hoje
é domingo. Você não vai trabalhar, por que se levantou tão cedo?
- Preciso
sair.
- Sair?
Para onde? Esqueceu que o cesto de roupas está cheio para passar e durante a
semana você diz que está cansada, que não tem tempo?
- Hoje
não farei nada.
- Posso
saber aonde você vai?
- Passar
o dia na casa de uma amiga.
- Amiga?
Você nunca teve nenhuma amiga.
- Agora
tenho. Ela me convidou para passar o dia em sua casa.
Preciso estar lá antes
das nove.
Geni meneou a cabeça negativamente e respondeu:
- Por
que tão cedo?
- Porque
temos muitas coisas para fazer.
- Hum! Já sei. Ela está querendo
explorar você, que é bem capaz de ir lá fazer serviço para ela em vez de
cumprir suas obrigações em casa.
Jacira
não respondeu. Tentou segurar a raiva. Teve vontade de gritar que era ela quem
ia receber a ajuda da amiga, mas pensou melhor e achou que seria bom não dizer
nada e provocar a curiosidade dela que sempre queria saber tudo, até seus
pensamentos.
Por
esse motivo, fez um ar de mistério e disse:
- Não
é nada disso. Nosso assunto é outro, muito melhor. Agora vou me arrumar,
preciso ir.
- Não
vai dizer o que vão fazer lá?
- Não.
- Vai
ver que se trata de alguma coisa errada...
- Pense
o que quiser. Já vou indo.
- Eu preciso que você me passe um vestido. Faz mais de
uma semana que ele está no cesto e você ainda não o passou.
- Não
tenho tempo. A senhora pode passá-lo e até adiantar um pouco as roupas mais
urgentes.
Enquanto
Geni resmungava
protestando, Jacira foi ao quarto, vestiu um dos vestidos que havia ajustado,
apanhou a bolsa e saiu.
Ao
fechar a porta ainda ouviu os protestos de Geni e sorriu contente por estar
fazendo alguma coisa diferente do habitual e que lhe estava dando prazer.
Queria chegar logo à casa
de Margarida, tomou um ônibus,
que não
estava cheio, sentou-se ao lado da janela e ficou
olhando para a rua, observando os lugares pelos quais o veÃculo passava.
Desceu no ponto final e
caminhou conforme Margarida havia indicado, procurando a rua. Uma feira livre
chamou sua atenção.
Ela foi até lá e perguntou a uma feirante onde ficava a rua
que procurava. Ela explicou que ficava depois da última barraca, do lado
direito.
Jacira foi caminhando
vagarosamente até lá, observando as mercadorias e as chamadas dos feirantes
oferecendo seus produtos.
Havia uma oferta de uvas,
mas o dinheiro não dava; ela preferiu comprar um pacote de balas para Marinho.
Chegou pontualmente à casa da amiga e foi recebida
com alegria. Era uma casa térrea, com pequeno jardim na frente e uma varanda
onde ficava a porta de entrada.
A casa era pequena, dois
quartos, sala, cozinha, banheiro, mas tudo muito limpo e arrumado. Havia vasos
com flores sobre a mesa da sala e toalhas de croché sobre os móveis.
Jacira sorriu vendo a
festa que Marinho fez com as balas. Apesar da pouca idade ele era bem-educado e antes de colocar uma bala na boca, ofereceu para
as duas.
- Como ele é educado! - comentou Jacira. Margarida sorriu:
- Faço questão que ele aprenda a dividir o que tem
com os amigos.
Mas venha, Jacira, vamos ao meu ateliê.
Jacira acompanhou-a ao quintal onde havia um quarto com duas máquinas
de costura, um manequim, uma cômoda
com
gavetas, uma mesa grande e algumas cadeiras.
- Que beleza! - exclamou Jacira. - Você tem um salão de costura montado.
- Tenho. Veja, tenho até máquina para forrar botões.
Abriu
uma das gavetas da cômoda e continuou:
- Aqui
tenho os moldes de todos os manequins. Nesta outra, tesouras, carretilhas, fitas
métricas, alfinetes, tudo. Nesta última, alguns cortes de tecido que não
vendi. Vou confessar que, apesar de tudo, não tive coragem para me desfazer de
todas estas coisas.
Houve um tempo em que alimentei a esperança de voltar a
trabalhar por conta própria.
- Pois
eu acho que você deveria mesmo fazer isso.
- Tenho
medo de me meter novamente em confusão. Custei para pagar tudo quanto fiquei
devendo. Mas vamos olhar os tecidos. Se você gostar, poderemos começar agora e
no fim da tarde seu vestido estará pronto.
- Não
sei se poderei pagar. Eu pretendia comprar um tecido bem barato.
- Veja
esses cortes. Não são lindos?
Jacira
olhou e ficou encantada. Cada um era mais bonito do que o outro.
- Eu
gostaria muito, mas esses eu penso que são caros.
- Qual
nada. Eu os tenho há algum tempo. Comprei-os no atacado, ao preço que as lojas
compram para revender. Vai sair o preço que você pagaria por um tecido de má
qualidade em qualquer loja.
Os
olhos de Jacira brilhavam cheios de interesse.
- Quanto?
- Vou
fazer para você o preço que eu paguei. Está marcado na etiqueta. Veja.
Jacira
olhou e perguntou:
- Só
isso?
- E
você pode me pagar em duas ou três vezes, quando puder.
Estou fazendo isso
porque quero vê-la bonita e feliz.
- Nesse
caso vou aceitar.
Ela
escolheu um, depois Margarida colocou alguns figurinos para escolherem o
modelo. Por fim, tirou as medidas e começou a trabalhar.
Jacira
olhava, seus olhos brilhavam como os de uma criança que ganha um brinquedo há
tempos desejado. Não queria perder nada do que Margarida fazia.
Ela
sentia que finalmente encontrara uma amiga verdadeira e que essa amizade se
firmava a cada instante e seria para toda a vida.
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